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2 REVISÃO DE LITERATURA

2.3 Economia Solidária

2.3.1 Conceito de Economia Solidária

O termo para designar os movimentos de reação às crises do mundo do trabalho22 tem apresentado diferentes conotações ao longo da história, assim como são utilzadas várias denominações, em diferentes países, para designar tais movimentos.

É importante fazer uma revisão histórica desses conceitos.

A Économie Sociale (ou Economia Social) emergiu por volta de 1830, na França, como outra maneira de fazer Economia Política e já se ocupava dos fenômenos ligados ao associativismo e ao cooperativismo (Guélin, 1998). No Brasil, o termo Economia Social é empregado para designar politicas públicas em áreas como educação, saúde e moradia popular.

Mesmo em seu país de origem, Économie Sociale é um termo que durante um século e meio já serviu para referir-se a diversas realidades, mas que no século XIX

22 Para Antunes (1996), o “mundo do trabalho” é constituído de variáveis que dizem respeito aos processo

sociais e económicos da sociedade. Assim, os processos de trabalho, as formas de gestão e organização da força de trabalho, a dinâmica do mercado, os direitos trabalhistas, as condições de vida e a identidade dos trabalhadores são algumas dessas variáveis (Antunes, 1999).

aglutinou o anseio de pensadores diversos23, sensibilizados com o custo humano da revolução industrial.

A atual definição de Économie Social, segundo Guélin (1998. 28) é:

... economia composta por organismos produtores de bens e serviços, colocados em condições jurídicas diversas no seio das quais, porém, a participação dos homens resulta de sua livre vontade, onde o poder não tem por origem a detenção do capital e onde a detenção do capital não fundamenta a aplicação dos lucros.

No Brasil o termo que mais se assemelha ao conceito atual de Économie

Social é “economia popular”, onde as atividades e empreendimentos se baseiam na

tradição familiar e comunitária, bem como nas organizações e entidades relacionadas aos movimentos populares e que objetivam gerar renda e ser um modo de garantir a sobrevivência de seus integrantes.

Integram a economia popular ações organizadas de assistência e filantropia, iniciativas individuais não estabelecidas e informais (camelôs, vendedores ambulantes, etc), microempresas e pequenas oficinas de caráter familiar e organizações económicas coletivas como cooperativas e associações.

A economia solidária, como movimento emergente da economia popular, surgiu a partir da segunda metade da década de 1970 como consequência da crise

econômica oriunda do choque do petróleo e que teve grande impacto para a classe-que- vive-do-trabalho24, como desemprego em massa e fechamento de empresas.

Figura 2.10: Economia Popular e Economia Solidária

Fonte: elaboração própria.

Em função disso, floresceram diversas iniciativas para salvar ou gerar empregos. Entre 1977 e 1984, diversas empresas em dificuldades passaram a ser geridas pelos trabalhadores e de 1980 a 1985 foram criadas inúmeras cooperativas em todo o mundo (Defourny, 1991).

Laville (2009) explica esse fenômeno como consequência da governança corporativa, que permitiu aos acionistas definirem altas taxas de rentabilidade para o capital e a escolherem livremente seus investimentos no mercado internacional. Os empreendimentos que não se enquadravam nessas exigências foram abandonados, mas muitos, considerados viáveis pelos trabalhadores, foram objeto de conversão em cooperativas.

24 A “classe que vive do trabalho” compreende a totalidade dos sujeitos que vivem da venda de sua força

de trabalho, englobando todos os trabalhadores assalariados e despossuídos dos meios de produção, estejam eles empregados ou não (Antunes, 1999).

Economia

Popular Economia

Diversos desses empreendimentos ergueram-se sob bases de participação coletiva dos integrantes, autogestão, democracia na posse e controlo dos meios de produção, igualitarismo, cooperação, auto-sustentação e promoção do desenvolvimento humano.

Entretanto, “a despeito de alguns sucessos económicos, o entusiasmo inicial foi temperado pela subcapitalização e pela obsolecência tecnológica de que muitos deles padecem, nas indústrias tradicionais como o têxtil ou o calçado” (Laville, 2009: 15).

O que difere os empreendimentos típicos de enconomia popular dos empreendimentos de economia solidária é que, enquanto os primeiros são ditados pela necessidade e dificilmente conseguem se perpetuar por longo tempo, uma vez que não promovem a acumulação de capital, os segundos se baseiam na cooperação para obter eficiência, ultrapassar o nível de subsistência e promover sua perpetuação.

Segundo Laville (2009: 18), “deixaram de se limitar unicamente a gerir a miséria” e já há “o reconhecimento de um saber popular em economia”.

