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CAPÍTULO 3 – PROGRAMAS DE RELAÇÃO ENTRE UNIVERSIDADE E

3.3 ESTRUTURA E MECANISMOS DE GESTÃO DOS PROGRAMAS

Os mecanismos de gestão no âmbito de programas como os analisados aqui podem facilitar ou inibir a articulação de diferentes saberes e a aprendizagem organizacional. São destacados, a seguir, alguns dos aspectos mais relevantes da experiência de cada um deles, no que se refere à aprendizagem e à articulação de saberes.

Na ACC, vários modelos de gestão do Programa foram testados ao longo do tempo. Em 2003, foi criado o Núcleo de Gestão Acadêmica, composto por membros da Pró- Reitoria de Extensão e por representantes dos monitores e dos professores, integrando-se, a partir de 2004, representantes das comunidades parceiras.

O Bansol se destaca por ser uma organização gerida por estudantes, com apoio de professores e participação de representantes das comunidades nas quais desenvolvem projetos. Seus integrantes buscam praticar a autogestão, caracterizada pela ausência de hierarquias, procurando desenvolver instrumentos apropriados aos princípios de gestão solidária. O diálogo e a busca do consenso são privilegiados como mecanismos de gestão e de tomada de decisão, usando-se votação extraordinariamente.

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Entre os programas apresentados, nesta tese, apenas a Universidade Solidária não está sediada numa universidade, embora conte com estreitas ligações com várias delas.

O FCCV optou por não se constituir formalmente enquanto organização, tendo como foco a articulação entre as várias organizações. A coordenação do Fórum sempre esteve sediada na Escola de Enfermagem da UFBA e tem a mesma professora como coordenadora geral desde o início. Uma característica peculiar na gestão do FCCV é que, desde seu início, contou com mecanismos de gestão que visam a manter a paridade entre representantes da universidade, dos serviços de saúde e das comunidades. Outro fato a ressaltar é que a gestão financeira de alguns projetos foi realizada por organizações comunitárias, entre 2000 e 2003, mas as próprias organizações consideraram melhor que voltasse a ser feita pelo grupo gestor do Fórum, em função do tempo consumido e das pressões que recebiam nas comunidades por gerirem os recursos.

Na ITCP/UFRJ, procura-se adotar dinâmicas de democratização interna, como conselhos e assembléias. A principal estratégia, tanto para manter a incubadora quanto para gerar oportunidades para as cooperativas, tem sido a articulação de parcerias.

O Prêmio Fenead é organizado por uma comissão de estudantes, eleita anualmente em evento nacional da Fenead. Esta comissão já esteve sediada em quatro universidades, de três estados diferentes (São Paulo, Bahia e Pernambuco), entre 1996 e 2005, o que implica em desafio considerável para a transição entre os organizadores.

O projeto que deu origem ao PDGS previa uma série de objetivos e metas que serviram como referência para as ações no período entre 2001 e 2004, e foram cumpridas quase que totalmente.79 Em cada projeto executado no âmbito do Programa são estabelecidos mecanismos próprios de planejamento, de definição de objetivos e metas, de composição da equipe, de metodologias de trabalho e de avaliação. O Programa é cooordenado pela mesma professora que coordena o Nepol, onde está sediado o PDGS.

O Programa Gestão Pública e Cidadania conta com uma coordenação acadêmica, atualmente composta por seis professores da Fundação Getulio Vargas, entre os quais está o diretor e a vice-diretora do programa, que ocupam essas posições desde seu início. Também desde seu início, o Programa conta com um comitê técnico, que se reúne duas vezes por ano, integrado por professores de outras instituições universitárias e pessoas de organizações não-governamentais ligadas a questões raciais, indígenas, de gênero, ambientais e de estudos da violência. No âmbito das atividades do projeto Práticas Públicas e Pobreza, há uma rede de colaboradores de outras instituições, que participa ativamente da construção das atividades do projeto.

78 Entre os programas apresentados, nesta tese, possuem autonomia jurídica da universidade: Bansol,

Prêmio Fenead e Universidade Solidária.

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As metas e principais realizações do PDGS, entre 2001 e 2004, podem ser vistas no Apêndice E desta tese.

A Universidade Solidária, que entre 1995 e 2002 era um Programa do Conselho da Comunidade Solidária, tinha sua gestão realizada por pessoas de diferentes áreas do governo e do próprio Conselho, em regime de dedicação parcial. A interlocução com as universidades sempre foi realizada por intermédio das pró-reitorias de extensão. O programa produziu, ao longo do tempo, grande quantidade e variedade de material impresso,

folders, manuais e outras publicações, além de um site na internet com várias informações

(por meio do qual procura-se manter as pessoas e os parceiros articulados). A partir de 2002, enquanto organização qualificada como OSCIP, a UniSol conta com diretoria, conselho fiscal e auditoria. A atual superintendente executiva da Unisol foi, também, a coordenadora nacional do Programa, desde sua criação. A organização está baseada numa rede ativa de colaboradores voluntários e procura aproveitar recursos diversos por meio de parcerias.

