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Parte I – Quadro Teórico

CAPÍTULO 2 – MICROCRÉDITO

2.3. Tipos de sistemas financeiros

O financiamento é uma questão decisiva para o funcionamento de uma economia, já que todos os agentes económicos necessitam de fundos para financiarem as suas atividades. O instrumento que garante este financiamento da economia e a sua respetiva sobrevivência é o sistema financeiro. Este, constituído por instituições, instrumentos e mercados, assegura, segundo Emanuel Leão (2012), a continuidade de duas grandes funções na economia: a canalização de fundos para os agentes económicos que deles necessitam e a cobertura parcial dos riscos a que os agentes económicos estão expostos.

Com a função primária de canalizar os fundos daqueles que conseguiam poupar para os que para poderem comprar bens e serviços tinham que pedir emprestado, o sistema financeiro nasceu com o aparecimento da moeda, enquanto representante física do dinheiro na sociedade, que, de acordo com os registos arqueológicos obtidos no Templo de Artemis e Ephesus, perto da Turquia, remetem para 600 a.C. (Fergunson, 2009). Mais do que um efeito da moeda, o sistema financeiro está diretamente associado ao sistema de empréstimos, que emergiu como resultado do aparecimento do dinheiro, embora existam registos da existência de uma cultura extremamente desenvolvida de empréstimos já na Mesopotâmia.

Rapidamente o dinheiro e, consequentemente, o sistema financeiro tornaram-se vitais na dinâmica das sociedades, tornando-as até dependentes deste meio de troca. Se, por um lado, todas as atividades económicas passaram a depender de dinheiro para se concretizarem, por outro, quem não tinha o suficiente para fazer face às suas necessidades tinha que recorrer a quem podia emprestar. O dinheiro ganhou, desta forma, um lugar de destaque, uma vez que "a

relação central" que cristaliza é "entre quem empresta e quem pede emprestado.”5 (Fergunson,

2009:31). Ao mesmo tempo que o sistema financeiro se tornou essencial na determinação do custo e da quantidade de fundos, que uma economia dispunha para transferir daqueles que tinham em excesso para os que deles necessitavam.

Com a natural evolução da sociedade e da economia, esta estreita relação do sistema financeiro com a economia, ditada pela sua função primária, foi-se dissipando, dando lugar a um conjunto de outras funções. Atualmente, centrado numa maior preocupação financeira, é expectável que um sistema financeiro tenha a função de poupança e de riqueza, já que, por um lado, é a poupança que dá origem aos fundos e, por outro, porque sem riqueza não há possibilidade de se criar poupança nem fundos. Ao mesmo tempo, deve ter condições para garantir liquidez aos agentes económicos, que optaram por fazer a sua poupança em outros instrumentos financeiros que não a moeda, e acessibilidade ao crédito, para manter viva a atividade económica. Tem que reconhecer a função de pagamento, ao compreender diversas formas de pagamento, para além do recurso à moeda, e proteger os agentes económicos dos riscos a que estão sujeitos, através da imensa oferta de seguros existentes no mercado. E tem ainda que compreender uma função política, por ser, nas últimas décadas, um guia da situação financeira de uma economia, para a criação de políticas por parte dos governantes.

Apesar de todas estas “novas” funções, que afastaram, de forma positiva, o sistema financeiro atual da sua concepção inicial, é necessário ter em conta que esta evolução também o afastou, de forma negativa, da sua ideologia à nascença. Com o desenvolvimento económico, o sistema financeiro afastou-se cada vez mais da sua função de financiar a atividade económica, centrando-se intensivamente na componente financeira, assente na busca de uma suposta Sustentabilidade financeira. É, neste sentido, que a crise desencadeada em 2008, é comummente denominada de crise financeira mundial e não da crise económica mundial. Como será retomado mais à frente, o sistema financeiro alternativo, ciente desta falha e da incapacidade do sistema financeiro canalizar os fundos disponíveis de uma economia para todos, independentemente das suas características económicas, sociais, culturais ou físicas, propõe um regresso à origem da função primária do sistema financeiro, financiamento de toda a atividade económica, ao mesmo tempo que procura compatibilizar positivamente as finanças com a economia, enriquecendo esta relação com elementos não económicos e não

5 Tradução livre da autora. No original “The central relationship that money crystallizes is between lender and borrower.” (Ferguson, 2009:31).

financeiros, como a identidade e preservação cultural, a ligação ao desenvolvimento local, a democracia ou as preocupações ambientais.

