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Compreensão da Psicodinâmica Familiar e Seus Reflexos no Processo Sucessório

4 APRESENTAÇÃO E ANÁLISE DOS RESULTADOS

4.4 Compreensão da Psicodinâmica Familiar e Seus Reflexos no Processo Sucessório

Neste tópico foi possível compreender a psicodinâmica familiar da família empresária sob a perspectiva dos próprios membros, bem como dos funcionários que trabalham há mais tempo na empresa e possuem uma relação mais próxima com os proprietários.

Macedo (1993) explica o conceito de família sob duas perspectivas: pelo senso comum e pela ciência. No cotidiano implica a ideia de uma entidade composta de certos membros – pai, mãe, filhos – cuja responsabilidade dos primeiros é procriar e cuidar dos filhos. Nesta ótica, a família também é definida como um refúgio seguro no qual se retorna após as batalhas decorrente do dia a dia, um lugar de paz e harmonia, ou seja, o melhor lugar para crescer.

Do ponto de vista científico, família define-se como uma unidade social, cujo objetivo principal consiste na socialização das crianças por meio da educação e da transmissão da cultura, logo, um importante agente para a manutenção da continuidade cultural.

Para a Psicologia, a família é muito importante, visto que é o primeiro ambiente no qual se desenvolve a personalidade de cada pessoa, ou seja, principal espaço psicossocial, base das relações a serem estabelecidas com o mundo. É a matriz da identidade pessoal, sendo responsável pelo desenvolvimento do sentimento de pertencimento, independência e autonomia. Esse sentimento de pertencer é decorrente da participação da criança nos diversos grupos familiares ao acomodar-se às regras e compartilhar da cultura particular da família, que é traduzida em mitos, crenças e hábitos (MINUCHIN, 1982).

O bom relacionamento no seio familiar sempre partiu de uma base forte na relação conjugal, como pode ser observado na fala de Maria: “A gente nunca brigou na frente dos filhos. Nunca discutimos na frente deles. Eu não sei se é certo ou errado, mas fazíamos assim”.

Aproveita o momento também para destacar a importância da mulher no grupo familiar: “eu acho que as mulheres são muito importantes. Em muitos casos são as mulheres que precisam fazer com que tenha essa união e eu vejo que em muitas famílias isso não tem, pois existem muitas brigas”.

Maria escolheu não trabalhar na empresa e ter seu próprio emprego. Esta decisão pode ser compreendida como forma de compensar a ausência do marido e dos filhos em casa. “Olha, eu nunca trabalhei com ele; sempre tive a minha profissão separada e isso sempre foi a vida inteira, mas teve uma época que a gente até pensou, mas eu achei que era melhor não”.

Marcos sempre foi muito ausente da vida familiar em função do tempo que dedicava ao trabalho; no entanto sempre procurou conciliar a vida profissional com a vida pessoal compensando essa ausência, principalmente no tempo que despendia para ficar com os filhos quando pequenos:

Eu trabalhava muito e a mãe deles deu muito apoio nisso, mas eu sempre digo que não é a quantidade de tempo que você destina, mas a qualidade do tempo que você pode destinar. Não adianta você ficar o dia inteiro com o teu filho sendo que você não tem um amor, não tem um carinho por ele. Pra mim, se eu pegar a bicicleta sábado de tarde ou domingo de manhã e sair andar com eles, explicar o porquê você não pode ficar junto o dia inteiro, eles entendem perfeitamente e isso pra mim é muito tranquilo (MARCOS).

Eu já tive na casa deles e a criação que eles deram para os filhos foi muito boa. Nenhum pai assim que eu conheço deu tanta atenção assim para os filhos. Marcos nunca deixou funcionário e família. Sempre tratou as pessoas da mesma forma. Ele sempre trouxe funcionários e família ao lado dele apesar de que hoje ele tem os filhos trabalhando na empresa.

Apesar dessa ausência, decorrente dos compromissos profissionais, Marcos conseguiu criar seus filhos de forma que estes não sentissem a sua falta, investindo, sobretudo, na qualidade do tempo com que ficava com eles.

Gustavo explica que, apesar de não ter um pai muito presente na sua infância, não sentiu essa falta, e que não possui nenhuma mágoa em relação ao comportamento do pai, mas lembra que a mãe sofreu mais com essa situação, e ele, por ser o filho mais velho, sempre tentou compensar essa ausência do pai dedicando mais tempo para a mãe.

O diálogo entre os membros da família é uma característica marcante. No horário do almoço, quando estão todos reunidos, eles sempre procuram conversar e, se houver algum problema, decidem juntos o que fazer.

