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A dinâmica de alocação dos papéis sociais, o mecanismo de aprendizagem e a função da família nesse contexto

3.6. A TEORIA DOS PAPÉIS SOCIAIS DE TALCOTT PARSONS (1951)

3.6.3. A dinâmica de alocação dos papéis sociais, o mecanismo de aprendizagem e a função da família nesse contexto

Em um sistema social, as estruturas mais sólidas transcendem os atores sociais individualmente considerados e temporariamente responsáveis pelo seu funcionamento quando no desempenho dos papéis sociais que lhes foram atribuídos, justamente porque se sustentam sobre esses papéis, os quais são distribuídos em um processo contínuo de substituição, sempre em andamento, mas nunca executado de forma total ou definitiva.

A dinâmica de alocação de papéis representa, portanto, um elemento crucial para a manutenção das estruturas e para a integração do sistema – sobretudo quando as exigências vinculadas a um determinado papel social coincidem com as motivações individuais, nos moldes do que já foi discutido, significando que tal papel foi devidamente assimilado.

O processo de assimilação de um papel social se inicia com os primeiros critérios de alocação, os quais, para Talcott Parsons (s/d, p. 79), são adscritivos, em relação à idade e ao sexo, e racionais, no que concerne à posição social; os primeiros seriam imutáveis, enquanto os segundos poderiam vir a ser modificados. Ou seja, a atribuição de um papel começa com o nascimento do bebê, classificado como pertencente a um dado sexo e inserido em um dado contexto familiar e social (status), de modo que somente esta última situação pode vir a mudar.

Será no contexto familiar que o processo de assimilação prosseguirá, pois é onde tem início o processo de socialização da criança, afinal, a família é considerada por Parsons responsável por prepara-la e inseri-la na sociedade, posicionando-a e estimulando-a a atender a uma série de expectativas sociais vinculadas aos papéis que terá de assumir, seja o de homem ou de mulher, de marido ou de esposa, de pai ou de mãe, dentre outros. Para o sociólogo, uma poderosa força existente no sistema de ação determinaria a perpetuação da família,

47Essa distribuição de papeis representaria “mais um elemento fundamental, para Parsons, no que

concerne à estrutura básica do sistema social. Tal estrutura, nas palavras do autor (PARSONS, s/d, p. 78), ‘se describe con las respuestas a preguntas tales como: ¿de cuáles tipos de roles se constituye?,

91 uma vez constituída, indicando a criança como a peça-chave nessa questão, por ter recebido o influxo das condições de socialização inerentes ao primeiro lar.

A família, decorrente da união entre um homem e uma mulher, da qual resultariam filhos, corresponderia, portanto, a uma das instituições/estruturas mais consistentes e importantes do sistema social, exercendo uma função de inegável relevância na socialização do indivíduo e, por conseguinte, na sua transformação em um ator social, bem como gerando a necessidade afetiva de constituição de novos vínculos, a fim de que a criança, na fase adulta, possa vir a formar o seu próprio núcleo, perpetuando a instituição e dando prosseguimento ao exercício de suas funções48.

A forma como a família conduz a assimilação dos papéis sociais é através do

mecanismo49 de aprendizagem, uma vez que, se o sistema social opera com base em mecanismos motivacionais e os mecanismos de personalidade subdividem-se

48 Nas palavras do sociólogo norte-americano: “Parece, pues, que la personalidad del infante humano

se ha desarrollado siempre en el contexto de ciertas tempranas vinculaciones crucialmente importantes; la madre representa sin duda el más amplio. Sea cual sea la importancia de estos hechos en orden a las posibilidades generales del desarrollo de la personalidad, parece que son cruciales para la perpetuación de la familia como un foco central de la estructura social. El punto más esencial es que el niño crece con una necesidad profundamente enraizada de vinculaciones adultas que pueden servir de sustituto a sus vinculaciones infantiles. Más aún, este sistema de vinculación llega a estar estructurado en torno a los ejes de la discriminación sexual. Seguramente, á pesar de la plasticidad institucional aparentemente muy grande de las estructuras de necesidad eróticas, la gran regularidad con que es tabú la homosexualidad, o solo permitida dentro de límites muy estrechos, es otro hecho que merece ser equiparado a los de la adscripción de estatus inicial, el cuidado de los niños y la regulación de las relaciones heterosexuales como una uniformidad social central. Un punto esencial es sobre todo, pues, que el niño tiene su desarrollo erótico canalizado en la dirección de la heterosexualidad normal y que esta comprende no solo necesidades de gratificación erótica en un sentido específico, sino también el situar algunas gratificaciones eróticas al menos en el contexto de una vinculación heterosexual difusa. Una vinculación estable de un hombre con una mujer que comprende de suyo relaciones sexuales, da como resultado casi automáticamente una familia. Si esto acontece, las fuerzas que tienden a integrar al niño en la misma unidad son ciertamente muy poderosas” (PARSONS, s/d, p. 104).

