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Dentre as coisas que os seres humanos consideram de maior importância podem-se destacar a convivência com sua família e o desempenho de suas atividades trabalhistas. A empresa familiar tem a interessante possibilidade de agrupar essas duas necessidades, tornando o trabalho mais harmonioso e produtivo. Muitas vezes, quando os vários cargos são preenchidos com integrantes da própria família, facilita-se o desenvolvimento da empresa em razão de o interesse tornar-se unificado e os investimentos, incluindo os sacrifícios pessoais para a criação da empresa, acabam sendo amenizados. Assim, a empresa sob gestão familiar tem suas vantagens, as quais podem viabilizá-la e levá-la ao caminho do sucesso. Em contrapartida, porém, a empresa sob esse tipo de administração também apresenta muitas desvantagens e enfrenta muitos desafios, que, se não adequadamente enfrentados, podem vir a destruir a organização.

Assim sendo, muitos são os motivos que preocupam os administradores de uma empresa familiar. Dentre esses, problemas familiares particulares que se abatem sobre os membros das famílias têm levado muitas empresas ao fracasso, uma consequência das desvantagens desse tipo de organização. Os problemas são os mais diversos e o nível de complexidade varia de acordo com o porte da empresa e as características da estrutura familiar.

Conforme Ricca (1998),

A maior preocupação das empresas familiares é a sua sobrevivência. A maioria delas enfrenta problemas existenciais ou estratégicos, isto é, dificuldades relacionadas à inadequação, tanto na utilização, quanto na escolha dos recursos disponíveis para o alcance das vantagens de mercado (p. 7).

Carrega-se em nossa sociedade o valor de que o patriarca tudo pode e aos membros do clã só cabe pedir e obedecer; caso contrário, a rebeldia pode ser “premiada” com a sua exclusão do âmbito das relações. O patriarcalismo, a face supridora e afetiva do pai, atendendo ao que dele esperam os membros do clã, e o patrimonialismo, a face hierárquica e absoluta, impondo com a tradicional aceitação sua vontade a seus membros, convivem lado a lado em nossa cultura.

O nome da família surge, quando em épocas mais remotas e primitivas, representava a atividade do chefe principal da mesma e, por decorrência, de todos os seus componentes, notadamente os do sexo masculino que acabavam por suceder mais cedo ou mais tarde, o progenitor, deste herdado as habilidades (p. 37).

Deve-se considerar que a partir daí surge o mercado econômico formal, organizado e estruturado, contendo regras, moeda, mercadoria, incorporando, então, as transações comerciais acrescidas do lucro, justificando, assim, o aparecimento na empresa da figura que vai coordenar, controlar, transformar e correr alguns riscos com o seu funcionamento.

A empresa familiar, comumente, é considerada um entrave ao crescimento de uma região porque os administradores adotam um comportamento protetivo e acabam não aproveitando as novas oportunidades do mercado global. Verifica-se, no entanto, que há muitas empresas familiares que adaptaram suas estratégias às oportunidades apresentadas pelo mercado global, demonstrando possuir características fundamentais para atuar em um ambiente altamente competitivo como o atual. A administração da empresa do tipo familiar é considerada menos burocrática e impessoal, pois o acesso à cúpula administrativa é mais fácil, o que pode tornar as operações mais flexíveis e as decisões mais rápidas do que nas de capital aberto sob gestão não familiar. Os administradores de empresas familiares vitoriosas destacam-se mundialmente pela ousadia e pelo espírito empreendedor, diversificando os negócios da família sem perder a competitividade.

A figura familiar cria um sistema baseado na lealdade e na submissão, que impede qualquer movimento contrário. Tal é a natureza da empresa familiar: pessoas com forte determinação, enorme autoconfiança e desejo de trabalhar mais tempo e com mais afinco a fim de alcançar suas metas.

Em uma empresa familiar, as divergências familiares, quando ocorrem, são abafadas e, a fim de se protegerem, os indivíduos deixam de lado a consciência crítica, o que faz preponderar o respeito e a submissão, ênfase exagerada à obediência e à lealdade dos subalternos, dificultando as sugestões de inovação. Na primeira geração esse é um fator de sucesso e de rápido crescimento; no entanto a manutenção desse modelo nas gerações seguintes pode ser uma ameaça a sua continuidade.

É possível que se crie uma confusão por parte dos herdeiros sobre a propriedade e a gestão. Por terem herdado uma propriedade, imaginam que receberam uma empresa e se julgam no direito de influir e buscar a sua realização pessoal pelo poder de gestão.

Ao analisar a história de formação de uma empresa, é possível visualizar claramente a inter-relação que o fundador cria entre a sociedade-empresa-família e os indivíduos a ela

ligados, sejam membros ou não da família. “Os paradigmas familiares ditados pelo fundador se estendem ao sistema consciente e estruturado (a empresa), provocando e produzindo comportamentos característicos de uma sociedade familiar” (BERNHOEFT; CASTANHEIRA, 1995, p. 29). O fato de ter a sua própria empresa oferece uma gama variada de opções não disponíveis à pessoa pertencente à classe média que trabalha para terceiros, principalmente o status e o poder.

Em contrapartida, é necessário assumir maiores responsabilidades e considerar que há alguns obstáculos.

Quando se fala em família, é preciso verificar se a esta quer ajudar. Esposa e filhos normalmente têm seus próprios compromissos, e a empresa talvez não seja uma prioridade para eles. É preciso, então, sincronia total e uma extraordinária sensibilidade; caso contrário, um sério conflito pode se instalar. “Os relacionamentos interpessoais são extremamente importantes numa empresa familiar. Se um indivíduo tentar impor seus valores com muito empenho a outro membro da família, os resultados poderão ser desastrosos” (FRITZ, 1993, p. 8).