Numerosos investigadores passaram a estudar tais fenômenos, conceituando-o e definindo seu escopo.

Razeto (1993: 35) conceitua economia de solidariedade como:

... uma formulação teórica de nível científico elaborada a partir e para dar conta de conjuntos significativos de experiências económicas (...), que compartilham alguns traços constitutivos e essenciais de solidariedade, mutualismo, cooperação e autogestão

comunitária, que definem uma racionalidade especial, diferente de outras racionalidades económicas.

Segundo Ortiz Roca (2003: 12) “a Economia Solidária recobre diferentes formas de organização onde os cidadãos e cidadãs se reúnem, seja para criar sua própria fonte de trabalho, seja para ter acesso a bens e serviços de qualidade ao mais baixo custo possível, numa dinâmica solidária e de reciprocidade que articula os interesses individuais aos coletivos”.

Para Elizagal (apud Celorio e López de Muniain, 2007: 107-113) “se denomina Economía Solidaria al sistema socioeconómico, cultural y ambiental desarrollado de forma individual o colectiva a través de prácticas solidarias, participativas, humanistas y sin ánimo de lucro para el desarrollo integral del ser humano como fin de la economía.”

Na Campanha Nacional de Divulgação da Economia Solidária promovida pelo Governo brasileiro em 2008, a economia solidária é conceituada como “uma forma de produção, consumo e distribuição de riquezas centrada na valorização do ser humano - e não do capital - de base associativista e cooperativista, voltada para a produção, consumo e comercialização de bens e serviços, de modo autogerido, tendo como finalidade a reprodução ampliada da vida”.

Já o Atlas da Economia Solidária no Brasil, publicado pelo Ministério do Trabalho e Emprego, apresenta o seguinte conceito:

A Economia Solidária se caracteriza por concepções e práticas fundadas em relações de colaboração solidária, inspiradas por valores culturais que colocam o ser humano na

sua integralidade ética e lúdica e como sujeito e finalidade da atividade económica, ambientalmente sustentável e socialmente justa, ao invés da acumulação privada do capital. Essa prática de produção, comercialização, finanças e consumo privilegia a autogestão, a cooperação, o desenvolvimento comunitário e humano, a satisfação das necessidades humanas, a justiça social, a igualdade de gênero, raça, etnia, acesso igualitário à informação, ao conhecimento e a segurança alimentar, preservação dos recursos naturais pelo manejo sustentável e responsabilidade com as gerações, presente e futuro, construindo uma nova forma de inclusão social com a participação de todos.

O termo economia solidária refere-se, assim, a práticas vinculadas a diversos empreendimentos, com o propósito de criar novas experiências ou recriá-las a partir de experiências alternativas de enfrentamento das crises na esfera do trabalho, através da organização coletiva dos trabalhadores e de sua inserção no mercado.

Há ainda diversos outros conceitos sobre Economia Solidária, mas entre eles observa-se em comum: o homem como centro e fim da ação económica e não mais o capital; autogestão e participação solidária nos empreendimentos; e, preocupação com a sustentabilidade em todo o processo de produção, que vai da obtenção da matéria-prima até os resíduos pós-consumo.

A economia solidária mobiliza então mais que um capital social, pois pelos objetivos a que se presta mobiliza um capital cívico (Evers, 2001 apud Laville, 2009) e trouxe ao debate público as noções de “utilidade social” e “interesse coletivo” (Laville, 2009).

Pode-se dizer ainda que a economia solidária ultrapassa a economia social ao atuar nas dimensões políticas e económicas, através da integração entre a esfera económica e a esfera dos movimentos sociais, uma vez que “suas ações concretas e suas

bandeiras atuais reclamam o caráter universal irrevogável dos direitos cidadãos e a necessidade de um novo sistema de regulação da economia” (Gaiger, 2009: 88).

Estivill (2009: 103) contribui com o debate sobre a diferenciação entre economia solidária e economia social:

La economía solidaria sería una hibridación de esta diversidad de economías que revitalizaría la democracia por cuanto supone nuevas formas de participación y de proyección política. De esta forma, la economía solidaria se distinguiría de la noción del tercer sector, más marcada por la acción privada de corte filantrópico y de la economía social que habría abandonado su dimensión política en el proceso de sucesivas diferenciaciones de sus diversas familias (cooperativas, mutualidades, asociaciones, …) y por la institucionalización y su acomodación con el estado y el mercado.

Assim, ressalta-se mais uma vez o caráter político da economia solidária em comparação à economia social.