• Nenhum resultado encontrado

Parte I – Quadro Teórico

CAPÍTULO 3 – SUSTENTABILIDADE

3.2. Evolução do conceito de Desenvolvimento

3.2.3. Renovação do conceito nos últimos 30-40 anos

A partir do final dos anos 60/início dos anos 70 as abordagens e as práticas do desenvolvimento, oriundas das correntes de pensamento do pós Segunda Guerra Mundial, sofreram um mudança de tal forma, que desencadeou, nos 30 anos seguintes, uma busca intensa por novas conceptualizações e estratégias deste conceito.

Por detrás desta viragem de pensamento e de abertura a um novo entendimento do conceito de desenvolvimento estão cinco fatores considerados essenciais por Amaro (2003:52-55):

A crescente desilusão e frustração que se vivia nos países subdesenvolvidos, face às expectativas de desenvolvimento falhadas dos modelos propostos ou impostos pelos países desenvolvidos. Quer o compromisso assumido pelos países desenvolvidos de ajuda aos subdesenvolvidos, com cerca de 1% do seu PIB na década de 60, na designada “primeira década de desenvolvimento”, quer o compromisso estabelecido na década seguinte, “segunda década de desenvolvimento” (reduzindo aquela ajuda para 0,7% do PIB), falharam, ficando os resultados do proclamado desenvolvimento muito aquém do esperado. Paralelamente, para além da Nova Ordem Económica Internacional, reivindicada pelos países do Terceiro Mundo, que previa uma maior atenção aos países subdesenvolvidos, não ter passado de uma ideia, os dois choques petrolíferos contribuíram ainda mais para o problema das dívidas externas destes países, encurralando-os nos Programas de Ajustamento do FMI e do Banco Mundial. O aparecimento e constante multiplicação de sintomas claros de “mal-estar social” nos

países desenvolvidos, como as revoltas estudantis e sociais ocorridas em Maio de 1968 em França e no ano seguinte, em Maio de 1969 em Itália, contra o modelo de desenvolvimento, o movimento hippie durante a segunda metade da década de 60, a agitação social e étnica ligada a movimentos como o black power e, ainda, os protestos contra a Guerra do Vietname, no início dos anos 70, nos EUA. Surgiram também estudos sociológicos, nos anos 70 e 80, que evidenciavam outras manifestações de “mal-estar social” mais permanentes, como: a quebra das relações sociais, consequência de um maior individualismo e de solidão registados; a necessidade, cada vez mais evidente, de consumos aditivos como forma de compensação; mais situações de stress profissional e doenças associadas, bem como um maior recursos a consultas de psicologia, psiquiatria e psicanalistas, e o aumento da taxa de suicídio, nalguns dos chamados países desenvolvidos.

A tomada de consciência dos problemas ambientais, causados pelo modelo predominante, consagrada a partir da primeira Conferência organizada pela ONU em 1972, em Estocolmo, sobre o ambiente e o desenvolvimento, e da publicação, no mesmo ano, do estudo do Clube de Roma, Limites para o crescimento. Este estudo revelou que não era possível manter os níveis e os ritmos, até então, de crescimento económico e demográfico, de sobreutilização dos recursos naturais e de produção de lixos e poluentes, impondo-se uma estratégia diferente, que visasse a contenção e a durabilidade sustentada do desenvolvimento.

A passagem de um crescimento económico elevado e regular, característico dos “anos dourados” do pós-guerra, para um crescimento irregular e com várias crises difíceis de ultrapassar. Verificou-se, portanto, uma mudança no tipo de crescimento económico, agora menos criador de empregos, ou por outro lado, criador de cada vez mais empregos precários e desqualificados, alterando o padrão de emprego do pós-guerra assente no princípio do Fordismo – emprego seguro e estável. Consequentemente, a distribuição do rendimento, até então considerada equitativa, passou a ser a mais desigual. Esta mudança, acabou por pôr em causa a relação tida como virtuosa após a Segunda Guerra Mundial, entre crescimento económico e desenvolvimento, na medida em que os indicadores começaram a revelar que crescimento económico nem sempre é sinónimo de desenvolvimento.

