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Zonamento para fins específicos

IV. BASES DE DADOS GRÁFICOS

1. COMPUTADORES E CARTOGRAFIA GEOTÉCNICA

Na maioria dos trabalhos de engenharia civil e mineira são essenciais informações localizadas geograficamente na Terra, de confiança e acessíveis, independentemente das dimensões da área em referência e da escala de trabalho. Poderá ainda ser indispensável partilhar ou consultar esses dados ulteriormente.

Todos os mapas, incluindo os geotécnicos, constituem uma representação da realidade através da utilização de diversos símbolos e notações, sejam eles pontos, linhas ou polígonos, que são combinados no espaço. As cartas geotécnicas incluem, assim, dados espaciais, ou seja, informação das características geológicas e geotécnicas do terreno que foram observadas, medidas ou inferidas. As legendas que geralmente acompanham as cartas permitem explicar ao utilizador a ligação entre os objectos espaciais e as suas características.

A necessidade de actualizar e, simultaneamente, acelerar o processamento da informação contida num mapa conduzira, na década de cinquenta, à tentativa de armazenamento dessa informação em computador. Os primeiros estudos no domínio das Ciências da Terra e do Ambiente, para editar cartas em computador, desenrolaram- se nos anos sessenta, regra geral no âmbito de trabalhos desenvolvidos por entidades públicas (RHIND, 1977 in MARTIN, 1991). Na mesma altura, o Harvard Computer

Laboratory desenvolveu o SYMAP (Synagraphic Mapping System), uma das primeiras aplicações em computador a permitir a manipulação de dados espaciais e o traçado automático de, nomeadamente, cartas de isolinhas (SHEEHAN, 1979; BERRY, 1979;

COPPOCK & RHIND, 1991).

O primeiro exemplo de um Sistema de Informação Geográfica (SIG), o Canada

Geographic Information System (CGIS), iniciado em 1964, possuía algumas características muito avançadas para o seu tempo, como o facto de a informação ser armazenada sobre a forma de polígonos e de ter sido capturada através de um scanner ou por digitalização manual; os diferentes dados estavam organizados em “níveis temáticos” (coberturas), tais como agricultura, floresta e uso do solo entre outros (MARTIN, 1991; WORBOYS, 1995; WHITE & KARROW, 2001). Existia ainda informação descritiva para cada polígono e um conjunto de rotinas de programas que possibilitavam a recuperação de dados e algumas análises predefinidas.

As primeiras experiências para a produção de cartografia em computador no domínio das Ciências da Terra foram dirigidas para a representação digital directa da carta analógica tradicional. A realização de cartografia geotécnica digital remonta à década de setenta, durante a qual surgiram aplicações capazes de manipular dados espaciais e

produzir os respectivos outputs, se bem que com fraca qualidade visual, em que diversos graus de cinzento eram gerados através da sobreposição de diferentes símbolos (VAN DRIEL, 1980). Evoluiu-se para a representação gráfica dos dados de estudos de sítios em profundidade, apresentando-os em blocos diagramas ou traçando isolinhas, por exemplo do tecto de uma unidade específica.

Anteriormente, a informação era analisada através de um conjunto de películas transparentes sobreponíveis. Os sistemas de computação gráfica vieram permitir que os métodos manuais tradicionais, extremamente trabalhosos, de tentar encaixar dados cartografados de todos os tipos existentes em películas transparentes, fossem efectuados integralmente no monitor de um computador.

O aparecimento dos primeiros sistemas tipo CAD, com ampla difusão na Arquitectura e Engenharias, veio proporcionar a capacidade de armazenar os elementos geométricos separados em diferentes níveis gráficos electrónicos (layers) - por exemplo estradas (nível 1), textos (nível 2) e litologia (nível 3), permitindo associar a cada nível uma simbologia particular. Aquelas entidades gráficas eram posteriormente sobrepostas para editar o mapa final. Contudo, embora o texto referente a um dado elemento geométrico pudesse ficar-lhe aposto, não existia nenhuma ligação entre os dois; assim, qualquer operação geométrica sobre a entidade, implicava uma ulterior alteração ao respectivo texto. Não se podiam, também, efectuar manipulações/interrogações ou análises automáticas por cruzamento de informação entre os vários níveis electrónicos.

Historicamente, os CAD salientaram os elementos gráficos, enquanto que a tecnologia SIG representa tais elementos anotando a sua localização e posição relativamente a outros. Assim, embora os primeiros tenham alcançado uma grande difusão, não lidam com topologia, por exemplo com a noção de conectividade, e as relações entre fenómenos geograficamente localizados (georreferenciados). A topologia é um apanágio importante dos SIG, sendo muitas vezes apontada como uma das suas características intrínsecas. Estes incluem ainda, em tabelas, particularidades dos elementos geométricos - os atributos.

