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Parte I – Quadro Teórico

CAPÍTULO 3 – SUSTENTABILIDADE

3.2. Evolução do conceito de Desenvolvimento

3.2.2. Conceito de Desenvolvimento no pós-guerra

O que o Ponto Quatro da declaração do presidente Truman traz de novo, não é o conceito de desenvolvimento, por si só, já que esse remonta a um período anterior na história, mas sim o de subdesenvolvimento. Como o ponto anterior deixa patente, o recurso ao conceito de desenvolvimento já havia sido feito pelos clássicos do século XVIII nas suas teorias, tendo todas elas em comum o facto de o apresentarem como um fenómeno intransitivo, algo que pura e simplesmente acontece sem que seja possível fazer alguma coisa para o alterar (Rist, 2008:73). O recurso, pela primeira vez, ao conceito de subdesenvolvimento, como um sinónimo de áreas economicamente atrasadas, veio alterar este sentido estático, até então, dado ao conceito de desenvolvimento, criando uma nova relação entre desenvolvimento e subdesenvolvimento. Esta inovação latente na declaração de Truman traz consigo a ideia de mudança e de dinâmica, mudança na direção tomada para se alcançar o estado final que se ambiciona, o desenvolvimento, e dinâmica implícita na possibilidade de concretizar essa mesma mudança. Deixa de ser uma questão alusiva, apenas, a países já desenvolvidos e torna- se possível desenvolver uma região com um nível de desenvolvimento considerado abaixo dos países de referência.

Está, portanto, subentendido que o conceito de desenvolvimento toma como referência, na sua formulação, os países considerados desenvolvidos, ou seja, os países europeus inseridos nas

sociedades industriais que, durante o período de 200 anos que intervalou os finais do século XVIII e a Segunda Guerra Mundial, descreveram um percurso desejável, a caminho de uma sociedade de abundância. Como clarificado no ponto relativo ao enquadramento histórico do conceito de Economia Social9, a sociedade do século XIX insere-se na Era Industrial e reúne

um conjunto de características resultantes de dois marcos históricos, que em muito influenciaram a base produtiva e as condições de vida, mas também os valores e as referências ideológicas, são eles, a Revolução Industrial e a Revolução Francesa. Sendo a abundância o grande objetivo das sociedades industriais, enquanto sinal de desenvolvimento, e já que estes países a alcançaram, o comportamento seguido ou as “boas práticas” adotadas, são encaradas como devendo ser o guia para todos os outros países, que se encontravam numa condição de subdesenvolvimento e que ambicionavam ser desenvolvidos. Rist (2008:40) justifica esta supremacia do ocidente sobre o resto do mundo recorrendo a três factos: “o progresso tem a mesma natureza que a história, todos os países percorrem o mesmo caminho embora com velocidades diferentes do ocidente, que é um líder indiscutível, graças à dimensão da sua produção, ao papel dominante que a Razão nela exerce e à escala das suas descobertas científicas e tecnológicas”.

Neste sentido, as principiais abordagens ao desenvolvimento nos anos 50 do século XX recaiam, por um lado, em teorias da modernização, assentes no princípio de que todos os países deviam seguir o modelo europeu e, por outro, em teorias estruturalistas que defendiam que os países do Sul deviam aumentar a sua interação com a economia global, para permitir o crescimento da sua economia doméstica (Willis, 2011:28).

