• Nenhum resultado encontrado

Sobre a Sustentabilidade das organizações e a sua relação com o conceito de

Parte I – Quadro Teórico

CAPÍTULO 3 – SUSTENTABILIDADE

3.4. Do Desenvolvimento Sustentável na perspectiva macro para o conceito de

3.4.1. Sobre a Sustentabilidade das organizações e a sua relação com o conceito de

A era da Sustentabilidade e, por consequência, das organizações sustentáveis distingue-se do modelo de Desenvolvimento tradicional, em parte, pelas características distintas que ambos apresentam. Mais concretamente, enquanto o modelo tradicional, já aqui abordado, fomenta uma visão redutora, cartesiana e mecanicista dos problemas, apostando numa relação linear de causa e efeito para as respetivas soluções, o paradigma da Sustentabilidade caracteriza-se pelo seu carácter orgânico, holístico e sistêmico. Neste modelo, a Natureza é entendida como um conjunto de sistemas interligados, onde o todo resulta da soma das partes, mas também das suas interações, e os seres são vistos como indissociáveis dos ecossistemas, numa verdadeira relação de sinergias (Leal, s.a.). O bem-estar deve ser avaliado pela qualidade das interações entre o ambiente e o social, e os limites tecnológicos devem ser definidos pelas relações de Sustentabilidade existentes entre esses dois domínio e o económico.

Quando direcionada para as organizações, “A Sustentabilidade exige uma postura preventiva, que identifique tudo que um empreendimento pode causar de positivo – para ser maximizado – e de negativo – para ser minimizado.” (Almeida, 2002:25). Numa crescente preocupação em satisfazer as exigências inerentes à implementação de um modelo de Desenvolvimento Sustentável, as empresas têm dado sinais de mudança, pela imposição de medidas que visam a substituição dos seus paradigmas e métodos de gestão por outros mais sustentáveis. Para Fernando Almeida (2002), uma empresa só será sustentável, se tiver presente em todas as suas ações, decisões, processos e produtos a ecoeficiência, ou seja, se conseguir produzir mais e melhor com menos. O mesmo será dizer, produzir mais produtos de melhor qualidade, com menos poluição e menos recursos naturais, sendo ao mesmo tempo socialmente responsável, já que todas as empresas estão inseridas num ambiente social, sobre o qual exercem e recebem influência.

Este reconhecimento implica a adoção de medidas de conduta ética, de responsabilidade social para com os seus stakeholders e de constante melhoria da sua reputação, já que o objetivo de todas as empresas é a sobrevivência e perpetuidade mediante os desafios impostos pela Natureza e pela sociedade. Neste sentido, esta mudança de paradigma em busca da Sustentabilidade deve ter em conta, não só os custos presentes, mas, sobretudo, os futuros, na medida em que, desta forma, é alimentado o desejo por ganhos constantes e pelo investimento em inovação tecnológica de gestão (ibidem:26), mantendo as empresas vivas.

Seguindo esta ordem de ideias, as empresas que passem por este processo de transformação, integrando efetivamente este novo paradigma no seu modelo de atuação, e que sejam reconhecidas pelos seus stakeholders como organizações sustentáveis, estarão mais preparadas para operarem no mercado de negócios da Era da Sustentabilidade do século XXI (Leal, s.a.).

Ao serem diferentes das empresas na sua essência, a Sustentabilidade das ONG deve estar harmonizada de acordo com as suas características e com o seu modelo de atuação, para que se reflita numa estratégia de gestão adequada e eficaz, garantindo a respetiva sobrevivência da organização. Para Domingos Armani (2014), existem três aspetos essenciais que tornam a Sustentabilidade das empresas diferente da Sustentabilidade das ONG. Primeiro, ao contrário das empresas, a Sustentabilidade de uma ONG não significa que estas tenham autonomia financeira, resulta, por sua vez, da articulação entre a capacidade de obtenção de receitas próprias através da contribuição dos sócios, prestação de serviços, venda de produtos, e a capacidade de aceder a fontes de financiamento públicas, privadas e não governamentais nacionais e internacionais.