O conceito de um conjunto de cartas em “papel” que dependem da escala, tem vindo a ser substituído por um conjunto de bases de dados (BD) digitais contendo informações com várias resoluções. Tal facilidade impôs a necessidade de uniformização dos procedimentos adoptados. Actualmente, cada nível gráfico no computador não constitui apenas um mapa, mas é a superfície visível da BD subjacente. Por exemplo, ligado a um ponto podem existir dados relativos aos níveis de água no subsolo e esta informação pode ser acedida reportando-se a sítios específicos no monitor. Alternativamente, começando apenas por um atributo particular da BD, é possível aceder a certas partes de qualquer nível gráfico. Adicionalmente, podem ainda correr-

Uma BD geológica e/ou geotécnica espacial é um conjunto seleccionado de dados do meio geológico que podem ser pesquisados num computador. Muitas vezes utiliza-se a designação carta digital como sinónimo de BD; porém existem diferenças essenciais entre tais designações, não existindo uma associação do tipo 1:1 entre uma BD e uma carta. Para além disso, enquanto que um mapa pressupõe necessariamente a existência de uma simbologia e uma escala, ambas não existem intrinsecamente numa BD. Aqui, podem seleccionar-se certas entidades para visualizar individualmente, criar outras novas através da recombinação das originais, ou a partir de características armazenadas na base, como litologia, declive, etc..

Uma carta geotécnica digital é aquela cujos detalhes geográficos e dados explicativos estão registados em formato digital e são “entendidos” pelo computador.

Foi apenas nos anos noventa que o recurso à tecnologia SIG se alargou definitivamente às Ciências da Terra e passou também a ser utilizado na elaboração de diversas cartas geotécnicas (VAN WESTEN et al., 1994; CARRARA et al., 1995; LAXTON & BECKEN, 1996;

KAÂNICHE et al., 2000, entre outros). Para grandes áreas, a aquisição de dados é feita, geralmente, com recurso a sensores remotos, nomeadamente imagens de satélite, que constituem as principais fontes de dados geoespaciais e temáticos dos SIG e de custos relativamente baixos.

Nos SIG, a interacção directa entre o utilizador, o software e as BD tornou-se parte integrante do processo de modelação. A definição tradicional de um mapa é ampliada por esta tecnologia, podendo-se distinguir entre cartas reais, ou seja, directamente visualizáveis ou que têm uma existência permanente, tangível, e cartas virtuais, que podem ser de três tipos (WOOD, 1993):

• apenas constituem vistas (views), isto é, só existem transitoriamente no monitor;

• existem arquivadas em formato digital (por exemplo, em CD-Rom), mas não são directamente visualizáveis;

• não são directamente visualizáveis nem constituem uma realidade permanente, tangível; é o caso de informação geográfica armazenada numa base que potencialmente pode fundamentar futuros mapas.

O recurso aos SIG encontra, contudo, alguns problemas nas aplicações espaciais relacionadas com a representação do terreno, nomeadamente no que respeita:

• à geometria complexa do terreno;

• à resolução e exactidão de medições que pretende representar e erros associados;

• à eventual necessidade de relacionar dados com diferentes níveis de generalização.

O conceito de um conjunto de cartas em papel que dependem da escala, tem sido substituído gradualmente por um conjunto de BD digitais contendo dados com várias resoluções; tem-se pois enveredado pela utilização sistemática de computadores, e o recurso aos SIG afigura-se prometedor. Alguns SIG permitem caracterizar a morfologia do terreno de uma dada área, através do respectivo modelo digital de terreno, proporcionar a gestão optimizada de recursos, dispor de inventários actualizados sobre fenómenos ou actividades, efectuar estudos de impacte no ambiente, optimizar a localização de actividades, etc. Uma vez seleccionados os factores do meio relevantes para a carta a obter e desenvolvidos os programas necessários, será possível efectuar uma rápida análise espacial, lógica e/ou matemática, dos elementos das bases de dados geométricos e alfanuméricos previamente concebidas, e obter novas cartas, derivadas e/ou de síntese.

No presente capítulo, apresentam-se os SIG e algumas das suas características, as ferramentas que disponibilizam, e exemplificam-se algumas aplicações no âmbito das Ciências da Terra. Refere-se, ainda, a sua aplicação em Portugal em cartografia geotécnica e afim, e propõe-se um modelo de dados a adoptar para complementar os actuais sistemas de informação que existem nas câmaras municipais, para dotá-los com dados georreferenciados no domínio das Ciências da Terra e, em particular, da Geotecnia.