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Parte I – Quadro Teórico

CAPÍTULO 3 – SUSTENTABILIDADE

3.4. Do Desenvolvimento Sustentável na perspectiva macro para o conceito de

3.4.2. Proposta para um conceito de Sustentabilidade reformulado

O termo sustentável, foi empregado pela primeira vez na década de 70 pela comunidade científica como jargão técnico para designar a possibilidade de um ecossistema não perder a sua resiliência, ou seja, a capacidade de um ecossistema absorver tensões ambientais sem que o seu estado ecológico mude percetivelmente. Porém, é na sequência da apresentação do conceito de Desenvolvimento Sustentável pela Comissão Brundtland, em 1987, que o conceito de Sustentabilidade ganha reconhecimento conceptual e científico, o que os torna indissociáveis, já que o conceito de Sustentabilidade deriva da definição de Desenvolvimento Sustentável e, por isso, com uma forte interdependência entre si.

Acompanhando a difusão do Desenvolvimento Sustentável, também o conceito de Sustentabilidade acabou por ser disseminado a nível mundial sendo, atualmente, reconhecido e utilizado por diversas áreas, ainda que não tenha alcançado a homogeneidade e solidez desejada. Esta lacuna na consolidação, torna o conceito vulnerável a diversas interpretações e utilizações, que, por não estarem bem definidas, promovem a deturpação do ideal por de trás do seu aparecimento, relativamente à proteção e preservação da Natureza e dos seus recursos para as gerações presentes e futuras.

Mantendo-se fiel a este princípio oriundo das Nações Unidas, Cíntia Afonso (2006) olha para a Sustentabilidade como a manutenção qualitativa e quantitativa das reservas de recursos ambientais, que promove o uso desses mesmos recursos sem que as suas fontes sejam danificadas ou que seja limitada a capacidade de suprimento futuro, de forma a que tanto as

necessidades presentes como as futuras sejam igualmente satisfeitas. Entende-a, por isso, como um processo de transformação da exploração de recursos, da direção dos investimentos, da orientação do desenvolvimento tecnológico e da mudança institucional, para uma harmonização de todas elas, garantindo a satisfação das necessidades presentes e futuras. Neste sentido, tal como propõe a Comissão Brundtland, apoia a criação não só de um sistema político que assegure a efetiva participação dos cidadãos nos processos de decisão, de um sistema económico que produza excedentes em bases confiáveis e constantes e de um sistema social que resolva as tensões provenientes da distribuição desigual dos rendimentos. Mas também de um sistema de produção que respeite a necessidade de conservar as bases de recursos naturais, de um sistema tecnológico que procure constantemente novas soluções, de um sistema internacional que estimule a interdependência entre economia e preservação de recursos ambientais, na formulação de regras para o comércio e financiamento e ainda de um sistema administrativo flexível, que tenha a capacidade de mudar as estruturas legais e institucionais visando o bem comum (WCED, 1987:70).

Mantendo-se fiel ao ideal inaugural, esta abordagem à Sustentabilidade remete para o triângulo, já conhecido, dimensão económica, social e ambiental. De facto, esta consideração, torna o conceito mais claro e objetivo, contudo, tal como ficou claro para o conceito de Desenvolvimento Sustentável, a consideração de apenas três dimensões fica aquém das necessidades e anseios da sociedade atual.

Cientes, não só das lacunas causadas pela consideração do triângulo de dimensões, mas também do enviesamento tendencialmente económico que a concepção generalizada deste conceito permite, como já abordado, muitos autores acrescentam outras dimensões nas suas abordagens à Sustentabilidade.

Nomeadamente, Juarez Freitas (2012) desdobra o conceito de Sustentabilidade em cinco dimensões, a social, a ética, a jurídico-política, a económica e a ambiental, considerando-o como um novo valor multidimensionalmente interligado, onde estas cinco dimensões não podem, de nenhuma forma, existir isoladamente. Dada a relevância do conceito para o autor, este defende que deve ser a Sustentabilidade a nortear o Desenvolvimento e o ordenamento jurídico e não o contrário, de tal forma que eleva a Sustentabilidade enquanto

“princípio constitucional que determina com eficácia direta e imediata, a responsabilidade do Estado e da sociedade pela concretização solidária do desenvolvimento material e imaterial, socialmente inclusivo, durável e equânime, ambientalmente limpo, inovador, ético e eficiente, no intuito de assegurar, preferencialmente de modo preventivo e precavido, no presente e no futuro, o direito ao bem-estar.” (Freitas, 2012:41).

Para além das dimensões económica, social e ambiental, Rocha Loures (2009), na sua abordagem à Sustentabilidade, inclui também as dimensões cultural, físico-territorial, político-institucional, científico-tecnológica, e até espiritual. Esta multidimensionalidade remete para uma interpretação da Sustentabilidade como uma melhoria, a diferentes níveis, tanto da tecnologia, como dos sistemas económicos e políticos, como dos indivíduos e das suas relações com o coletivo e com a Natureza, que permitirá uma sobrevivência e vivência de qualidade a curto e a longo-prazo.

