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4 APRESENTAÇÃO E ANÁLISE DOS RESULTADOS

4.2 Identificação e Descrição dos Valores Familiares

A verificação do material levantado a partir das observações e das entrevistas, permitiu identificar e descrever os principais valores familiares compartilhados tanto pelos membros da família quanto pelos funcionários da Alfa. A Figura 3 ilustra os principais valores familiares descritos nesta investigação.

Figura 3: Valores Familiares

Os valores da família foram constituídos inicialmente em uma geração anterior, ou seja, os costumes que tanto os pais de Marcos quanto os de Maria, sua esposa, adotaram como princípios morais foram sendo preservados e adotados pelos filhos e netos, respeitando a individualidade e subjetividade de cada um. Nesse sentido, a tendência é que esses valores continuem vigorando entre as pessoas que compõem o grupo familiar, pois o ser humano tende a reproduzir nas próximas gerações os ensinamentos aprendidos com seus antecessores.

ALFA

VALORES FAMILIARES

Marcos, por exemplo, assumiu responsabilidades desde cedo, no momento em que seu pai decidiu que deveria aprender um ofício, pensando em seu futuro. Além da condição de ter uma ocupação, essa atitude do pai fez com que Marcos desenvolvesse maior autonomia e coragem tornando-se menos dependente da família.

Na época com 12 anos, meu pai me levou à cidade para trabalhar em uma oficina num posto de gasolina. Na conversa com o proprietário falou o seguinte: olha trouxe esse guri aqui pra aprender a estudar e pra trabalhar. Não precisa ganhar nada durante seis meses. E foi o que eu fiz: comecei a trabalhar na oficina, à noite ia pra escola e na volta fazia a ronda no posto de gasolina, e por um ano e meio eu fiz isso aí. Eu trabalhava três finais de semana e folgava um e nesse um eu caminhava 20 quilômetros sábado de tarde pra visitá-los e 20 quilômetros no domingo de tarde pra voltar pra cidade.

Essa passagem da infância está relacionada ao início das atividades da empresa Alfa, pois a trajetória de vida e de trabalho de cada indivíduo depende, em grande parte, de suas experiências particulares no andamento de sua primeira socialização que acontece no grupo familiar. Daí a importância dessa socialização tanto em âmbito interpessoal quanto social (BERGER; LUKMANN, 2004).

Do ponto de vista da Psicologia, o passado não pode ser considerado um determinante único do presente, pois existem outros fatores que também influenciam a formação de personalidade. Sem dúvida, porém, ele está lá na origem dos fenômenos e acontecimentos humanos determinando-os. Ele é, sim, a base sobre a qual o ser humano consolida a sua existência, biografia e identidade (GOFFMAN, 1975).

O contato entre pai e filho no cotidiano é referência na organização psíquica da criança devido ao seu papel estruturante do desenvolvimento do ego e, principalmente no período da adolescência, passa a servir de suporte das dificuldades decorrentes desta fase. É esse apoio que vai alavancar o desprendimento da criança do grupo familiar. O movimento para obter a autonomia ganha maior força na adolescência (ABERASTURY; SALAS, 1991).

Maria também vivenciou essa experiência na educação de seus filhos, inclusive passou por momentos de reflexão quando algumas pessoas mais próximas começaram a questioná-la quanto a uma postura muito rígida em relação à criação dos mesmos.

As pessoas falam que eu tive sorte com meus filhos. Eu acho que não é uma questão de sorte, mas fazer desde pequenininhos. Muitas vezes me falaram que eu era rígida e, às vezes, eu pensava: será que eu sou muito rígida com meus filhos? Bem, meus pais foram assim comigo e eu acho que eu tive um bom caminho e um bom exemplo. Então você deve passar valores para os filhos da forma com que foi passado pra você (MARIA).

Apesar desse dilema, Maria optou por seguir em frente e continuou adotando a mesma postura em relação à criação de seus filhos, tendo como base a certeza de que fora educada da mesma maneira por seus pais. A partir dessa base, decidiu que Gustavo e Gabriel deveriam começar a participar, ainda quando crianças, nos negócios da família.