Gabriel comenta sobre um episódio que marcou sua infância: quando o pai decidiu romper com a sociedade da empresa de implementos agrícolas e ficou desempregado por algum tempo. Apesar desta situação, conseguiu passar muita segurança para a família.

Já passamos por dificuldades financeiras, e um fato que marcou muito a minha infância foi quando o pai saiu da sociedade da empresa do segmento agrícola. Foi num almoço que eles falaram para nós o que estava acontecendo; então aquilo gerou um pouco de insegurança, tipo pera aí e agora vai fazer o quê? Em 87 eu tinha oito anos, e ele disse: fica tranqüilo, temos essa economia, tem esse objetivo de negócio então vamos ter que poupar. Isso era muito característico, pois sentávamos na mesa da cozinha e quando tinha algum problema falávamos sobre aquilo (GABRIEL).

Em tese, os membros que compõem o grupo familiar procuram separar os problemas particulares dos estressores decorrentes da vida profissional, pois isso acaba causando desgaste e afetando a relação familiar. Nos momentos em que a família se reúne para fazer alguma atividade extraprofissional, procura abrir alguns parênteses, conversar um pouco sobre trabalho, e depois optam por não falar mais de assuntos profissionais. É preciso ter em mente de que quando se trata de uma empresa familiar são duas instituições que estão em jogo – a família e o negócio – e é muito comum que acabem interferindo uma na outra.

Temos muitas histórias e experiências de que se você não tiver muito separado o que é família e o que é negócio, isso pode gerar desentendimentos na família, pode gerar coisas que não fazem bem para o negócio; então fizemos um esforço muito grande de separar essas coisas (GUSTAVO).

Todas essas características descritas a respeito do comportamento familiar influenciaram a decisão dos filhos em retornar para a empresa. Sempre existiu essa possibilidade, mas tanto Gustavo quanto Gabriel viviam há um bom tempo fora de casa e já estavam acostumados com essa condição. Tomar essa decisão, consequentemente, despertaria sentimentos de medo, insegurança e resistência, e o principal fator responsável por superar esses sentimentos foi a estrutura familiar.

Aquela empresa ali embaixo eu, literalmente, ajudei a construir. Então eu já tinha alguma participação, mas não diretamente, e isso me fez tomar algumas decisões que se eu não tivesse essa segurança familiar eu não tomaria, como, por exemplo, mudar de emprego. A decisão de retornar para o negócio da família sempre é muito complexa (GABRIEL).

A sobrevivência da empresa familiar repousa na sucessão bem-aceita e na observação de regras de convivência entre empresa e família, ajudando a perpetuar o negócio, indo de encontro com o que expõe Leone (2005, p. 42): “a sucessão pode acontecer de forma gradativa e planejada ou através de processo inesperado ou repentino de mudança da direção”. A questão sucessória, porém, deve ser prioridade, visto que uma organização só se transforma numa “verdadeira” empresa familiar quando consegue passar o controle para a segunda geração, mediante o desenvolvimento e o treinamento dos sucessores em potencial e da montagem de um processo para a seleção dos líderes. Por fim, a mudança de gestão deve ser preparada, planejada e introduzida com cautela, para que a mudança de geração não coloque em perigo a continuação da empresa.

Outro fator importante apresentado pela teoria sobre sucessão familiar é a geração de conflitos existentes no processo sucessório. A empresa familiar na segunda fase de seu ciclo de vida é uma raridade, uma vez que nessa fase ela tende a sucumbir em função da complexidade das relações e do elevado grau de conflito de interesses existente entre os membros da empresa e da família. A partir dessa fase são comuns as crises de sucessão, de liderança e de identidade, pois a geração que assume o comando ainda está adaptando-se ao processo sucessório (LEONE, 2005).

Deste modo, este estudo de caso traz alguns elementos diferentes sobre sucessão familiar dos que foram apontados em estudos anteriores (COSTA; LUZ, 2003; DAVEL, 2008; LEONE, 2005; LODI, 1987; MACCARI et al., 2006). A inexistência de conflitos pode ser atribuída ao fato de os sucessores terem outras atividades estruturadas e a empresa ter sido, de fato, uma opção para todos. O relacionamento familiar contribuiu para a integração operacional, administrativa e estratégica.

A sucessão familiar é um processo lento que exige a capacidade de administrar os conflitos que, na maioria das vezes, acompanham o processo sucessório. O importante, no entanto, é saber abrir espaço à preparação de outra pessoa para assumir o comando.

Esta parte do estudo apresentou os dados empíricos alcançados com esta investigação expondo os principais dados acerca dos objetivos levantados no início do trabalho. A seguir apresentam-se as considerações finais, possibilitando um apanhado geral do que foi visto até o momento assim como as sugestões para os meios acadêmicos e gerenciais.