A vida profissional pode acrescentar ou, pelo contrário, deteriorar/atrapalhar a vida familiar. Da mesma forma, a vida familiar pode vir a ter influências sobre a vida profissional, sejam elas boas ou ruins. Por ser tema de extrema importância, a análise das relações entre trabalho e família tem implicações importantes, tanto para as organizações como um todo quanto para os indivíduos (GREENHAUSS; SINGH, 2004).

Parasuraman, Yasmin e Godshalk (1996) exemplificam estes conflitos a partir do controle de tempo. Quanto mais tempo o indivíduo se dedica ao trabalho, menos tempo terá para se dedicar à família, havendo interferência do domínio profissional no domínio familiar, aumentando-se, desta forma, o conflito trabalho-família. Por outro lado, quanto mais tempo se dedicar à família, menos tempo terá para o trabalho, aumentando, neste caso, o conflito família-trabalho.

Ainda reafirmando a distinção entre os dois tipos de conflito, Noor (2002) conclui que quando empregamos tempo e energia extras em qualquer um dos lados (na família ou no trabalho), em contrapartida afetamos negativamente o outro. De acordo, entretanto, com pesquisa realizada com 1.306 executivos no Canadá por St-Onge et al. (2002), o que se pode constatar é que a maioria dos pesquisados percebe o conflito trabalho-família como sendo mais sério do que o conflito família-trabalho, sugerindo, desta forma, que as questões em torno da família são mais afetadas do que aquelas em torno do trabalho. Os mesmos autores mostram, contudo, que, de forma conflitante, as pessoas em geral tendem a diminuir mais as

responsabilidades com a família do que com o trabalho; isto porque os empregados inclinam- se a acreditar que sofrerão consequências negativas em maior intensidade se negligenciarem mais a vida profissional do que a familiar.

A literatura sugere que existem variáveis – como gênero, idade e estado civil – que moldam a relação entre a satisfação na carreira e o conflito entre a família e o trabalho. As mulheres tendem a fixar prioridades para suas famílias que não dependem das responsabilidades profissionais, enquanto o homem, mais frequentemente, inclina-se a priorizar a sua carreira. Dessa forma, a satisfação na carreira da mulher tende a estar negativamente mais afetada do que a do homem (MARTINS, EDDLESTON, VEIGA, 2002) quanto ao futuro e destino profissional. Assim, as carreiras das mulheres não podem ser compreendidas analisando-se sob uma perspectiva masculina, pois os homens geralmente empregam primeiramente as suas energias na vida profissional, enquanto as mulheres têm de equilibrar a sua energia tanto na vida familiar quanto na profissional (BUTTNER; MOORE, 1997).

Segundo Buttner e Moore (1997), portanto, mesmo no caso das mulheres que entram no mundo empreendedor devido à identificação de uma oportunidade, e não apenas por necessidade, um dos principais motivos que as levam a buscar o autoemprego é a flexibilização de horário que este tipo de trabalho proporciona. Pelo fato de ainda terem grandes responsabilidades domésticas, procuram, por meio do autoemprego, organizar por si sós os seus horários: não estando presas a cargas horárias rígidas, podem amenizar os conflitos entre sua vida familiar e profissional.

Este fato seria decorrente do papel social inerente à mulher de responsabilidade com a família. Existem argumentos de que as diferenças encontradas entre homens e mulheres empreendedores podem ser explicadas pelas tradições da sociedade e da persistência da ideia de que as mulheres têm a responsabilidade primária e fundamental de cuidar da casa e da família (LJUNGREEN; KOLVEREID, 1996). Assim, como durante séculos, a mulher tem sido responsável pelos afazeres domésticos. A sociedade ainda apresenta pressões e expectativas quanto ao papel feminino de ligação com o lar.

Com isto, Capowski (1992) ressalta que, embora as empreendedoras passem a ter liberdade de organizar o seu dia a dia, elas acabam tendo de trabalhar muito mais. A jornada comum de oito horas de trabalho diárias – em um emprego tradicional – passa a ser mais extensa para aquelas mulheres que têm o seu próprio negócio. Muitas vezes trabalham de 12 a 14 horas por dia, principalmente no início do empreendimento.

Além disso, o fato de ter investido recursos em uma empresa que é de sua inteira responsabilidade, acaba por acarretar preocupações que, por vezes, aumentam o estresse. O fato de trabalhar mais implica, muitas vezes, abrir mão das férias, do lazer e do convívio social. Há uma preocupação constante também com a responsabilidade de garantir o pagamento dos funcionários e o consequente bem-estar destes e de suas famílias.

No que diz respeito à liderança feminina em uma pequena empresa, nota-se que elas procuram manter um lento crescimento de sua organização, visando a preservar sua qualidade de vida, manter contato mais próximo com empregados e clientes e, principalmente, estar à frente das operações, o que lhes dá prazer. O fato de elas preferirem manter a sua empresa pequena também é influenciado pela questão trabalho e família: quanto maior for o porte do empreendimento, mais tempo terão de despender com o trabalho e, consequentemente, menos tempo terão para a vida familiar (GOSSELIN; GRISE, 1990).

O referencial teórico do presente estudo possibilitou a compreensão de alguns dos principais temas que circundam o campo das empresas familiares. Permitiu, também, entender os fenômenos organizacionais sob a perspectiva da Psicologia, que compreende o ser humano como um ser moldado, principalmente pelos valores e costumes transmitidos por intermédio da convivência com o meio familiar. Diante do supraexposto, para se compreender se os valores familiares refletem no processo sucessório alguns caminhos precisam ser percorridos, sobretudo para aprofundar e consubstanciar esta discussão. A presente pesquisa percorreu alguns caminhos que serão apresentados na parte seguinte.