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A composição multifacetada, porém binária, do conceito de sexo de Harry Benjamin e a importância do sexo psicológico

3.3. A TRANSEXUALIDADE NA CONCEPÇÃO DE ROBERT STOLLER (1968; 1982)

3.4.1. A composição multifacetada, porém binária, do conceito de sexo de Harry Benjamin e a importância do sexo psicológico

Logo no início de The Transsexual Phenomenon (1966; 1999), Benjamin afirma que a palavra “sexo”, na língua inglesa, é difícil de ser definida com precisão, dada a sua pluralidade de sentidos e multiplicidade de abordagens possíveis, sendo que, em sua opinião, quanto mais o assunto é estudado pela comunidade científica, mais se perde o seu sentido científico exato, remanescendo com relativa estabilidade apenas os significados social e jurídico do termo.

Não obstante tais dificuldades e observações, Harry Benjamin arrisca uma compreensão de “sexo” de composição multifacetada, a qual envolve diferentes tipos de sexo, quais sejam: o cromossomático (ou genético), o anatômico (morfológico ou, para alguns, fenotípico), que se subdivide em genital e gonádico (este último também se subdividindo em germinal e endócrino), o psicológico, o social e o jurídico. Embora múltipla, essa composição adota, na descrição de todos os seus componentes, uma matriz binária, sempre assinalando o que diz respeito ao

69 masculino e ao feminino. Senão, vejamos.

O sexo cromossomático (de acordo com o qual a reunião dos cromossomos XX indicaria o sexo feminino e a presença dos cromossomos XY equivaleria ao sexo masculino, podendo, contudo, haver outras configurações passíveis de serem encontradas e caracterizarem “anormalidades” genéticas, tais como XXY, XXYY ou XXXXY) seria o “sexo fundamental”, preliminar, por conter informações genéticas que determinarão a formação dos caracteres sexuais primários e secundários.

Ambos os grupos de caracteres, primários e secundários, constituiriam, por sua vez, o segundo tipo de sexo considerado pelo endocrinologista, o sexo

anatômico, o qual se subdividiria em sexo genital e sexo gonádico.

O sexo genital corresponderia aos órgãos sexuais visíveis, isto é, seria determinado pela genitália do indivíduo. Neste ponto, o próprio autor assinala que é esse o sexo que, na linguagem corrente e pelas regras sociais dominantes, define quem será homem e quem será mulher (BENJAMIN, 1999, p. 08); a mesma base biológica, genital, que definiria esse tipo de sexo determinaria, também, conforme indica Benjamin, um outro tipo, o sexo jurídico.

Já o sexo gonádito, por outro lado, corresponderia à parte interna dos órgãos reprodutores, quais sejam, os ovários e testículos; subdivide-se, também, em dois sexos, em razão das duas funções que as gônadas exercem: de um lado a produção de gametas, de outro a produção de hormônios; com efeito, o sexo germinal destinar-se-ia à produção dos gametas masculinos (espermatozoides) ou femininos (óvulos), sendo que, para H. Benjamin, onde há esperma, há “masculinidade”, e onde há óvulos, há “feminilidade”, e o sexo endócrino relacionar-se-ia com a produção hormonal sobretudo de andrógenos ou estrógenos, hormônios responsáveis, nas palavras do autor, pela virilidade verificável nos homens e pela “suave e encantadora” feminilidade presente nas mulheres24.

24 Conforme explica Harry Benjamin (1999, p. 08): “The germinal sex serves procreation only. The

normal testis produces sperm and where there is sperm, there is maleness. The normal ovary produces eggs (ova) and where they are found, there is femaleness. But male- or female-ness does not mean masculinity or femininity. These are different concepts, the former referring to "sex" and the latter to "gender". They take in the entire personality. The masculine man and the feminine woman are primarily inherited qualities, but to a large extent they are also the products of the endocrine sex. The abundant supply of androgen in a male would tend to make him more virile, a "he-man", and the rich production of estrogen would insure - at least to some extent - the soft and lovely femininity of the typical woman (I am referring here mainly to physical characteristics. Many psychological ones can be acquired)”. [“Tradução livre: O sexo germinal serve apenas à procriação. Os testículos normais produzem esperma e onde existe esperma, há “algo de masculino”. O ovário normal produz ovos (óvulos) e onde estes se encontram, há “algo de feminino”. Mas “algo de masculino” e “algo de

70 Por fim, quanto ao sexo psicológico – já que sobre o sexo social Benjamin foi tecendo considerações ao longo da exposição sobre os outros tipos, tais como o fato de lastrear-se, também, em bases anatômicas, na genitália do indivíduo, mas considerar, ainda, fatores ambientais e de formação –, o endocrinologista assevera que se trata do tipo de sexo mais flexível e importante, podendo estar em oposição a todos os demais, o que causaria grandes problemas para os que vivenciam esta oposição capaz de tornar suas vidas frequentemente trágicas.

Apesar de considerado “flexível”, o sexo psicológico teorizado por Harry Benjamin também concerne apenas ao ser homem ou ao ser mulher, mantendo o padrão binário.

3.4.2. “Somos todos intersexuais”

De tudo o quanto foi aduzido, Benjamin conclui que “somos todos intersexuais” anatomicamente, mas, de modo mais específico, do ponto de vista endócrino; o que nos definiria como machos/homens ou fêmeas/mulheres nestes dois sentidos, anatômico e endócrino, seriam as estruturas sexuais e os hormônios predominantes, capazes de influenciar tanto na aparência, quanto no comportamento do indivíduo, ainda que a primeira também receba o influxo de outras características hereditárias e o segundo também seja moldado em razão de fatores ambientais e educacionais.

Eis que, face ao arcabouço teórico-conceitual sobre o “sexo” construído nos termos supracitados, o sexólogo e endocrinologista afirma, com segurança – no que ficou mais conhecido e se tornou a sua grande contribuição para a abordagem médica da transexualidade –, que o tratamento hormonal e/ou mediante intervenções cirúrgicas poderia interferir significativamente no sexo endócrino, feminilizando um homem ou masculinizando uma mulher, de modo a demonstrar que nenhum dos tipos de sexo por ele considerados, à exceção do cromossomático ou

feminino” não significa masculinidade ou feminilidade. Estes são conceitos diferentes, o primeiro referindo-se ao "sexo" e o segundo ao "gênero". Eles levam em conta toda a personalidade. O homem masculino e a mulher feminina são qualidades principalmente herdadas, mas em grande medida, são também produtos do sexo endócrino. A oferta abundante de andrógeno em um homem tenderia a torná-lo mais viril, um "He-Man", e a rica produção de estrogênio poderia assegurar – pelo menos até certo ponto – a feminilidade suave e encantadora da típica mulher (Eu estou me referindo aqui principalmente a características físicas. Muitas características psicológicas podem ser adquiridas)”.].

71 genético, é fixo e imutável.