Segundo, a Sustentabilidade não se limita à dimensão financeira, alastra-se a um conjunto de fatores de desenvolvimento institucional, cruciais para a durabilidade e para o êxito de uma ONG. Considerado como condição imprescindível à Sustentabilidade, o desenvolvimento institucional de uma ONG pressupõe um processo permanente de atualização e qualificação da sua missão, do seu projeto político, da sua capacidade de gestão estratégica e de influência nas políticas públicas, dos seus mecanismos de governança institucional e do seu contributo para a criação de conhecimentos socialmente úteis. Neste sentido, a Sustentabilidade “poderia ser definida como a capacidade institucional de interagir criativamente com contextos cambiantes, de forma a manter-se a relevância social e fortalecer-se a credibilidade da organização.” (Armani, 2004:10).

Por fim, no seguimento desta mesma ideia, como a Sustentabilidade requer um esforço continuado, determinação política e disposição para a mudança de aspectos culturais e institucionais relevantes, é imperativo que uma organização se reinvente, sempre que necessário, para garantir a sua Sustentabilidade.

Não sendo desejável que a Sustentabilidade das ONG se condicione apenas à dimensão financeira, como frequentemente se verifica nas organizações da economia de mercado, importa não cair no comportamento oposto de menosprezar totalmente esta dimensão. Defendendo uma Sustentabilidade multidimensional das organizações de responsabilidade social assente numa “gestão eficaz, pessoal competente, missões claras, parcerias com stakeholders, reputação sólida e suporte financeiro adequado.”15 (Salomon et al, 2014:6),

onde todos estes elementos sejam, obrigatoriamente, sustentáveis, Lester Salomon (2014) atenta para a importância da Sustentabilidade financeira destas organizações a partir das perspetivas de diferentes escolas de pensamento.

Assente numa lógica de eficiência financeira, a primeira, associa a Sustentabilidade financeira de uma organização social à sua capacidade de se manter a longo prazo, conseguida pela manutenção e expansão dos seus serviços e atividades, garantindo capacidade de resiliência para aguentar recessões de curto-prazo, causadas por perdas de fundos ou donativos.

Por oposição, a segunda escola de pensamento, acredita que a Sustentabilidade financeira deste tipo de organizações é obtida pela adoção de uma estratégia de diversificação da origem das receitas, evitando a dependência de um único provedor.

15 Tradução livre da autora. No original “effective management, competent staff, clear missions, supportive stakeholders, solid reputation, and, of course, adequate financial support.” (Salomon et

Com uma abordagem mais próxima da economia de mercado, a terceira perspectiva exposta por Lester Salomon (2014), defende que as organizações, para serem sustentáveis financeiramente, não devem estar subordinadas a donativos, devendo apostar na diversificação das suas receitas por via do desenvolvimento de produtos comercializáveis, geradores de rendimentos, libertando-se o mais possível da dependência de doações. Neste sentido, visam-se necessários investimentos de capital na inovação deste produtos, para o seu sucesso no mercado e a criação de valor para a organização.

A quarta escola de pensamento, enaltecendo uma visão holística, considera que a Sustentabilidade financeira é muito mais que a simples geração de riqueza, estando demasiado integrada nos outros domínios da organização para ser dissecada por si só. Não se limitando à obtenção de receitas, a Sustentabilidade financeira deve contribuir com resultados positivos para uma sintonia entre as atividade geradoras de receitas e a missão, sendo, por isso, uma parte integrante da missão da organização, do seu impacto social, da sua estrutura e a sua estratégia de longo prazo.

Já a última, olha para a Sustentabilidade financeira como um equilíbrio contínuo entre os custos e os benefícios que a própria condição de Sustentabilidade traz consigo.

Não dependendo, exclusivamente, da vontade das organizações, a adoção de um estratégia de Sustentabilidade financeira está condicionada ao contexto onde estas operam, onde questões como o grau de abertura do sistema político, o nível de desenvolvimento da economia do país, ou as divisões sociais têm um peso considerável (ibidem:12). Não obstante, na opinião de Lester Salomon (2014), a questão da Sustentabilidade financeira das organizações de responsabilidade social tem sofrido uma verdadeira revolução, graças à explosão massiva de ferramentas de filantropia, de investimento social e de instrumentos e instituições mobilizadas para o investimento privado, garantindo objetivos sociais e ambientais.

Independentemente da estratégia adotada, é irrefutável que a Sustentabilidade, na sua plenitude, de qualquer organização, seja ela empresarial ou não, é uma das maiores preocupações da atualidade, por dizer respeito, de alguma forma, à sua sobrevivência.