49 Talcott Parsons define um mecanismo nos seguintes termos: “(...) A este fin se hace necesario

aclarar aún más el concepto de mecanismo, que utilizamos aquí en un sentido paralelo al que tiene en fisiología y en psicología de la personalidad. Un proceso es toda forma o modo en que un estado determinado de un sistema o una parte de un sistema se transforman en otro estado. Si su estudio es objeto de la ciencia, se supone que todo proceso se halla sometido a leyes, las cuales se formularán con arreglo a unas determinadas relaciones de interdependencia entre los valores de las variables relevantes. Sin embargo, es frecuente que las leyes que controlan un proceso sean conocidas solo parcialmente, e incluso que se ignoren en absoluto. Aun entonces cabe la posibilidad de describir el proceso según sus fases inicial y final, e incluso posiblemente con arreglo a sus estadios intermedios, o bien dar un paso más y establecer unas generalizaciones empíricas en torno suyo. Todo científico que estudie las interdependencias de las variables, por regla general procede a aislar el proceso en particular o clases de procesos que le interesan, considerándolos como un sistema. Ahora bien, a este mismo fin se hace preciso estudiar el proceso en cuestión como parte de un sistema más amplio. Cuando esto se hace de tal manera que el interés se concentra en la significación de los resultados alternativos del proceso para el sistema u otras de sus partes, se llama mecanismo al proceso” (PARSONS, s/d, p. 132).

92 em três categorias, aprendizagem, defesa e ajustamento, a família seria uma das principais responsáveis pela primeira dessas categorias.

O mecanismo de aprendizagem compreenderia um conjunto de processos destinados a transmitir ao ator social elementos norteadores para as suas ações, tais como diretrizes valorativas, potenciais interesses e perspectivas, objetivos e metas. Um mecanismo que continua agindo sobre o indivíduo para além dos seus primeiros anos de vida e se estende por toda a sua existência, promovendo o que seria uma “adaptação normal” e o desenvolvimento de pautas valorativas/culturais.

É por intermédio da aprendizagem que um papel social é assimilado e passa a ser desempenhado, não como um mero desdobramento de predisposições inatas. O aprendizado voltado para a escolha e adoção de determinados comportamentos, atitudes, posturas e expectativas, compatíveis com o papel social originalmente alocado, corresponde a uma espécie particular de aprendizagem, sobre a qual assevera Parsons (s/d, p. 135): “A este proceso lo llamaremos proceso de

socialización, y al proceso motivacional por virtud del cual se produce (...) mecanismos de socialización. Estos son los mecanismos implicados en los procesos del funcionamiento «normal» del sistema social”.

No âmbito da família, também os papéis sexuais seriam aprendidos e teriam as suas bases fixadas na infância, a partir da relação da criança com os pais, uma vez que o sociólogo incorpora premissas do pensamento freudiano, como o “Complexo de Édipo”50, para explicar a assunção e o desenvolvimento do papel de

50 De acordo com o “Vocabulário da Psicanálise” de Laplanche e Pontalis (1986, p. 116), o Complexo

de Édipo corresponde ao: “Conjunto organizado de desejos amorosos e hostis que a criança sente em relação aos pais. Sob a sua forma dita positiva, o complexo apresenta-se como na história de Édipo-Rei: desejo da morte do rival que é a personagem do mesmo sexo e desejo sexual pela personagem do sexo oposto. Sob a sua forma negativa, apresenta-se de modo inverso: amor pelo progenitor do mesmo sexo e ódio ciumento ao progenitor do sexo oposto. Na realidade, essas duas formas encontram-se em graus diversos na chamada forma completa do complexo de Édipo. Segundo Freud, o apogeu do complexo de Édipo é vivido entre os três e os cinco anos, durante a fase fálica; o seu declínio marca a entrada no período de latência. É revivido na puberdade e é superado com maior ou menor êxito num tipo especial de escolha de objeto. O complexo de Édipo desempenha papel fundamental na estruturação da personalidade e na orientação do desejo humano. Para os psicanalistas, ele é o principal eixo de referência da psicopatologia”. Nos dizeres do próprio Freud (2006, p. 316), em carta a Wilhelm Fliess (Carta 71, 1897): “Um único pensamento de valor genérico revelou-se a mim. Verifi quei, também no meu caso, a paixão pela mãe e o ciúme do pai, e agora considero isso como um evento universal do início da infância (...) Sendo assim, podemos entender a força avassaladora de Oedipus Rex (...) a lenda grega capta uma compulsão que toda pessoa reconhece porque sente sua presença dentro de si mesma. Cada pessoa da plateia foi, um dia, em germe ou na fantasia, exatamente um Édipo como esse, e cada qual recua, horrorizada, diante da realização de sonho aqui transposta para a realidade, com toda a carga de recalcamento que separa seu estado infantil do seu estado atual”.

93 homem ou de mulher, além das características de masculinidade51 ou feminilidade52 e as suas respectivas manifestações na ordem social. Também a perpetuação do tabu do incesto, a condenação moral e social à homossexualidade, e o estímulo ao desenvolvimento de uma sexualidade “normal”, isto é, heterossexual, reforçando todo um padrão heteronormativo, estariam relacionados à assimilação destes papéis.

