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SUMÁRIO

REDE SOCIAL  SOCIEDADE EM REDE

2.3 O COMPLEXUS DOS SISTEMAS E REDES DE SERVIÇOS EM SAÚDE

O foco desta seção é discorrer sobre os fenômenos complexos a partir das ideias de Edgard Morin, associando-as à temática desta tese (i.e. rede de inovação e aprendizagem em gestão hospitalar). Justifica-se este aporte epistemológico uma vez que, nas seções

anteriores, a palavra complexidade aparece em várias assertivas ponderadas, caracterizando alguns fenômenos como complexus, quais sejam: hospitais como organizações complexas; sistemas e políticas de saúde são complexos; os sistemas de inovação possuem ações e elocidades sistêmicas complexas, dentre outras.

Morin (2007, p. 13) esclarece o entendimento de complexus:

[...] a complexidade é um tecido (complexus: o que é tecido junto) de constituintes heterogêneas inseparavelmente associadas: ela coloca o paradoxo do uno e do múltiplo. [...] a complexidade é efetivamente o tecido de acontecimentos, ações, interações, retroações, determinações, acasos, que constituem nosso mundo fenomênico.

Logo, nesta tese, não cabe uma análise das revisões conceituais por meio do pensamento cartesiano nem do holístico, mas sim, do pensamento complexo. Naves e Rocha Neto (2008) sintetizam, por meio de uma comparação não exaustiva das limitações, potencialidades e características das formas de pensar, conforme ilustrado no Quadro 3.

Assim, o pensamento complexo cabe na análise da temática das redes de hospitais como mecanismo de difusão de conhecimento em gestão hospitalar. Se, por um lado, os hospitais integram um subsistema (parte) do SUS (total), por outro, os hospitais são dependentes de outros subsistemas do SUS e de outros sistemas, quais sejam: das relações interfederativas (município, estado e federal); do complexo industrial da saúde; da ciência e da tecnologia; de sistemas que interferem nas condições de saúde das populações (educação, comunicação, informação, saneamento etc.), dentre outros.

Os hospitais são organizações com alta densidade tecnológica, responsáveis, não só por atender às demandas de ações curativas, mas por somar com as demais ações de prevenção à saúde de um dado território sanitário em que estão inseridos. Infere-se que essas organizações contribuem para os modelos de atenção à saúde no mundo todo, por prestar algum tipo de assistência e por adotar tecnologias a partir de conhecimentos apreendidos das condições de saúde de uma dada população.

Quadro 3 - Comparação sintética e não exaustiva das limitações, potencialidades e características das distintas formas de pensar

Dimensões e Propriedades

Cartesiana/

Mecanicista Holística Complexa

Princípios

Relações diretas de causa-efeito. Separação das partes para

entender o todo. Linearidade ou soma dos efeitos das partes isoladas

para determinar o comportamento do todo (proporcionalidade). Continuidade (observação de fenômenos contínuos). Ordem de natureza simples. Propriedades que emergem do todo e

que não estão, necessariamente, presentes nas partes. Observação de efeitos

sinérgicos (os resultados podem ser

maiores que a soma das contribuições das

partes). Os processos são também contínuos e determinados (não há incertezas). Emergência, influência, e interdependência.

Abordagens dialética (tese, antítese e síntese) e dialógica

(interação). Os processos podem ser

discretos (quânticos) – possibilidades de saltos e rupturas, além de caos nos processos contínuos. Ordem de

natureza complexa.

Métodos

Preferenciais Dedução e Indução. Analógicos Sínteses. Analógicos; Abdução; Hipotéticos e Homológicos. Técnicas usualmente empregadas Quantitativa Estatística Simulação Qualitativa Simulação Quantitativa Qualitativa Vocabulário/ Metáforas Relógios, máquinas, alavancas, engrenagens, agregação de valores; soma zero; articulação.

Emergência, Sinergia, Simulação.

Cérebro Humano, Sinapses, Organismos Vivos, Tese, antítese e síntese,

Não linear

Plástica Rígida Flexível Moldável

Aprendizagem

Primeira ordem (muda apenas o fazer); superficial; treino; rotina;

normativa; operacional.

Segunda ordem (muda o método e o fazer).

Profunda: muda o olhar; o método; e o fazer.

Planejamento

A partir de diagnósticos. Os problemas e soluções são bem estruturados e reconhecidos por todos. O

ideal é a objetividade.

A partir de percepção do todo. Os problemas são semi-

estruturados, e envolvem subjetividade.

Os problemas não são estruturados e os resultados

não são pré-dizíveis. Plástico, simples e situacional.

Observadores Externos ao processo. Externos. Incluídos; Protagonistas; e Comprometidos.

Ontologia Metafísica. Metafísica. Evolucionista e relacional,

conectando o poder ser e o devir (vir a ser). Fonte: Naves; Rocha Neto (2008, p. 128-129).