Um elemento comum a todas as experiências é o caráter processual de sua construção, misturando o planejado e o emergente. Na maioria deles, não havia a priori planejamentos detalhados nem uma concepção amarrada do que seriam. Partia-se de uma idéia forte, que motivava algumas pessoas e, em torno dessa idéia, passava-se a articular pessoas e recursos. Os programas foram sendo desenhados no caminho, com participação intensa de vários setores e pessoas. Muitas mudanças ocorreram ao longo do processo, em todos eles, de ordem metodológica ou estrutural, nos mecanismos de gestão, de mobilização, de comunicação, algumas vezes mudando elementos importantes de suas identidades. Muitas dessas mudanças são fruto da aprendizagem que acontece no próprio processo, outras são respostas ao contexto, às oportunidades e limites que só são conhecidos pela própria prática. Seu relativo baixo grau de institucionalização permite teste de modelos e estruturas de gestão e de metodologias de articulação e de intervenção.

Os instituidores do Bansol, por exemplo, admitem ter partido de uma noção muito vaga de como organizá-lo e valorizam essa característica processual, tateante. Seus membros reconhecem problemas e dificuldades na condução do trabalho, mas reafirmam a crença de que é possível construir um empreendimento baseado numa prática solidária, num processo participativo, de construção coletiva. Conforme o Manifesto Bansol (2001):

Também, aos poucos, num processo participativo – como devem ser iniciativas dessa natureza, construindo juntos –, procurando acertar nossos passos, identificamos o que não queremos, e vislumbramos algumas luzes do que parece ser o nosso desejo.

A própria definição do que é o empreendimento desses programas, em torno de que exatamente as pessoas estarão engajadas, acontece na própria prática, o que confere grande potencial de identificação das pessoas que participam de sua construção. Na prática vai sendo construído o repertório próprio de cada iniciativa. Alguns aprendizados são

reificados, servindo de orientação tanto para novos membros, quanto para as pessoas com as quais se relacionam externamente.

As iniciativas demonstram, de maneira geral, elevado potencial de mobilização dos estudantes e de diferentes recursos em prol de um objetivo, percebendo e usando brechas institucionais, vazios do sistema, aproveitando oportunidades, realizando conexões, aproveitando recursos existentes e articulando outros para fazer algo acontecer. Uma professora que integra a coordenação da ACC observou que o programa deu nova dinâmica até mesmo ao prédio da Pró-Reitoria de Extensão, pela presença constante de alunos e professores, dialogando, reclamando, confidenciando. A mobilização em torno dos programas costuma gerar energia capaz não só de realizá-los como de questionar as estruturas mais institucionalizadas, embora nem sempre essa energia se sustente por muito tempo, em função de limites que afetam as experiências, como será debatido adiante.

Percebe-se em todos os exemplos sua elevada capacidade de articulação de parcerias. Em todos os programas são utilizados mecanismos de avaliação, mas em poucos deles isso parece ser sistemático e priorizado no conjunto das ações. O Núcleo de Gestão da ACC considera que o processo de avaliação tem contribuído para promover mudanças e aprendizados, porém ainda é deficiente. A coordenadora do FCCV comenta que seus integrantes perceberam que refletir a respeito do que se está fazendo, realizar avaliação, fazer análise sistemática da situação, enriquece as propostas e ajuda a definir a direção e o foco. Ajuda a perceber se cada ação e cada produto está de acordo com objetivos e princípios, e a encontrar caminhos para a sustentabilidade das ações. Segundo ela, isso permitiu que não se ficasse apenas no discurso.

A maior ou menor autonomia dos programas em relação às universidades depende de sua localização na estrutura organizacional e de sua capacidade de captar recursos externos. Às vezes, as universidades demoram a reconhecer as atividades dos programas, mas raramente criam impedimentos para que aconteçam, a não ser as dificuldades burocráticas e do acúmulo de atividades e exigências aos professores.

Há alta rotação de pessoas que passam pelos programas, mas estes costumam contar com um núcleo central forte, seja por meio de pessoas que se mantêm na coordenação por todo o período (casos da ITCP, FCCV, PDGS, GPC e Unisol), seja pela orientação permitida seguindo os objetivos e princípios e por uma rede de pessoas que dão sustentação à iniciativa. Alguns deles contam com elevado número de voluntários, como é o caso do Bansol, do Prêmio Fenead, do FCCV e da Unisol.

A coordenadora nacional do programa Universidade Solidária destaca que para que desse certo esse grande encontro entre universitários e pessoas das comunidades,

intermediado por muitos parceiros, alguns ingredientes foram fundamentais: paciência, ousadia e criatividade80. Comentando a experiência do Prêmio Fenead, Freitas (1997) chama a atenção para a relevância dos detalhes da prática, do dia-a-dia, das posturas e ações cotidianas das práticas. Segundo ela, o trabalho de bastidores costuma ser esquecido, mas é fundamental81.