• Nenhum resultado encontrado

3.2 CONSTRUINDO UMA REDE FEMININA ATIVISTA

3.2.2 Compreendendo o ciberfeminismo

O ciberfeminismo surgiu por volta dos anos 1990 a partir do desenvolvimento das tecnologias, e com a inserção do uso dos computadores e internet no cotidiano, as pautas sociais ficavam cada vez mais próximas dos sujeitos. Essa aproximação também se estabeleceu no dia a dia das mulheres, construindo suas narrativas a partir de novas ferramentas. Para Azzelini e Martino “a inserção do discurso feminista nas redes, o

ciberfeminismo é, fundamentalmente, uma contestação a nível artístico, filosófico e político das estruturas envolvendo gênero e tecnologia” (AZZELINI; MARTINO, 2017, p. 2).

O termo ciberfeminista surgiu em 1991 a partir da publicação de um manifesto (Figura 1, p. 77)37 do grupo australiano VNS Matrix, composto por midiartivistas em homenagem a Donna Haraway e o Manifesto Ciborgue. A propagação do manifesto se deu principalmente através de emails. Para Juliana Pierce38, uma das líderes do grupo VNS Matrix, o conceito estava surgindo também em outras partes do mundo em resposta ao movimento ciberpunk, mas ganhou força devido ao interesse das mulheres na conexão entre teoria feminista e tecnologia (DE MIGUEL; BOIX, 2013, p. 55). Levando a abordagem feminina para o contexto da tecnologia ao longo dos anos 90, o grupo se utilizou de diversos aparatos como jogos e intervenções artísticas para ocupar todos os espaços (AZZELLINI; MARTINO. 2017).

Figura 1 - Manifesto Ciberfeminista para o século 21, VNS Matrix, 1991

Fonte: Transmediale, 2012.

37 VNS MATRIX. A Cyberfeminist Manifesto for the 21st Century. Disponível em: <https://transmediale.de/content/a-cyberfeminist-manifesto-for-the-21st-century>. Acesso em 28 mar. 2019. 38 “A versão atualizada do ciberfeminismo é mais sobre networking, webgrrrls, garotas geek, FACES8, OBN, publicações online, prospecção de carreiras, lista de servidores e conferências internacionais. É sobre HybridWorkspace 9e as 100 antíteses, é sobre arrecadar subsídios e financiamentos e criar oportunidades para se encontrar e fazer trabalhos. É sobre treinamentos e criação de oportunidades, fazer dinheiro, negócios e acordos. É abraçar a diversidade e a diferença, ser opinativa, ser barulhenta e ficar quieta em certos momentos. Mas a chave de tudo isso é informação: na sociedade da informação, para ficar à frente, você precisa controlar a mercadoria. Informação é política, é uma arma, e quanto mais conhecimento nós temos, mais poderosos nós somos” (PIERCE, 1998 apud AZZELLINI; MARTINO, 2017, p. 13).

O ciberativismo em seu início não só levantava a discussão da ocupação feminina em todos os espaços, mas manifestava-se através de produções artísticas não deixando de lado a discussão histórica das mulheres no mundo. Em Zeros and Ones (1997), uma importante contribuição para o início da discussão do movimento ciberfeminista – juntamente com o grupo VNS Matrix – Sadie Plant parte de uma teoria pós-ciborgue, discorrendo sobre como as mulheres sempre estiveram envolvidas com o uso da tecnologia, desde os trabalhos com operações de telefone, datilografia, máquinas de lavar e outros. Lemos (2009, p. 57) afirma que o objetivo do livro de Plant (1997) era “recuperar a figura feminina perdida na história das tecnologias”, promovendo através de uma contextualização histórica, partindo da história de Ada Lovalace, a primeira programadora de computadores do mundo, a relação entre mulheres e tecnologia, mostrando que as mulheres “são máquinas inteligentes, que a robótica é feminina, que o zero –o nada no código binário – sempre foi o 0-utro, o feminino” (LEMOS, 2009, p. 58).