Não obstante a reforma sanitária institucionalizada no Brasil, a partir dos anos de 1980, os modelos de saúde no mundo estão sofrendo uma crise, desencadeada por uma conjunção de fatores. Vecina Neto (2011, p. 4) destaca alguns desses fatores:

 O envelhecimento da população e a consequente mudança no padrão de consumo dos serviços de saúde.

 A mudança do perfil epidemiológico das populações (diminuição das enfermidades infecciosas, aumento da prevalência das enfermidades e agravos não transmissíveis, recrudescimento de enfermidades da velha agenda das infectocontagiosas, como tuberculose, dengue, cólera etc., e o aparecimento de novas enfermidades infecciosas, como Aids, Ebola, hantavirose etc.).

A difusão do conhecimento gerando transformações importantes na

disposição das pessoas em relação ao consumo de ações e serviços de saúde.

 A medicalização na sua concepção de coisificação do consumo de atos e serviços médicos em busca de saúde, devido a sua banalização, a sua mercantilização etc.

 O corporativismo dos profissionais de saúde, levando a uma divisão do trabalho, que desconstrói as necessárias inter e transdisciplinaridade da ação em saúde e transforma o paciente em vítima de múltiplos profissionais.

 A revolução tecnológica em curso, que vem oferecendo, cada vez mais, novas alternativas, porém sem necessariamente abandonar as anteriores e com custos crescentes.

 A busca da equidade, ou seja, de uma situação em que todos tenham acesso a tudo dentro de suas necessidades com financiamento estatal (grifo nosso).

Este conjunto de fatores promove uma “desordem” nos sistemas de saúde institucionalizados pelos Estados-Nação. Os Estados-Nação fomentam uma “ordem”, por meio de regulamentações, e uma “organização”, por meio de uma estrutura de serviços e modelos de atenção à saúde, tal como o Brasil o faz por meio do SUS. Aqueles fatores listados por Vecina Neto podem ser associados a uma situação de aumento da complexidade contemporânea (desordem), e, se esses forem assimilados e observados pelos agentes que regulamentam (ordem) e operacionalizam (organização) os modelos de sistemas de atenção à saúde, possibilitariam a auto-eco-organização19 dos sistemas, conforme proposta por

Morin (2005a).

Morin (2005a) fundamenta princípios norteadores de uma teoria denominada ‘teoria

da organização’, defendendo uma relação trinitária entre desordem/ordem/organização,

que conforma um circuito tetralógico. Para Morin (2005a, p. 97), este circuito é irreversível e espiralado, no qual: “a) a desordem produz ordem e organização (a partir das imposições iniciais e de interações); b) a ordem e a organização produzem desordem (a partir de transformações); c) tudo o que produz ordem e organização produz também irreversivelmente desordem”.

19 Segundo Morin (2005a), a auto-ecoorganização (autonomia/dependência) preconiza os seres vivos como

auto-organizadores, os quais se autoproduzem incessantemente, gastando suas energias, salvaguardando, assim, a sua autonomia. Para tanto, esses seres retiram energia, informação e organização do ambiente nos quais estão inseridos, caracterizando a auto-ecoorganização.

Com base nesta teoria da organização, Morin (2005a) idealizou um anel/circuito tetralógico de ordem/desordem/interação/organização (Figura 3), dentro do qual os sistemas se colocam em constante oscilação.

Figura 3 - O Anel Tetralógico

Fonte: Morin (2005a, p.78).

Sendo assim, no caso de sistemas de atenção à saúde, a fim de minimizar a desordem (e.g. conjunto de fatores e condições que afetam à saúde), os indivíduos, ou as organizações, por intermédio das interações, demandam o surgimento de uma nova ordem (e.g. regulamentações) da organização, ou do conjunto estrutural do sistema (e.g. estrutura operacional), respectivamente, e, assim, sucessivamente. Os conceitos de ordem e de organização só se desenvolvem em função um do outro. Quanto mais a ordem e a organização se envolvem, mais se tornam complexas, mais setoleram, utilizam e necessitam até da desordem (MORIN, 2005a).

Para Morin (2005a), uma das principais características do pensamento complexo são as qualidades emergentes que surgem resultantes da interação de partes ou de indivíduos movidos segundo algumas poucas e simples regras locais. Assim, uma vez que certas condições estejam presentes, a ordem pode surgir de situações aparentemente caóticas.

A proposta do pensamento complexo de Morin (2003) reúne e ressalta “o desafio da incerteza”, sendo recorrente buscar princípios para tratá-lo. Nesse sentido, Morin preconiza sete princípios-guia, complementares e interdependentes, para pensar a complexidade. Nesta seção, quatro desses princípios são associados à discussão dos aportes conceituais discorridos neste capítulo, verticalizando-os para as redes dos hospitais no contexto do SUS.

1) o sistêmico ou organizacional, no qual “a organização do todo produz qualidades