Gustavo comenta sobre alguns envolvimentos nos afazeres dos pais:

Nós sempre tivemos contato com os negócios. Eu sempre estava junto com o pai; visitava o agricultor. Ele sempre me convidava pra ir junto. Eu me recordo que sempre no final das aulas eu dava uma passada no escritório dele. Nas férias nós íamos pra fábrica junto com eles e na livraria a gente sempre brincava de atender de vender.

Com o filho mais novo não foi diferente. A atribuição de responsabilidade também iniciou na infância:

Eu sempre tive muito contato com a livraria. Quando muito pequeno eu já trabalhava lá. Aí com 12 anos eu já tinha mais responsabilidades na loja e quando a mãe viajava eu ficava responsável por pegar os pagamentos a serem feitos, depósitos. Separava tudo, a lá e pagava. Então eu tive essa relação com a livraria (GABRIEL).

Nesta perspectiva, fica claro que o ser humano, além da bagagem genética que herda das gerações anteriores, carrega consigo comportamentos que são decorrentes de fatores ambientais responsáveis por determinarem seu modo de ser, conduzir e se comportar mediante determinada situação, por exemplo na educação dos filhos, na relação com o cônjuge, na vida profissional, na convivência com outras pessoas, entre outros.

Nuttin (1982) defende a concepção de que a personalidade é algo com a qual o indivíduo não nasce, ou seja, ela não é nata ao ser humano, mas sim construída e modificada ao longo da vida, sofrendo interferência do meio social no qual o indivíduo está inserido bem como dos valores que lhes são repassados e das situações vivenciadas durante sua trajetória de vida. Nesse sentido, a personalidade é preenchida pelo mundo, sendo resultante da interação de fatores ambientais e características hereditárias.

Atribuir esses valores ao sucesso organizacional pode ser considerado a principal diferenciação entre a empresa familiar e as demais empresas, sendo um fator preponderante para sua sobrevivência. Levando em consideração este fato, surge o seguinte questionamento: Após a sucessão esses valores continuarão presentes na cultura organizacional?

Giovani manifestou essa preocupação na seguinte fala:

Pode acontecer de algum dia esses valores que tanto o Marcos como sua esposa e filhos insistem disseminar entre os colaboradores da empresa enfraquecerem, devido à dimensão e à proporção que a empresa vem tomando e aos poucos ela poderá

perder essa característica de familiar. Outra situação que pode acontecer, por exemplo, é de algum dia alguma multinacional querer comprar essa empresa e isso poderá afetar sim a cultura organizacional.

Apesar dessa inquietação, o mesmo acredita que se isso vir a acontecer é somente num futuro distante, e crê muito que nessa primeira sucessão os valores continuarão vigorando, pois todos os membros da família, como também os funcionários mais estáveis da empresa, insistem muito na dispersão dessa filosofia.

O ambiente familiar é, portanto, um diferencial para a empresa; por isso a importância de um sucessor que consiga continuar disseminando essa cultura para garantir a perpetuidade da empresa.

O ambiente familiar ele existe na cumplicidade, do trato da forma de ser com as pessoas e isso com certeza é uma forma nossa de ser. Essa proximidade ela existe e nós queremos que ela exista por que esse é o nosso diferencial (GABRIEL).

Compreender a empresa familiar, portanto, acarreta transpassar os limites de sua conceituação, procurando ir além das abordagens que envolvem a interação entre os membros da família na empresa familiar. É preciso compreender o processo de crescimento e desenvolvimento dessas empresas e, por conseguinte, aceitar que a “empresa familiar” é diferente dos demais tipos de organizações empresariais, pois se encontra estruturada por espaço físico e social, em que membros de uma ou mais famílias representam papéis ambíguos e suas estruturas sociais e afetivas sobrepõem-se à lógica objetivista da estrutura organizacional (DONALDSON, 1999).

Refletir sobre a inserção de sucessores no mundo dos negócios, portanto, requer o reconhecimento de que o processo de sucessão em empresas familiares perpassa os casos de negócios transmitidos de pai para filho ou filha, e de mãe para filha ou filho. Ou seja, “fazer com que um empreendimento empresarial tenha sucesso e continuidade é um sonho para grande parte da população do mundo” (RICCA, 1998).

Além disso, requer o reconhecimento de que empresas familiares vêm adquirindo relevância devido a seu predomínio e, consequentemente, importância e significação para a economia e para a sociedade em geral (LEONE, 2005).