E, ainda, a multiplicação de diversas crises e “mal-estares sociais”, económicos, ambientais e políticos, também nos países socialistas: começando pela “Primavera de Praga de 1968”; continuando com a crise laboral na Polónia, que afetou, com constantes greves, o sector mineiro e naval, fundamentais à economia, fazendo emergir o protagonismo do “Solidariedade” e de Lech Walesa, ao mesmo tempo que a igreja católica ganhava peso com a eleição de um Papa Polaco, João Paulo II; o ressurgimento de senhas e de filas de racionamento e, naturalmente, das dificuldades de abastecimento de bens essenciais na URSS; a crise ambiental resultante do desastre nuclear de Chernobyl; e a crise política impulsionada por Milkhail Gorbachov com as suas palavras de ordem – Perestroika10 e Glasnot11 –, que culminaram com a queda do

Muro de Berlim em 1989 e o consequente desmantelamento da URSS.

10 Restruturação.

A simultaneidade destes acontecimentos trouxe consigo um clima de desagrado face à conceção e às práticas daquilo que, até então, era entendido como desenvolvimento e, ao mesmo tempo, a intenção de encontrar algo novo que melhor se coadunasse com as necessidades de todos os envolvidos, abrindo caminho, nos últimos 30-40 anos, à era do “pós-desenvolvimento” (Escobar, 2005). Esta busca fez surgir inúmeros adjetivos associados à palavra desenvolvimento, bem como tantas outras designações na tentativa de renovação do conceito. De todos eles, para Amaro (2003:55) destacam-se seis, que, de acordo com os seus conteúdos e contextos científicos e institucionais, se podem organizar em três grandes fileiras: a ambiental, das pessoas e das comunidades e a dos Direitos Humanos e da dignidade humana.

A primeira, a fileira ambiental, procura conciliar o desenvolvimento com a consciência ambiental, afirmada, como já descrito, institucionalmente, a partir de 1972, através da Conferência de Estocolmo e do estudo do Clube de Roma. O conceito consagrado como o melhor representante desta fileira, e que merecerá uma maior exposição no ponto seguinte, é o Desenvolvimento Sustentável, definido pela Comissão das Nações Unidas, em 1987, como o processo que procura satisfazer as necessidades e as aspirações do presente sem comprometer a capacidade de satisfazer as necessidades e as aspirações das gerações futuras. Não abolindo o crescimento económico, este conceito reconhece que o problema da pobreza e do subdesenvolvimento não pode ser resolvido, enquanto não existir uma nova era de crescimento, onde os países em desenvolvimento sejam a principal preocupação e que dessa posição retirem benefícios (WCED, 1987).

Já a fileira das pessoas e das comunidades, procura que estes elementos, as pessoas e as comunidades, sejam os atores principais do desenvolvimento, e, por isso, é também reconhecida como a fileira da participação e da cidadania, onde o desenvolvimento se pressupõe que seja, em primeira instância, “o exercício pleno da cidadania e o resultado de uma participação ativa de todos.” (Amaro, 2003:57). Aqui, a satisfação das necessidades é uma consequência, deste exercício de cidadania e participação plena, e não um fim.

Os dois conceitos-chave de desenvolvimento que se inserem nesta fileira, são o Desenvolvimento Local e o Desenvolvimento Participativo. O primeiro, o Desenvolvimento Local, direciona a questão do desenvolvimento para determinada realidade local. Neste sentido, pode ser entendido como o processo de satisfação das necessidades e da melhoria das condições de vida de uma comunidade local, a partir das suas capacidades, numa perspectiva integrada dos problemas que apresenta e das respostas que se conseguem alcançar com os recursos locais disponíveis (Amaro, 2003:57). Por sua vez, o Desenvolvimento Participativo

coloca a participação no centro das preocupações do desenvolvimento, através da mobilização da sociedade civil a partir das bases (Friedmann, 1996). Por outras palavras, o Desenvolvimento Participativo passa pela adoção de metodologias de participação absoluta, desde a conceção, à execução, passando pelo acompanhamento, de todos, no que respeita aos processos de mudança e da melhoria das condições de vida das populações, garantindo a afirmação plena da cidadania.

