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CAPÍTULO 2 – APRENDIZAGEM ORGANIZACIONAL E COMUNIDADES DE

2.7 COMUNIDADES DE PRÁTICA: LIMITES À INTERVENÇÃO

“Learning can not be designed”, declara Wenger (1998:225), pois pertence ao âmbito da experiência e da prática, segue a negociação do significado, em seus próprios termos, e acontece tendo sido ou não desenhada. Apesar disso, o autor oferece inúmeras sugestões de como se pode forjar condições para que a aprendizagem ocorra, seja no contexto organizacional, seja nas escolas ou em treinamentos. A sensação ao ler o texto é que o autor procura reforçar que não tem a intenção de desenvolver prescrições sobre aprendizagem, o que o leva a justificar seus conselhos prescritivos o tempo todo.

Contu e Willmott (2000), comentando o artigo de Wenger (2000), percebem essa tensão entre a idéia de que as comunidades de prática são auto-reguladas e resistentes à intervenção, e uma ambição prescritiva de gerenciá-las, pois seriam valorosas para a organização. Para Contu e Willmott (2000), a formulação de comunidade de prática de Wenger (1998; 2000) afasta-se da concepção original em Lave e Wenger (1991); na primeira formulação, a participação numa comunidade engajada em práticas que aspira a promover entendimento mútuo possui um propósito emancipatório. Já nas formulações subseqüentes, a participação visa a melhorar a previsão e o controle para melhorar o desempenho.

Questões relativas a poder, conflito, hegemonia, alienação e mobilidade bloqueada estão nas notas de rodapé ou desaparecem em Wenger (2000). Aparecem, no entanto, idéias e tecnologias para aprendizagem que podem facilitar visões consensuais. As organizações devem entender como as comunidades de prática funcionam para reconhecer

esses processos, incentivá-los, dar suporte a eles. O conhecer ou entender o processo de aprendizagem passa a ser visto como recurso estratégico para a ação gerencial, como tecnologia visando à regulação e ao desempenho. Nessa perspectiva, tensões entre membros de uma comunidade, geradas por diferentes posições na hierarquia, ou diferentes acessos a recursos simbólicos e materiais, por exemplo, poderiam ser corrigidos ao compreenderem-se os processos das comunidades de prática. Potenciais dificuldades transformam-se em oportunidades. Relações hostis entre comunidades de prática são transformadas em relações de respeito mútuo e interdependência (Contu e Willmott, 2000).

Trata-se de um discurso que obtém receptividade de gestores e consultores, que costumam apreciar pacotes de idéias e tecnologias associadas, das quais se apropriam e vendem, prometendo resolver dilemas e dificuldades de gestão (Contu e Willmott, 2000). Kimble e Hildreth (2004) chamam a atenção para o fato de que, nos últimos anos, é crescente a tendência de redefinir o conceito de comunidades de prática, de modo a torná-lo mais adaptável ao mundo dos negócios, destacando seus potenciais benefícios, bem como seu potencial para melhorar o desempenho e a competitividade das organizações (Smith e McKeen, 2002). Kimble e Hildreth (2004) clamam por entendimento mais equilibrado, balanceado das forças e fraquezas das comunidades de prática como solução para os problemas empresariais.

A literatura a respeito de aprendizagem organizacional em geral, nas suas várias abordagens, está repleta de estudos que identificam fatores que facilitam ou inibem a aprendizagem. São oferecidas inúmeras sugestões relativas aos contextos apropriados para que se facilite ou promova aprendizagem: que tipo de experiência deve ser incentivada, o que evitar, como ensinar, como aprender. Wenger (1998) argumenta que comunidades de prática não são um modismo de design, uma nova forma organizacional ou um conjunto de conselhos pedagógicos a serem implementados. Referem-se a conteúdo e não a forma. Comunidades de prática formam-se naturalmente e não são planejáveis, mas podem ser reconhecidas, apoiadas, e nutridas (Wenger e Snyder, 1998). Uma organização pode definir políticas e procedimentos aos quais as comunidades de prática estejam sujeitas, mas não é possível prever que práticas vão emergir em resposta a esses sistemas institucionais. Pode- se definir papéis, mas não as identidades que serão desenvolvidas a partir do desempenho desses papéis. Pode-se definir condições para a negociação de significado, não o significado em si. Pode-se desenhar processos de trabalho, não suas práticas. Pode-se desenhar um currículo, não a aprendizagem (Wenger, 1998).

A habilidade de uma organização para aprofundar e renovar sua aprendizagem dependeria de fortalecer ou pelo menos não impedir a formação, o desenvolvimento e a transformação de comunidades de prática (Wenger, 1998; Wenger e Snyder, 2001). Para

Capra (2003), a flexibilidade, a criatividade e o potencial de aprendizagem, enfim, a vida de uma organização reside em suas comunidades de prática; a estrutura formal pode ter mais vida quanto mais for aderente às redes informais. Comunidades de prática são importantes fontes de aprendizagem para as organizações, estando elas inteira ou parcialmente inseridas nos limites da organização; e a possibilidade de cruzar fronteiras institucionais é fundamental para a aprendizagem (Araújo, 1998; Weick e Westley, 2004; Wenger, 1998).