Contudo, o subdesenvolvimento não é o oposto de desenvolvimento. Segundo Rist (2008), o subdesenvolvimento é visto, apenas, como algo incompleto é, por assim dizer, um estado embrionário quando comparado com o desenvolvimento, o estado final que se pretende que todos os países atinjam. Esta ideia pressupõe que existe um conjunto de etapas, deixadas como exemplo pelos países já desenvolvidos, que os países subdesenvolvidos têm, obrigatoriamente, que percorrer para atingirem o estado de desenvolvimento. De acordo com Rostow (1960:4-9), na sua obra As etapas do crescimento económico, é possível identificar a etapa em que cada país se encontra, de acordo com a sua dimensão económica:

Sociedade primitiva – A sociedade primitiva tem uma estrutura produtiva bastante limitada e, por isso, as suas atividades centram-se, sobretudo, no sector primário. Sem grandes tecnologias ou instrumentos, a força de trabalho é de carácter humano e

animal, consequentemente os níveis de produtividade são baixos e o crescimento económico nulo. Enquanto os países desenvolvidos passaram por esta etapa na Idade Média, os países subdesenvolvidos só estão a passar por ela agora.

Criação de condições para a mudança – Nesta etapa são criadas condições para que haja mudanças face à fase anterior, nomeadamente no que diz respeito à economia – propriedade, meios e métodos de produção, trocas comerciais – e aos valores sociais, que tendem a refletir-se a nível político. A Grã-Bretanha, graças à sua posição geográfica, aos recursos naturais, à capacidade de negociação e à sua estrutura social e política, foi o primeiro país a reunir todas as condições necessárias para passar à etapa seguinte.

Take-off – Este é o momento chave na história das sociedades modernas, é a etapa em que as resistências ao crescimento constante são superadas e o crescimento passa a ser uma condição normal das economias. Inicia-se o processo de industrialização, nos países ocidentais deu-se a Revolução Industrial e assistiu-se a um crescimento económico exponencial.

Industrialização em “velocidade cruzeiro” – Após o crescimento económico alcançado na etapa anterior, é desejável que este se mantenha e se alastre. É nesta fase que a economia demonstra que consegue ir mais além da indústria que impulsionou o seu take-off, absorvendo e aplicando de forma eficiente os frutos da aposta da mais recente tecnologia. É a etapa em que uma economia demonstra que tem a tecnologia e as competências empresariais, não para produzir tudo, mas para produzir o que quiser. Os dados revelam que a mudança do take-off para a industrialização em “velocidade cruzeiro” demora, aproximadamente, sessenta anos.

Era do consumo em massa – Como resultado da industrialização em “velocidade cruzeiro”, os salário aumentaram para lá do que era necessário para garantir a alimentação básica, casa e roupa, e a força de trabalho modificou-se de tal forma que a população centrou-se em meio urbano, em postos de trabalho bastante exigentes, intelectualmente sujeitos e com uma enorme necessidade de admitir os frutos da industria moderna. Indo de encontro às necessidades da população, nesta etapa final, os sectores líderes passam a ser de produtos duradouros e de serviços, centrando as economias no sector terciário.

Após a associação da etapa ao país, este deve seguir o percurso talhado pelos mais avançados, cumprindo todas as exigências de cada uma das etapas que se seguem, não sendo possível atingir o desenvolvimento de outra forma.

Dadas as influências que a Revolução Industrial e a Revolução Francesa exerceram sobre a sociedade industrial, o conceito de desenvolvimento no pós-guerra estava, frequentemente, associado a crescimento económico, a leitura prevalente era, aliás, a de que o desenvolvimento se dava, somente, através do impulso do crescimento económico, tornando- se frequentemente seu sinónimo.

Apesar de Rostow (1960) defender que o desenvolvimento não é crescimento económico, acaba por não fugir à associação entre os conceitos. Como considera o desenvolvimento um processo complexo, ao contrário do crescimento económico que é um processo específico de produção de bens e serviços, o primeiro acaba por se basear no segundo. Estando o crescimento económico na base do desenvolvimento, para este economista do desenvolvimento, o indicador de excelência do desenvolvimento de um país seria, então, o rendimento per capita.

Arthur Lewis, também ele um autor de referência nesta dicotomia de conceitos, foi o primeiro a abordar a questão do desenvolvimento de forma mais abrangente na sua obra de 1955, A teoria do crescimento económico, valendo-lhe o galardoamento do Prémio Nobel da Economia em 1975.