Por último, a fileira dos Direitos Humanos e da dignidade humana tem como objetivo aliar o desenvolvimento ao respeito pelos Direitos Humanos fundamentais e à garantia de limiares mínimos de sobrevivência e de dignidade humana, traduzindo-se tal preocupação nos conceitos de Desenvolvimento Humano e Desenvolvimento Social.

O conceito de Desenvolvimento Humano começou por ser definido como um processo de ampliação das escolhas das pessoas, de forma a que tenham ao seu dispor as capacidades e as oportunidades para serem aquilo que desejam ser. Contrariando a abordagem pela via do crescimento económico, que associa o bem-estar de uma sociedade aos seus recursos, o Desenvolvimento Humano olha diretamente para as pessoas, para as suas capacidades e oportunidades, o foco é o ser humano. Alvo de várias reformulações, é sempre acompanhado do seu indicador de aferição, o Índice de Desenvolvimento Humano12. Uma das atualizações

mais recentes, define o Desenvolvimento Humano como o processo de aumento das escolhas das pessoas, que lhes permitam ter uma vida longa e saudável, adquirir conhecimento, ter acesso aos recursos necessários para um nível de vida digno, enquanto os preservam para as gerações vindouras, proteger a segurança pessoal e alcançar a igualdades para todos (PNUD, 2003).

Gerado pela ideia de que nenhum ser humano deve ser condenado a suportar uma vida sem os requisitos mínimos de dignidade, independentemente da classe social a que pertence, do país de origem, da religião, da etnia ou do género, o Desenvolvimento Social define-se como um processo que tem como objetivo aumentar, proteger e obter as oportunidades que garantem uma melhoria da qualidade de vida das gerações atuais e futuras (ONU, 2005:3). Promovido pelos responsáveis dos países e pelas organizações internacionais, o Desenvolvimento Social coloca o ser humano no centro do desenvolvimento, sendo o crescimento económico, mais um vez, apenas um meio e não um fim em si mesmo.

12 IDH – Medida composta que mede a realização média em três dimensões básicas do desenvolvimento humano: uma vida longa e saudável, conhecimento e um nível de vida digno (PNUD, 2003).

Ainda que não integre nenhuma das fileiras anteriores, pelo menor peso institucional e científico face aos outros conceitos, o Desenvolvimento Integrado acaba por estar presente transversalmente em todos eles. Sendo integrado, pressupõe uma abordagem interdisciplinar e uma metodologia copulativa de “e” e não de “ou”, podendo ser entendido como

“O processo que conjuga as diferentes dimensões da Vida e dos seus percursos de mudança e de melhoria, implicando, por exemplo: a articulação entre o económico, o social, o cultural, o político e o ambiental; a quantidade e a qualidade; as várias gerações; a tradição e a modernidade; e endógeno e o exógeno; o local e o global; os vários parceiros e instituições envolvidas; a investigação e a ação; o ser, o estar, o fazer, o criar, o saber e o ter (as dimensões existenciais do desenvolvimento); o feminino e o masculino; as emoções e a razão, etc.” (Amaro, 2003:59).

A conceptualização e o reconhecimento científico destes seis novos conceitos permitiram ultrapassar a visão restrita e economicista do desenvolvimento características do pós-guerra, para a adoção de uma visão ampla e interdisciplinar, com um carácter multidimensional, que toca em todos os pontos fulcrais da vida humana para que se possa afirmar que existe desenvolvimento de verdade. Ao mesmo tempo que para estes conceitos o crescimento económico passou a ser apenas um meio e não um fim em si mesmo, questões como a cidadania assente em metodologias participativas, a relação mais respeitosa e consciente com a Natureza, a redefinição das bases territoriais de incidência e a inclusão de múltiplos protagonistas organizativos, formais e informais, nestes processos de desenvolvimento, ganharam uma posição de destaque.