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2008, foram emitidos 1.087 certificações, beneficiando 1.305 comunidades quilombolas distribuídas em todo o território nacional. O Relatório de Gestão do Programa Brasil Quilombola, referente ao período de 2008, elaborado pela SEPPIR, informa um número de 3.524 comunidades identificadas, enquanto o INCRA informa um número de 800 processos em andamento de regularização fundiária de territórios quilombolas.

As diferenças entre os dados apresentados pela Fundação Cultural Palmares, pela SEPPIR e pelo INCRA36 referem-se a uma questão administrativa. A FCP certifica as comunidades, primeira etapa de formalização do processo de institucionalização dos pedidos de titulação; o INCRA trabalha com outros registros de dados, tais como comunidades tituladas, processos em andamento, relatórios técnicos e reconhecimentos, ou seja, uma etapa

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De acordo com o Decreto 4887 de 2003, a Fundação Cultural Palmares e o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária – INCRA ficarão responsáveis pela emissão dos títulos definitivos. A FCP é responsável pela certificação, enquanto o INCRA é responsável pela titulação.

mais avançada da regularização fundiária; a SEPPIR, para efeito das políticas, trabalha com as comunidades tituladas e certificadas. Há, ainda, as comunidades identificadas que representam as comunidades cuja existência é sabida, mas que não ingressaram com qualquer tipo de pedido formal nas instâncias estatais para seu reconhecimento e pedido de título.

Trabalha-se, portanto, com um número de comunidades identificadas, geralmente um número aproximado, fornecido pelos próprios integrantes do movimento quilombola, mas, normalmente, superior ao dos dados oficiais, pois existem as comunidades em processo de autorreconhecimento, aquelas que já obtiveram a certificação, dada pela FCP e as comunidades tituladas, registradas pelo INCRA. Nesse sentido, há um descompasso entre o número de comunidades certificadas, tituladas e identificadas, pois há quatro fontes diferentes que informam o número de comunidades quilombolas no país: FCP, INCRA, SEPPIR, movimento quilombola.

Esse fato gera uma constante sobreposição dos dados quanto ao número exato de comunidades e constitui-se em fonte permanente de conflito. Inúmeros fatores podem explicar essa confusão com relação ao número de comunidades: os diferentes graus de organização política das comunidades, no processo de regularização dos seus territórios, fazem com que os números da FCP sejam constantemente modificados; a ausência de um mecanismo político- administrativo que defina quais comunidades serão beneficiadas pelas políticas públicas federais37 e, por último, o número de comunidades identificadas pelos integrantes do movimento social quilombola, geralmente superior ao dos dados oficiais. A ausência de mecanismos que informem de uma forma integrada entre os diferentes níveis estatais, o número de comunidades identificadas, certificadas e tituladas pelos órgãos do governo aos representantes do movimento social quilombola tem gerado entre pesquisadores, agências e integrantes do movimento quilombola críticas sobre a proposição de políticas públicas e de indicadores que efetivamente mapeiem as comunidades no país.

Em 1997, a UNB, por intermédio do Departamento de Geografia, sob a coordenação do pesquisador Rafael Sanzio Araújo dos Anjos, realizou uma pesquisa isolada de abrangência nacional para a Fundação Cultural Palmares, uma autarquia pública vinculada ao Ministério da Cultura. A pesquisa consistiu na coleta e sistematização de dados referentes ao nome da comunidade quilombola e seu município de localização em três segmentos:

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Portaria n. 127, do Ministério da Fazenda, de 2008, define que as políticas públicas específicas de infra- estrutura, presentes no PBQ, só podem ser implementadas em comunidades tituladas pelo INCRA ou certificadas pela Fundação Cultural Palmares. Contudo, o projeto Territórios da Cidadania trabalha com o critério de comunidades com os piores indicadores de desenvolvimento humano para fins de inclusão das comunidades nos programas governamentais.

universidades públicas do país, organismos oficiais dos governos estaduais e federal e entidades negras representativas, principalmente, o Movimento Negro Unificado. O processo, finalizado em 1999, resultou no primeiro cadastro dos registros municipais dos territórios quilombolas do Brasil. Nesse primeiro mapeamento, foram sistematizados 840 registros municipais. Em 2003, os dados foram atualizados e a configuração espacial registrou 2.284 comunidades quilombolas com referências informadas. Em 2006, após nova atualização, o dado se alterou para 2.800 registros e, em 2008 para 3.000 registros municipais, distribuídos por todas as unidades políticas do país, com exceção do Acre e de Roraima.

Embora a pesquisa tenha sido financiada com recursos públicos, o pesquisador aponta para a fragilidade dos registros públicos sobre as comunidades quilombolas. Como explicita:

Essa é a questão estrutural das comunidades quilombolas. A falta de clareza na política de demarcação, como também a ausência de recursos direcionados e de um cronograma de ações, são alguns dos pontos básicos que permeiam a questão. Para os territórios que ainda não tem limites explícitos, faz-se necessário que as lideranças comunitárias realizem demarcações provisórias com marcos na forma de placas informativas, deixando claro que aquele espaço e um quilombo. [...] Existem cada vez mais notícias de registros de sítios quilombolas divulgadas em listagens de variadas fontes, que muitas vezes não foram checadas. A questão dos quilombos no Brasil envolve quantidade, mas também a qualidade da informação. É preciso que as representações dos Estados estejam atentas aos oportunismos em virtude da perspectiva de reconhecimento e titulação desses espaços. (ANJOS, 2009, p.148).

