Numa revisão dos conceitos no construto, utilizados em pesquisa organizacional, Morrow (1983) verificou que muitos pesquisadores têm formulado suas próprias definições e medidas de comprometimento no trabalho, propondo novos conceitos e muitas vezes abandonando outros que vinham sendo utilizados. Aponta ainda para a existência da pulverização de conceitos, ambigüidade, imprecisão e redundância conceitual entre múltiplos construtos de comprometimento no trabalho. Este problema básico, certamente, afeta a capacidade de se gerar conhecimentos cumulativos sobre o fenômeno.
O domínio dos estudos sobre comprometimento no trabalho está distante de qualquer consenso quanto à própria definição do conceito e de como mensurá-lo. Em trabalhos anteriores, Bastos (1994, 1995) descreve o estado da arte nesta área de pesquisa e aponta os inúmeros problemas e controvérsias que marcam os estudos, bem como as tentativas de aplicação dos seus resultados, sendo compreensível, assim, que a área seja marcada por profundos problemas conceituais. Estes estudos realizados diversificaram-se amplamente devido aos múltiplos focos, e mesmo quando o alvo do vínculo é especificamente a organização existe pouca concordância quanto ao significado do termo "comprometimento". Mowday et al. (1982, p.21) listam diferentes definições oriundas das pesquisas sobre
comprometimento organizacional, concluindo: “dessas definições, fica claro que não existe um verdadeiro consenso com relação à definição do construto”.
No cenário organizacional, o comprometimento tem sido entendido como uma espécie de laço psicológico que caracteriza o relacionamento entre o indivíduo e a organização, bem como em outros aspectos do seu mundo do trabalho. Constituído por componentes afetivo, cognitivo e de ação, caracteriza-se ainda por ser um vínculo12 mais
profundo e duradouro, que se desenvolve lentamente, sofrendo menos o efeito de aspectos circunstanciais.
O termo comprometer originou-se do latim comprommittere cuja tradução no inglês é commitment13. Possui um significado bastante amplo, envolvendo o sentido de
encarregar, comissionar, envolver, julgar e engajar14. Na língua portuguesa o seu significado
inclui noções de responsabilização, compromisso, engajamento, agregamento, envolvimento, forte adesão ou vinculação a alguma idéia ou coisa15.
Segundo Ferreira (1986), o significado de comprometimento na linguagem quotidiana expressa os seguintes sentidos: 1. Obrigar por compromisso; 2. Dar, como garantia; empenhar; comprometer a palavra; 3. Ação ou fato de comprometer (-se); 4. Expor a perigo, arriscar, aventurar; 4. Tomar compromisso, obrigar-se; 5. Assumir responsabilidade grave.
Bastos (1994, p.29) descreve que dois eixos de significados podem ser extraídos na linguagem cotidiana, apresentando dimensões valorativas opostas:
[...] iIdéia de ocorrência de ações (eventos ou indivíduos) que impedem ou dificultam a consecução de um determinado objetivo, descrevendo uma relação entre eventos-estado final indesejável ou não planejada, assumindo, neste contexto, uma valoração negativa.[...] Noções de engajamento, afirmar-se junto, agregamento, envolvimento, "adesão" ou "forte vinculação" a um determinado objeto (crenças, ideologia, teoria, regras, entidade, organização, pessoa, tarefa, etc). Tais significados associam-se ao termo compromisso e à idéia de assumir responsabilidade, visto que as ações conduzirão a um resultado/estado desejável. Neste sentido, assume uma valoração positiva.
Segundo o mesmo autor, os “excessos” no comprometimento podem dar uma outra conotação ao termo, como assinalar que o vínculo impede a pessoa de "ver" o que
12 Vínculo pode ser intelectual e/ou emocional;
13 Originado do verbo to commit, o "termo técnico" commitment é bastante utilizado na área organizacional. 14 Dicionários Oxford e Webster.
ocorre "na realidade", enviesando, alienando ou confundindo-o. No contexto organizacional, este “limite aceitável de comprometimento” quando extrapolado pode levar a conseqüências negativas para a organização.
Várias definições foram relacionadas para conceituar o construto. Lyman e Porter viram-no como a boa vontade do empregado que se esforça no interesse da organização; um desejo de ficar com a organização e a aceitação dos seus maiores objetivos e valores. Sheldon considerou-o como avaliação positiva e a intenção de trabalhar para alcançar os objetivos organizacionais. Kantor definiu-o como a boa vontade de protagonistas sociais para dar energia e lealdade à organização (STEIL e SANCHES, 1998). Para Northcraft e Neale apud Moraes et al. (1998), mais do que simples lealdade à organização, o comprometimento é um processo através do qual os indivíduos expressam a sua preocupação com o bem-estar e o sucesso dessa organização.
Na concepção de Bastos (1994), comprometer-se refere a uma propensão de agir, de se comportar de determinada forma. Como uma disposição, comprometimento é usado para descrever não só ações, mas o próprio indivíduo; é, assim, tomado como um estado, caracterizado por sentimentos ou reações afetivas positivas tais como lealdade em relação a algo. É também largamente usado de modo popular, quando alguém se refere a relacionamentos afetivos, conjugais ou grupais. Complementa dizendo que de um modo geral, os usos de comprometimento trazem em si a noção de algo que amarra, ata, une o indivíduo a alguma coisa.
Após reflexão do posicionamento de alguns autores a respeito dos conceitos de comprometimento organizacional, resultante de diferentes abordagens e tipologias, preferiu-se por adotar a concepção de Mowday, Porter e Steers (1979, p.226; 1982 p.27), que utilizaram a seguinte definição para comprometimento organizacional:
É a força relativa da identificação e envolvimento de um indivíduo com uma organização particular que se expressa em três dimensões: (a) uma forte crença e aceitação dos valores e objetivos da organização; (b) um desejo de exercer considerável esforço em benefício da organização; e (c) um forte desejo de se manter como membro da organização.
Esta definição, bem como as escalas de medida dela resultante, se tornaram as mais utilizadas na pesquisa sobre o tema, sendo observada em uma vasta literatura, conotando respectivamente idéias de compromisso, envolvimento e lealdade, sendo que, cientificamente, comprometimento assume uma idéia central de engajamento em um curso de ação. Morrow
(1983) afirma que o conceito de comprometimento organizacional, mensurado através da escala de Mowday et al. (1982), apresenta o menor problema de redundância. Morrow (1983) comenta ainda que os resultados, em geral, estão distantes de serem conclusivos e aponta a necessidade de outras pesquisas que busquem reduzir a desordem conceitual e desenvolver construtos teóricos e empiricamente mais consistentes.
Contudo, apesar de existir um certo “ecletismo” ou mesmo polêmica quanto ao conceito do construto, é unânime afirmar que há um consenso total da literatura quanto às linhas de pesquisa e enfoques do comprometimento, sendo estes múltiplos apegos os temas a serem abordados na próxima seção.