Por sua vez, seguindo uma perspetiva assente na importância dos modelos locais, baseados em tecnologias apropriadas, em particular para as zonas rurais, Ignacy Sachs (2002:85-89) completa o triângulo da Sustentabilidade com a fundamentação da existência de oitos dimensões da Sustentabilidade, articuladas entre si.

A dimensão social, que prevê homogeneidade social através da distribuição justa do rendimento, do pleno emprego e/ou do emprego autónomo com qualidade de vida e igualdade no acesso aos recursos e serviços sociais.

A dimensão cultural, que remete para mudanças internas, sem que o equilíbrio entre a tradição e a inovação seja quebrado, bem como para a capacidade de elaborar, autonomamente, um projeto nacional integrado e endógeno e para a promoção da autoconfiança combinada com a abertura para o mundo.

A dimensão ecológica, por um lado, relativa à preservação do potencial do capital natural na sua produção de recursos renováveis e à limitação do uso dos recursos não renováveis e a dimensão ambiental, por outro, alusiva ao respeito e ao enaltecimento da capacidade de autodepuração dos ecossistemas naturais.

A dimensão territorial, que pressupõe configurações urbanas e rurais equilibradas, contrariando a tendência de acumulação dos investimentos públicos nas zonas urbanas, melhoria do ambiente urbano, supressão das disparidades inter-regionais e estratégias de desenvolvimento ambientalmente seguras para áreas ecologicamente frágeis.

A dimensão económica, onde é contemplado um desenvolvimento económico entre sectores equilibrado, com segurança alimentar, capacidade de modernização dos meios de produção, autonomia de pesquisa científica e tecnológica e inserção soberana na economia internacional. E, por fim a dimensão política que se deve dividir entre política nacional e internacional. Na dimensão política nacional está implícita uma democracia definida em termos de apropriação universal dos direitos humanos, o desenvolvimento da capacidade do Estado implementar o projeto nacional, em parceria com todos os empreendedores, e a coesão social. Já a dimensão política internacional deve ser baseada na eficácia do sistema de prevenção de guerras das

Nações Unidas na garantia da paz e na promoção da cooperação internacional, ao mesmo tempo que deve exercer controlo institucional efetivo do sistema internacional financeiro e de negócios, e do Princípio da Precaução na gestão do meio ambiente e dos recursos naturais. Deve ainda ter capacidade para prevenir as mudanças globais negativas, proteger a diversidade biológica e cultural, gerir o património global como herança comum da humanidade e promover um sistema efetivo de cooperação científica e tecnológica internacional.

Sachs (2002) vai muito além do foco único na gestão dos recursos naturais, enaltece, por contrapartida, uma visão holística dos problemas da sociedade, acreditando que a Sustentabilidade se alcança através da valorização das pessoas, dos seus costumes e dos seus saberes.

É inegável a mais-valia que cada um dos contributos dos diferentes autores, ao incluírem novas dimensões na sua interpretação, constitui para a consolidação e aplicação na prática do modelo que o conceito de Sustentabilidade pressupõe. Todavia, de todos eles, a proposta de Amaro (2016) de Desenvolvimento Sustentável, da qual deriva, por consequência, o conceito de Sustentabilidade, é aquela que melhor responde aos desafios aqui expostos. Denominada, pelo autor, de Sustentabilidade Integrada ou Sistémica por integrar de forma articulada oito dimensões – segurança económica, coesão social, preservação e valorização ambiental, valorização da diversidade cultural, coesão territorial, aprendizagem permanente e capacidade crítica, governança partilhada, participada, integrada e multiterritorial e nova ética – revela-se mais real e aplicável, flexível e ajustada não só à realidade das organizações, como da sociedade no seu todo.

Esta proposta inovadora de Sustentabilidade, da autoria de Amaro (2016), resulta da experiência empírica que alertou para a contradição existente entre a Sustentabilidade macro – da sociedade – e a Sustentabilidade micro – das organizações. Com o objetivo de uniformizar a Sustentabilidade, quer quando dirigida à sociedade no seu todo, quer quando aplicada às organizações, o conceito de Sustentabilidade Integrada parece ser a melhor forma para acabar com a incoerência que se verifica entre o seu conceito de inspiração, o Desenvolvimento Sustentável, e a sua aplicação às organizações.

Por outro lado, como já justificado para o conceito de Desenvolvimento Sustentável, esta proposta de Sustentabilidade é a que se relaciona mais intimamente com o conceito de Economia Solidária na versão da Macaronésia, versão já eleita como referência no presente trabalho de investigação. Neste sentido, e de acordo com a pergunta de partida, presente em todos os momentos desta investigação “Poderão as ONG concessionárias de Microcrédito

compatibilizar a sua atribuição com os conceitos de Sustentabilidade e de Economia Social e Solidária?”, o conceito de Sustentabilidade Integrada evidencia-se como o mais apropriado na procura da sua respetiva resposta.

Parte II – Análise Empírica