Porém, apesar do apresentado como procedimento desejável, no quadro da Sustentabilidade das organizações, a verdade é que se verifica uma contradição entre o campo teórico, que destaca a multidimensionalidade do conceito, e a prática, que descreve, tendencialmente, uma abordagem à Sustentabilidade numa perspectiva unidimensional, pondo em causa a sua aplicabilidade efetiva. Por outras palavras, esta contradição, entre aquilo que é ditado pela teoria e aquilo que é posto em prática pelas organizações, evidencia uma distinção de abordagens entre a Sustentabilidade macro e a Sustentabilidade micro.

O conceito de Sustentabilidade toma como referência o conceito de Desenvolvimento Sustentável, que, de uma forma geral, é entendido numa perspetiva multidimensional, onde no mínimo são consideradas as três dimensões que sustentam a definição da autoria das Nações Unidas, detalhadamente, a dimensão económica, relativa ao crescimento económico, a dimensão social, referente à coesão social, e a dimensão ambiental, que respeita à proteção e preservação do meio ambiente. Dado o seu carácter multidimensional, quando se pretende dirigir a Sustentabilidade a um nível global e, portanto, à sociedade geral, à Humanidade ou um país, é à Sustentabilidade que toma como referência o conceito de Desenvolvimento Sustentável, que é feita alusão. Logo, conforme Amaro (2016) é uma Sustentabilidade macro porque diz respeito ao todo.

Em contrapartida, quando a questão é a Sustentabilidade de uma organização, esta refere-se à possibilidade de uma organização ter os meios financeiros e as soluções económicas para se manter em atividade, sendo esse o objetivo último de uma organização e a Sustentabilidade o meio de o alcançar.

Esta apropriação económica do conceito, subjacente ao seu percurso histórico e às conotações a si associadas, que enaltecem a sua componente económica, sobrepondo-a às restantes, promove esta distinção entre aquilo que é considerado sustentável quando o sujeito é a sociedade no seu todo e o que está instituído como organização sustentável. No seguimento desta diferenciação, Domingos Armani (2004:11-12) define a Sustentabilidade de uma organização como a “capacidade de sustentar de forma duradoura o valor social do projeto institucional a partir da interação criativa com contextos mutáveis”, considerando a Sustentabilidade “macrossocial [...] como o grau de correspondência (legitimação social- pública) entre a ação coletiva das ONG e as concepções, políticas e mecanismos (públicos e privados) de enfrentamento da pobreza e das desigualdades e de promoção do desenvolvimento.” (ibidem).

Ao ser dado enfoque apenas à dimensão e à viabilidade económico-financeira da Sustentabilidade, verifica-se uma incoerência entre o que foi o conceito de inspiração para formulação e reconhecimento do conceito de Sustentabilidade e o que é, na prática, a sua aplicação às organizações, independentemente da sua natureza. Existem, então, dois termos e duas medidas, uma Sustentabilidade macro, multidimensional, quando o alvo é a sociedade, e outra micro, unidimensional, quando se trata de organizações.

A razão por de trás desta contradição é, segundo Amaro (2016), o tipo de sociedade que se impôs a nível mundial desde o início da Modernidade. Como várias vezes foi aludido ao longo deste trabalho de investigação, a Revolução Industrial e a Revolução Francesa criaram

e abriram as possibilidades e a desejabilidade do crescimento económico a partir dos finais do século XVIII na Europa, refletindo-se numa sobreposição da dimensão económica face aos outros valores e no seu enaltecimento enquanto fator explicativo e determinante de todos os outros, até aos dias de hoje. É, no seguimento do reconhecimento deste facto histórico que a componente económico-financeira da Sustentabilidade das organizações é tida como a mais importante, decisiva, ou mesmo como a única relevante para a sobrevivência das mesmas. Ainda que assim seja, que a Sustentabilidade quando alusiva às organizações tenha sido simplificada e reduzida à dimensão económico-financeira, o desejável é que se mantenha fiel aos pressupostos do seu conceito de inspiração, o Desenvolvimento Sustentável, e que se amplie, no mínimo, ao triângulo de dimensões original – económica, social e ambiental –, de forma a que as organizações sejam sustentáveis em todas as dimensões que a Sustentabilidade deve pressupor.