Nesse sentido, o reforço positivo dos pais, manifesto através de aprovação e recompensa, assim como o reforço negativo, expresso em forma de desaprovação e castigo, no que diz respeito à demonstração de traços concernentes a um determinado gênero, a princípio, mas também a uma dada sexualidade, em momento oportuno, seriam cruciais para desencadear os mecanismos de

51 A masculinidade, na teoria parsoniana, desenvolve-se da seguinte maneira: “Es posible presumir

que en esta situación las recompensas recíprocas antes mencionadas se encuentran en conexión especialmente con la identificación, por parte del muchacho, con su rol masculino, y de este modo no solo incluyen la aceptación de los valores generalizados de ambos padres, que puede suponerse que ellos comparten normalmente, sino que llevan consigo la particularización de aquellos valores aplicándoselos a sí mismo, cuando llega a comprender que debe crecer para ser un hombre, en un sentido normativo. Lo que forma uno de los principales focos de su socialización en este punto es la aprobación y la estima de sus padres por sus demostraciones de masculinidad. Por consiguiente, se identifica con su padre en un doble sentido: primero, en que comparte los valores en general, y en cuanto a su grupo de edad, los de ambos padres; y segundo, en que acepta la norma de que su aplicación a él debe hacerse en el rol diferenciado de un muchacho, a diferencia del de una chica. En la sociedad norteamericana, al menos, el prolongado «período latente», con sus evidencias de masculinidad compulsiva y su estricta segregación de los sexos, no por ley de los adultos, sino por presión de grupos de iguales, como fenómenos socialmente pautados, indica de modo muy claro que en este caso el proceso de aprendizaje lleva necesariamente implícitos complicados procesos de ajuste” (PARSONS, s/d, p. 146).

52Quanto ao papel sexual feminino, explica o sociólogo que: “El caso de la muchacha muestra una

interesante combinación de similitudes y diferencias. El «peligro» que entraña el retener su estatus infantil no es el de identificación con un rol sexual equivocado, sino el no poder ser capaz de formar una vinculación adecuada con el sexo opuesto. Seguramente su padre constituye para ella el prototipo del objeto masculino, al igual que para su hermano. Pero, una vez más, el tabú del incesto prohíbe una simple transferencia de vinculación erótica desde la madre al padre, de manera que debe renunciarse, primero, a la vinculación con la madre, después a una vinculación infantil erótica para con la madre y, finalmente, desarrollar una vinculación madura para con un hombre. Esto implica una compleja combinación de identificaciones con la madre y con el padre. En función del rol sexual, como es lógico, lo Preceptuado es que se acepte el rol de la madre, y de aquí la identificación con ella en este sentido. Pero debe tener lugar aún el proceso de emancipación de la Vinculación materna infantil. Cabe suponer que en esto desempeña un papel crucial la identificación con el padre, pero debido al carácter complementario de los roles sexuales, podrá librarse de algunas de las presiones que actúan en el caso del muchacho. Puede imaginarse que, debido a la presión ejercida para que renuncie a la vinculación materna, existe una tendencia a transferir las necesidades eróticas al padre, pero a su vez esto se ve reprimido por las implicaciones del tabú del incesto. Muy bien pudiera ser que este bloqueo constituya un foco fundamental del resentimiento femenino contra los hombres. Pero lo más importante es que, tanto para la muchacha como para el chico, el padre representa un foco esencial de presión que le induce a crecer, a renunciar al infantilismo y, por tanto, a aprender las orientaciones de Valor del mundo adulto de la sociedad; en ambos casos, la vinculación con su madre constituye una barrera a su aprendizaje, y la intervención del padre es una palanca que le hace desprenderse de esta vinculación” (PARSONS, s/d, p. 146).

94 compensação do novo ator social. Ao ativar os mecanismos motivacionais de personalidade, responsáveis por estimular e orientar o seu agir, as suas escolhas e expressões, de forma “saudável”, compatível com o papel em que fora alocado desde o nascimento e com as expectativas sociais correlatas, a reação dos pais garantiria a correta e funcional inserção do jovem na sociedade e, em última escala, o funcionamento e a estabilidade do próprio sistema social.

O aprendizado iniciado na infância atingiria o ápice na idade adulta, ultrapassando a relação do menino com a mãe ou da menina com o pai e ganhando outras dimensões, em que os papéis sexuais e sociais revelar-se-iam ainda mais imbricados. Para Parsons, o erotismo evidenciado de forma simbólica na infância representaria apenas uma parte, mas uma parte significativa, do aprendizado e assimilação de um papel social.

Essa “sexualidade infantil” consistiria, portanto, na etapa inicial de assimilação de um determinado papel social/sexual, bem como para o desenrolar de comportamentos associados ao gênero masculino ou feminino. Já na idade adulta, o desejo sexual “normalmente desenvolvido” em torno da heterossexualidade reforçaria o referido aprendizado acerca da compreensão social do ser homem e do ser mulher, ocasionando a compatibilização dos papéis complementares de homem e de mulher para fins de estabelecimento de uma relação amorosa, de um casamento e, por fim, de constituição de uma nova unidade familiar53.

3.6.4. Desvio, controle e integração – as possibilidades de desvio na