Para o pesquisador, o registro das informações com sistematicidade por parte do Estado contribuiria para montar um perfil demográfico, social, econômico e territorial das comunidades quilombolas. Essa medida representaria, segundo o seu entendimento, uma nova postura do Estado no sentido de assumir e reconhecer decisivamente os quilombos como territórios étnicos do presente, e não mais do passado, ao identificar claramente a extensão, as características e as potencialidades desses espaços. Sua posição traz, subjacente, a preocupação com a emergência de territórios étnicos que não remeteriam aos verdadeiros quilombos, trazendo para o Estado, ainda, o poder de classificar e nominar as comunidades. Um arranjo difícil, pois é compreensível sua preocupação com os registros sobre tais grupos na proposição de políticas públicas e também sobre os limites do estado e das comunidades quanto às informações que deveriam ou não ser tornadas públicas.

A incerteza quanto ao número de comunidades quilombolas é referida por diferentes órgãos governamentais como uma das maiores dificuldades para o planejamento de políticas às comunidades quilombolas. O Relatório Final denominado Acesso das Comunidades

por uma equipe de pesquisa contratada pelo Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome (MDS), no ano de 2005, com o objetivo de mapear as condições de acesso dessas comunidades ao Cadastro Único, destaca como uma das suas maiores dificuldades de análise e conclusão dos dados a inexistência de um dado oficial que aponte o número de comunidades no país. De acordo com o Relatório da equipe de pesquisa, no ano de 2003, a FCP contabilizava a existência de 1.264 comunidades quilombolas, a SEPPIR, um universo de 2.000, enquanto um documento da ABA-CRER (Comissão de Relações Étnicas e Raciais) de abril de 2003 falava em 4.000 comunidades.

Para a equipe de pesquisa, a divergência de informações aponta dois problemas importantes: a dificuldade em se encontrar dados quantitativos consolidados sobre as comunidades e o desencontro existente entre os dados demográficos dos órgãos que atuam nessas comunidades, o que pode ser atribuído, segundo eles, à rigidez ou à flexibilidade do conceito de comunidade quilombola com que cada instituição trabalha.

Outro documento do Governo, intitulado Cadernos de Estudos: Desenvolvimento

Social em Debate/MDS, publicado no ano de 2008, apresenta uma série de artigos assinados

por pesquisadores, vinculados a universidades públicas e privadas, que resultam de uma pesquisa realizada com comunidades quilombolas, com o objetivo de identificar o perfil nutricional das crianças e adolescentes. Em vários artigos analisados, há referências por parte das equipes sobre as dificuldades para a identificação das comunidades quilombolas no país. Como pode ser observado na fala de um dos pesquisadores:

Segundo dados da Seppir, estão identificados 3.524 comunidades quilombolas no país, em 24 estados da Federação. Dessas, já foram certificadas pela Fundação Cultural Palmares (FCP) 1.170 comunidades. Contudo, apenas 500 processos de titulação estão em curso no Instituto Nacional e Reforma Agrária (INCRA). As áreas regularizadas somam 889.755,324 hectares. O Governo Federal foi responsável por menos da metade (25) dessas titulações. (SANTOS, 2008, p.38).

De acordo com os pesquisadores, dados censitários nacionais, recortados por áreas quilombolas, ainda são desconhecidos. Em outro artigo dos Cadernos de Estudos intitulado

Aspectos Metodológicos da Chamada Nutricional Quilombola, encontra-se outra referência

ao tema. Para o grupo de pesquisa responsável pelo levantamento do universo a ser pesquisado, o principal fator para a ausência de um consenso sobre o número de comunidades no país, reside, em parte, aos diversos critérios atribuídos pelos diferentes órgãos governamentais ao reconhecimento dessas comunidades. A equipe utilizou dados da Fundação Cultural Palmares, da SEPPIR, da Coordenação Nacional de Articulação de

Comunidades Negras Rurais Quilombolas (CONAQ) e dos levantamentos realizados por Rafael Sanzio, da Universidade de Brasília (UnB), cujos dados variavam de 724 a 3.524 comunidades quilombolas. Tendo em vista, a inexistência de um registro consistente e atualizado sobre a quantidade de comunidades no Brasil, a equipe optou, como referência, pelo mapeamento produzido, em 1999, pelo Centro de Cartografia Aplicada e Informação Geográfica (CIGA) da UnB, coordenada pelo professor Rafael dos Anjos. (SANTOS, 2008).

Segundo a coordenadora nacional do INCRA, para a titulação das terras quilombolas, Silva (2005, p. 11), os impasses quanto ao número de comunidades quilombolas resultam de várias questões. Entretanto, ela entende que houve avanços nas políticas públicas para os quilombolas, pois ―antes não havia qualquer interesse ou preocupação por parte do Estado brasileiro com a sistematização dos dados ou das ações em curso e, muito menos, com a identificação dessas comunidades no país‖. Entretanto, ainda não se dispõe de instrumentos institucionais para viabilizar uma contagem dessas comunidades. Como explica a autora: ―É bom lembrar que nesse ano (2003) o governo brasileiro reconhecia apenas 724 comunidades quilombolas. Hoje são 3.524 reconhecidas e 1.170 certificadas‖ (p.11).

Apesar de uma definição legal que oriente as instâncias governamentais na identificação das comunidades quilombolas no Brasil, esse processo está voltado à regularização dos territórios. A expectativa, por parte dos agentes estatais e mesmo do pesquisador da UnB, refere-se à criação de mecanismos institucionais que identifiquem tais comunidades em termos quantitativos e qualitativos. Além disso, constituir um mecanismo como um censo implicaria definir os critérios para identificar quais as comunidades seriam computadas. Seriam apenas as que se autorreconhecessem como quilombolas? E as demais comunidades negras que ainda não se enquadram nos critérios formais, ou que se negam a compor os processos de identificação dos seus territórios? Elas seriam igualmente computadas? São questões que ainda não estão resolvidas.