Wenger (1998) acredita que ao oferecer uma afiliação institucional às comunidades de prática que sejam chave para sua competência, a organização consegue sustentar os tipos de identidade que permitem aos participantes assumir responsabilidades por algum aspecto da aprendizagem organizacional. Este aspecto pode ser relevante ao analisar as possibilidades de aprendizagem organizacional no âmbito da universidade, a partir das relações entre universitários e não universitários em processos compartilhados de práticas e saberes.

Confirmando a tendência à prescrição e à tecnologia identificada por Contu e Willmott (200), Etienne Wenger lançou um novo livro, em 2002, em co-autoria com Richard McDermott e William Snyder, com o título “Cultivating communities of practice: a guide to

managing knowledge”. Os autores consideram nesse trabalho que, embora as comunidades

de prática não possam ser dirigidas, as organizações podem contribuir para desenvolvê-las e integrá-las a suas estratégias.

Wenger (1998) procura mostrar como sua análise da aprendizagem em termos de prática e identidade pode ser traduzida em uma arquitetura conceitual para a aprendizagem. Não seria, segundo ele, uma receita, mas a proposição de elementos que devem ser considerados no projeto; uma ferramenta que pode guiar o projeto por meio de questões gerais, e escolhas a serem feitas, bem como a moldura ou os recursos gerais que devem ser garantidos, os componentes e facilidades básicas.

Wenger (1998) destaca, ainda, que as concepções relativas ao que é aprendizagem influenciam as situações nas quais se reconhece aprendizagem e o que se faz quando se decide promover alguma ação em prol da aprendizagem, seja no âmbito individual, comunitário ou organizacional. Ao se afirmar que as informações armazenadas são uma pequena parte do processo de aprendizagem e que o conhecimento tem base em ativa participação em comunidades sociais, os formatos tradicionais de aprendizagem passam a ser considerados pouco produtivos.

Para promover aprendizagem, tornam-se relevantes novas maneiras de engajar os aprendizes em práticas significativas, provendo acesso a recursos que estimulem sua participação, ampliando horizontes. Dessa maneira, eles próprios podem colocar-se em

trajetórias de aprendizagem com as quais se identifiquem, envolvendo-se em ações, discussões e reflexões que façam diferença para as comunidades que valorizam (Wenger, 1998).

Se a crença é de que processos organizacionais bem definidos, planejados, detalhados e prescritos correspondem ao que as pessoas efetivamente fazem e melhoram a eficiência da organização, a tendência é investir em mais detalhamento. Se, por outro lado, acredita-se que as pessoas participam da criação e adaptação das práticas organizacionais de maneira que nunca consegue ser inteiramente captada pelos processos institucionais, diminui-se a preocupação com prescrição, que, em excesso, tolhe a criatividade (Wenger, 1998).

Parece fundamental pensar a organização como um contexto no qual distintas e inovativas práticas podem se desenvolver. Nas universidades, a valorização da aprendizagem pela prática pode ampliar possibilidades de que práticas como as empreendidas por programas de relação entre universidade e sociedade aconteçam.

As organizações muitas vezes não atuam no sentido de propiciar um ambiente favorável para a participação e a inventividade, em função de conflitos de interesse e lutas de poder (Wenger, 1998) e do que acreditam que seja ensino e aprendizagem. A ênfase na aprendizagem que acontece na mente dos indivíduos, que é dominante na produção acadêmica a respeito de aprendizagem, é a mesma na qual se baseia a estrutura que privilegia o ensino e o desempenho individual nas universidades.

Para alcançar os objetivos desta tese, é preciso observar nas experiências analisadas que tipo de aprendizagem elas têm ajudado a promover e o quanto podem ser significativas para a aprendizagem organizacional, seja no âmbito das próprias experiências ou da universidade como um todo. Conseguem essas experiências aproveitar o potencial da aprendizagem gerado pela multiplicidade de saberes em processos mais coletivos do que os tradicionalmente promovidos na universidade? No âmbito de um contexto institucional que prioriza o ensino, a divisão disciplinar, a distância entre o conhecimento científico e outros tipos de conhecimento, e a avaliação individual, haveria espaço para aprendizados mais coletivos e diversos?

Não se pretende responder estritamente a essas questões. A intenção é que estas e outras indagações já apresentadas sirvam de guia para a exploração das experiências de programas de relação entre universidade e sociedade, realizada nos próximos capítulos. Espera-se que essa exploração permita discutir a possibilidade de que esses programas sejam considerados espaços privilegiados de aprendizagem organizacional e de articulação de saberes.

Capítulo 3 – Programas de relação entre universidade e