A relação entre mulheres e máquinas na perspectiva de Plant (1997) era algo muito antigo e fazia parte da história do desenvolvimento da tecnologia. O manifesto do grupo VNS Matrix em 1991 trouxe para as discussões de mulheres o termo ciberfeminismo, mas somente no ano de 1997, na Primeira Internacional Ciberfeminista, em Kassel na Alemanha, que o movimento ganhou estatura oficial (LEMOS, 2009), reunindo “mulheres e grupos com diferentes origens, culturas e atuações que através de workshops, debates e apresentações discutiram novas maneiras de representação e atuação da mulher nos meios tecnológicos” (OLD BOYS NETWORK, 1997). Buscando não definir o termo ciberfeminismo para fazer com que a corrente de pensamento fosse ampla e sem amarras, o grupo Old Boys Network (OBN) escreveu o manifesto 100 Anti-theses39, no qual constavam cem proposições do que o movimento ciberfeminista não se tratava, “devido às suas mais variadas formas de apropriação e expressão, o cyberfeminismo não se encaixaria num conceito único” (BARROS, 2009, p. 6).

39 “O ciberfeminismo não é separatismo; o ciberfeminismo não é tradição; o ciberfeminismo não é maternalista; o ciberfeminismo não é uma fronteira; o ciberfeminismo não é sem conexão; o ciberfeminismo não está à venda; o ciberfeminismo não é natural; o ciberfeminismo não é alter-ego; o ciberfeminismo não é triste; o ciberfeminismo não é uma falta...” OLD BOYS NETWORK. 100 anti-theses. 1997. Disponível em: <http://www.obn.org/reading_room/manifestos/html/anti.html>. Acesso em 28 mar. 2019.

Para Alex Galloway a discussão estabeleceu-se a partir de duas correntes, o “ciberfeminismo radical”, tendo como referência o “Manifesto de la Zorra Mutante” do grupo VNS Matrix, e o “ciberfeminismo conservador”, do grupo OBS (Old Boys Network). De Miguel e Boix (2013, p. 56) ainda acrescentam uma terceira vertente, o “ciberfeminismo social”, no qual as autoras falam que em paralelo à discussão dos dois grupos existia uma conexão a partir da discussão dos direitos humanos, “estabelecendo pontes entre estes movimentos e o feminismo e proclamando o uso estratégico de novas tecnologias e do espaço virtual na transformação social” que busca pelo empoderamento das mulheres através da luta contra a sociedade patriarcal e suas implicações (DE MIGUEL; BOIX, 2013, p. 57-74).

Na Segundo Internacional Ciberfeminista, que aconteceu em 1999 em Roterdão, na Holanda, ao contrário das antíteses produzidas no primeiro encontro, as participantes pensaram em concepções que poderiam expandir as ações do ciberfeminismo nos próximos debates. A ideia de pensar no ciberfeminismo a partir das múltiplas identidades e diferenças permeou as concepções ditas e estabeleceu como estratégia a luta pela diversidade (FARIAS, 2015).

O ciberfeminismo coloca em discussão a utilização da tecnologia como ferramenta de ativismo, com o debate acerca do ciberespaço e cibercultura ganhando força e o aumento da utilização da internet no cotidiano dos indivíduos, o surgimento do ciberfeminismo foi necessário. Para De Miguel e Boix, o ciberfeminismo se alinhava ao movimento feminista a partir da apropriação do ciberespaço para promover suas estratégias, utilizando das novas tecnologias como “ferramenta para a emancipação e empoderamento das mulheres” (DE MIGUEL; BOIX, 2013, p. 164).

Para Haraway (1985, p. 47) a base da discussão em torno da conexão entre gênero e tecnologia, era a “o de utilizar as tecnologias de rede para a modificação da realidade político- social das mulheres”. Entre discussões e manifestações de midiartivismo, o ciberfeminismo se mostrou um movimento plural e descentralizado, a discussão se estendeu para outros locais do mundo fazendo com que o movimento também fosse desterritorializado.