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Invisibilidades negras no YouTube

3.5 ESTRATÉGIAS NEGRAS NO CIBERFEMINISMO

3.5.1 Invisibilidades negras no YouTube

Se apropriar de ferramentas como o YouTube para ecoar essas vozes e fomentar uma discussão na luta por direitos iguais e respeito perante a sociedade, faz com que o ciberfeminismo se torne um fenômeno também dentro da cultura participativa. O YouTube

50 “O Blogueiras negras é construído por uma comunidade de mulheres comprometidas com gênero e raça. Este grupo reuniu-se e institucionalizou um site (blogueirasnegras.org/), que reúne e estimula a produção para veículos de comunicação independentes produzidos por e para mulheres negras. Estamos trabalhando com histórias de vida e interesses diversos; juntando esforços em torno de questões da negritude, do feminismo e da produção de conteúdo. Nós fazemos nossa própria história através da nossa própria escrita, uma ferramenta de luta e resistência. Viemos para contar nossas histórias, nos exercitarmos numa atividade que é continuamente negada em uma sociedade estruturalmente desigual e discriminatória.” BLOGUEIRAS NEGRAS. Disponível em: <http://blogueirasnegras.org/>. Acesso em: 14 maio 2018.

com suas características de fácil manuseio e com o desenvolvimento das novas tecnologias e aproximação dessas ferramentas no cotidiano dos indivíduos, resulta em alterações diretas nas relações sociais e implica também no surgimento de novos objetos de estudos. Com o fato de esses resultados serem ligados as relações sociais, todas as pesquisas partem de um contexto específico, não podemos apenas categorizar o uso das redes sociais como ferramenta transformadora sem nos atentarmos a qual objeto de estudo estamos nos referindo. O YouTube como objeto de estudo pede em paralelo uma contextualização dos marcadores e indicadores do conjunto, na nossa compreensão, a ferramenta de fato vem sendo utilizada para ecoar vozes que anteriormente não tinham espaço na mídia tradicional. A diversidade de temáticas nos faz enxergar as inúmeras identidades existentes na sociedade, mas pode nos aproximar do senso comum e nos distanciar de uma visão cuidadosa e crítica a respeito de quais representações estão alcançando likes e visibilidades no ciberespaço.

Na discussão de Graeme Turner sobre o assunto, ele argumenta que o aumento da representação de pessoas comuns como celebridades temporárias ou em potencial na mídia de massa representa mais a “popularização” do que a “democratização” da mídia. Mesmo quando pessoas comuns se tornam celebridades por meio de seu próprio esforço criativo, não há necessariamente transferência de poder de mídia: elas permanecem dentro do sistema de celebridades inerente à mídia de massa e por ela controlado. De acordo com Turner, a “vez do povo” na cultura da mídia depende das estruturas de celebridades existentes para gerar a “celebridade comum” que, longe de fornecer alternativas à indústria atual da mídia, é produzida e assimilada por ela (BURGESS; GREEN, 2009, p. 44).

Compreendendo que a popularização de determinadas plataformas e a facilidade de interação, vários atores sociais começaram a utilizar dessas ferramentas não só como espaço de fala, mas também como modo de vida. Percebendo o crescente mercado de influenciadores digitais que possuem como produto não só o seu conteúdo, mas a sua imagem como representação de suas subjetividades, alguns sujeitos negros adentraram ou tentam adentrar a esse mercado de influenciadores.

Considerando que a imagem dos sujeitos negros por muitos anos – e ainda atualmente – esteve relacionada a aspectos negativos, como suas imagens e as representações de suas vivências na mídia, através de estereótipos e imagens de controle, por exemplo, esses sujeitos ainda enfrentam dificuldades de se estabelecerem nesse novo mercado. Essa dificuldade desencadeou na criação de uma agência voltada para youtubers negros, a Côrtes Assessoria.

Egnalda Côrtes criou a empresa em 2016, mas a ideia inicial era a de auxiliar seu filho adolescente Ph Côrtes, que pensava em desistir de produzir conteúdos para o YouTubepois não visualizava crescimento em seu canal. Esse fato fez com que Egnalda buscasse conhecimento a respeito desse novo mercado e em seguida pudesse compartilhar seus conhecimentos contribuindo com outros canais de youtubers negros a partir de sua perspectiva mercadológica. A empresária - que hoje assessora mais de vinte influenciadores negros - fala que compreendeu que seu trabalho era de fato importante para que as verdades dos sujeitos negros não fossem silenciadas também nas redes sociais, como YouTube.