Para Paul Singer (2009), o sistema financeiro atual não se restringe à aglomeração de instituições, instrumentos e mercados, pois é, em contrapartida, o conjunto de três partes distintas nas suas caraterísticas, funções e objetivos. A primeira, capitalista, é formada pelos intermediários financeiros, como os bancos comerciais, cujo objetivo é o lucro. A segunda, estatal, é composta pelos bancos públicos e cujo propósito não deveria ser o lucro, mas sim a prestação de serviços ao público. Por fim, a terceira, que pode ser denominada de social ou solidária, integra bancos, outros intermediários financeiros e organizações privadas que dão primazia ao atendimento das necessidades dos excluídos da primeira e segunda parte do sistema financeiro, face ao lucro, e que se regem por lógicas e objetivos diferentes dessas partes.

À parte desta divisão, o sistema financeiro pode ainda ser visto como tendo, normalmente, uma natureza formal ou informal.

O sistema financeiro formal, a retomar mais à frente, de carácter mais convencionado e reconhecido, tem, como o nome antecipa, uma natureza formal, daí que se caracterize por integrar organizações legalmente constituídas, com contabilidade organizada e que são objeto de tributação, podendo o seu domínio ser privado lucrativo, privado não lucrativo ou público. É formado por instituições financeiras – como bancos, companhias de seguro, fundos de investimento e corretores –, por instrumentos financeiros – dos quais fazem parte notas e moedas, depósitos, ações e obrigações – e por mercados financeiros – onde se incluem os mercados de crédito bancário, de depósito de poupança, acionista, obrigacionista, cambial, de seguros e interbancário. Compreende dois tipos de financiamento, o interno – autofinanciamento – e o externo que, por sua vez, pode ser direto ou indireto.

Quando um financiamento é direto significa que não houve recurso a intermediários para o conseguir, o que implica a existência de uma relação direta entre quem fornece e quem recebe os fundos. Os instrumentos utilizados neste tipo de financiamento são as ações e as obrigações. Por oposição, quando um financiamento externo é indireto pressupõe a existência de um intermediário financeiro para a sua obtenção, como as sociedades gestoras de fundos de investimento imobiliário, sociedades gestoras de fundos de pensões, companhias de seguros, sociedades de leasing, factoring e de aquisição a crédito, sociedades de capital de risco, sociedades financeiras de corretagem, sociedades gestoras de bolsa de valores e sociedades corretoras.

Deste sistema financeiro convencional, fazem parte, tanto a iniciativa financeira privada, como a iniciativa financeira pública. A primeira, denominada capitalista por Singer (2009), tem como único objetivo nas suas ações a obtenção de lucro. Já a segunda, promovida pelo Estado, tem como propósito a regulação do sistema financeiro através dos Bancos Centrais, o apoio e enquadramento, em alguns casos, de bancos privados, o financiamento do sector público e ainda a prestação de serviços públicos. Por outras palavras, o Estado tem também a função de garantir a equidade da economia do seu país, o que implica a correção das falhas de mercado existentes, através da cobertura das lacunas que a iniciativa privada vai deixando na sociedade. Mais concretamente, o Estado deveria desenvolver um conjunto de bens e serviços, neste caso financeiros, mas com o intuito de canalizar fundos para quem deles necessita por não ter tido acesso pelo mercado e cobrir, de forma parcial, os riscos a que os indivíduos estão sujeitos e que a iniciativa privada não tem interesse em cobrir. Contudo, o que se verifica é que o Estado tende a afastar-se, por vezes, deste princípio e a aproximar-se cada vez mais do privado, substituindo-o pelo lucro.

Esta tendência capitalista, torna os mais pobres, dadas as suas características pouco atrativas face ao objetivo destas instituições, excluídos do sistema financeiro formal, ou pelo menos das instituições formais cujo objetivo seja o lucro. Desta forma, não só o sistema financeiro informal mas, sobretudo, o sistema financeiro solidário tem um papel fundamental ao conseguir absorver alguns destes excluídos e dando-lhes os instrumentos necessários, que de outra forma não alcançariam, para financiarem as suas atividades.

Nem todas as iniciativas que fazem parte do sistema financeiro informal se centram na prestação de serviços financeiros numa lógica social, embora estas sejam para Singer (2009), as únicas que integram as finanças sociais ou solidárias. A bem da verdade, dentro do sistema financeiro informal existem iniciativas que se podem considerar solidárias, por terem, entre outros, o objetivo de ajudar quem mais precisa, através dos seus serviços, e as que não são de todo solidárias, já que visam apenas o lucro e só não fazem parte do sistema financeiro formal por não serem suficientemente formalizadas ou até legalmente instituídas e reconhecidas para o integrarem. Da mesma forma, o sistema financeiro formal inclui tanto iniciativas solidárias, como por exemplo as ONG, como não solidárias. Neste sentido, as finanças sociais não são definidas pelo sistema financeiro que integram, mas sim pelos princípios e valores que pressupõem no seu modo de atuação.