Para este economista, a história mostra que o desenvolvimento teve origem na modernização das estruturas sociais e, por isso, um país só será desenvolvido se as suas estruturas sociais sofrerem uma modernização, entendendo-se por estruturas sociais a produção, o consumo, a poupança, o governo, a cultura, os valores e o comportamento humano.

Ainda que, na sua análise ao desenvolvimento, o seu maior interesse recaia sobre a produção, Lewis deixa claro que o que importa para a riqueza de um país não é a sua produção total, porque a base fundamental para o seu desenvolvimento é a taxa a que a produção cresce em relação ao crescimento da população. Logo, o crescimento económico é o “crescimento da produção per capita” (Lewis, 1955:10), sendo esta a verdadeira chave para o processo de desenvolvimento de um país.

Neste sentido, a modernização deve estar centrada na economia, direcionando a vontade humana para a obtenção de uma melhoria dos resultados obtidos dos seus esforços e dos seus recursos (ibidem:23), mas, sobretudo, na indústria, por ser a estrutura social através da qual o investimento em progresso tecnológico mais eficazmente é convertido em aumento de produtividade e crescimento económico. Daí a importância dada por Lewis à relação entre a produção, o consumo, a poupança e o governo, mas na perspectiva do crescimento da produção e não do crescimento do consumo (ibidem:9).

Um país, ao iniciar o seu processo de modernização pela base industrial, para além de aumentar a produtividade aumenta também o rendimento dos indivíduos, o que se repercute numa mudança de comportamentos no que respeita ao aumento e à multiplicidade do consumo. O que significa que, estando o processo de modernização centrado quer na economia, quer na base industrial, inevitavelmente as outras estruturas sociais são arrastadas para este processo, iniciando-se a substituição das estruturas sociais tradicionais por estruturas sociais modernas. O crescimento económico depende, assim, não só dos recursos naturais disponível mas também do comportamento humano (ibidem:10).

Acabando por incentivar a imitação, tal como a abordagem de Rostow (1960), Lewis (1955) defende que a estratégia de desenvolvimento dos países subdesenvolvidos passa pela instalação de um núcleo moderno, com base na inovação industrial, patrocinada pelo governo ou pelo estrangeiro, seguindo o exemplo do processo de desenvolvimento protagonizado pelos países desenvolvidos.

O contributo destes dois autores tanto para a definição do conceito de desenvolvimento no pós-guerra, como para as estratégias de desenvolvimento dos novos países e a cooperação para o desenvolvimento é evidente. Porém, tornaram-se alvo de críticas por refletirem uma visão economicista e uma perspetiva industrialista do desenvolvimento, por promoverem uma ideologia “etapista” que leva a uma lógica de imitação, assente numa perspetiva etnocêntrica, baseada no eurocentrismo e por impulsionarem o uniformismo do consumo em massa. Em jeito de síntese, o conceito de desenvolvimento, no período após a Segunda Guerra Mundial, caracteriza-se, por um lado, pela forte influência que a realidade europeia teve na sua formulação, fazendo dele um conceito “eurocentrado” (Amaro, 2003:42). Por outro lado, por estar intimamente associado ao conceito de crescimento económico, tornando-o, frequentemente, condição necessária e suficiente do desenvolvimento, de que dependem as melhorias de bem-estar da população a todos os outros níveis, como a educação, a saúde, a habitação, as relações sociais, o sistema político e os valores culturais. Ao mesmo tempo, os indicadores de crescimento económico, em particular do rendimento per capita, são usados, sistematicamente, para classificar os países em termos de desenvolvimento. Esta associação de conceitos, rapidamente se alastrou ao de industrialização, uma vez que o crescimento económico está, como já referido, historicamente associado aos países considerados desenvolvidos, rapidamente a expressão países industrializados se tornou sinónimo de países desenvolvidos (ibidem:48).