Se meus agenciados não ganhassem dinheiro, eles iam parar, porque pagam conta. Meu sonho é atingir de verdade e equidade social no Brasil, pensando nos meus netos e bisnetos. Quero mexer com a estrutura social do País e o ativismo digital é uma delas (CÔRTES, 2017). 52

A oportunidade se expandiu não só para os seus assessorados, Egnalda entrou na lista das mulheres mais inspiradoras pelo Think Olga em 2017 e é uma das quinze mentoras de aceleração de negócios de canais do Google, além de ser convidada em 2018 para ser uma das curadoras do maior evento publicitário da América Latina, o Social Media Week. Através de sua perspectiva mercadológica, a empresária considera importante traçar estratégias para que as marcas entendam a importância de possuírem sujeitos negros em sua diversidade, unindo narrativas que agreguem a imagem da marca não apenas em aspectos financeiros, mas também a partir da responsabilidade social.

Fazer com que o mercado entenda a importância da narrativa de diferentes influenciadores foi o maior desafio, pois o lugar comum é o de eleger apenas um, assim como ocorreu na mídia tradicional. Quando o mercado entende que esses produtores são plurais, atendem perfis distintos de audiência e são igualmente importantes, conseguimos estabelecer uma valorização e precificaçao coerentes ao branding gerado a marca que se conecta (CÔRTES, 2017). 53

Pensando que as novas mídias podem ser utilizadas como ferramentas capacitadoras e mobilizadoras, mas também podem continuar sendo uma representação das relações sociais

52 CÔRTES, Egnalda. O negócio de Egnalda Côrtes? Promover talentos negros no YouTube. Voa, Maria. 27 de Nov. de 2017. Disponível em: < https://voamaria.com.br/negocio-egnalda-cortes-talentos-jovens-negros-no- youtube/>. Acesso em: 24 de maio de 2019.

53 Idem. 22 de dez. de 2017. Disponível em: <https://mundonegro.inf.br/egnalda-cortes-o-nome-por-tras-dos- maiores-youtubers-negros-do-brasil/>. Acesso em: 24 de maio de 2019.

offline, a apropriação do YouTube pelos sujeitos negros podem expandir a discussão a respeito de suas subjetividades e produzir também novos modos de representação de suas imagens agora exibidas através dos próprios sujeitos.

Dessa maneira buscando entender essas novas representações e conteúdos inseridos no YouTube, iremos nos debruçar através de uma análise comparativa, partindo da perspectiva ciberfeminista em sua diversidade. Utilizando como método de análise a interseccionalidade e a interação proposta pelo contexto participativo da plataforma, realizaremos um estudo descritivo com o objetivo de expor a diferença de alcance e visibilidade entre canais de youtubers negras e não negras, buscando compreender se as diferenças ali existentes são desencadeadas de novas formas de racismo dentro da comunicação contemporânea.

CAPÍTULO IV

Nos capítulos anteriores a partir de uma pesquisa bibliográfica percorremos por conceitos e aspectos importantes para que pudéssemos compreender o lugar da mulher negra no imaginário social, nos debruçando nas suas discussões e conquistas dentro movimento feminista, através do feminismo negro e interseccional, além das representações de suas imagens nas mídias e sua apropriação das novas tecnologias como ferramenta articuladora.

Como vimos anteriormente apesar da base da rede social YouTube ser a cultura participativa, dando acesso e visibilidade a sujeitos que anteriormente não possuíam espaço em outras mídias, as mulheres negras ainda estão em lugar de desvantagem. Dito isso, dentro da vasta possibilidade de temáticas femininas inseridas nos canais do YouTube, definimos como recorte para essa pesquisa canais que possuem como temáticas centrais a discussão acerca do feminismo e empoderamento feminino. Este capítulo é dedicado ao mapeamento desses canais e análise dos dados, expondo não só as diferenças de visibilidade entre eles mas identificando quais as subjetividades entre essas mulheres estão inseridas no imaginário social como um padrão universal do “ser mulher”.