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2 REVISÃO DE LITERATURA

2.3 Economia Solidária

2.3.3 Horizontes da Economia Solidária

A prática da Economia Solidária permite não só a geração de emprego e renda, como proporciona mudanças no nível de relação social e cultural no espaço de trabalho. O exercício da cooperação e da solidariedade permite então, aos participantes, “mudanças na visão de mundo, valores, paradigmas, atitudes, comportamentos, modos de relação, aspirações, paixões e desejos” (Bertulucci; Silva, 2003: 5).

Para Singer (2000: 124), o objetivo da economia solidária deve ser “a criação de novas formas de organização de produção com lógica incluidora, ou seja, capacitada e interessada em acolher sem limites novos cooperados, e que ofereça a estes uma chance real de trabalhar com autonomia e de ganhar um rendimento sufuciente para ter um padrão de vida digno”.

Segundo ele, é mesmo possível “criar um novo ser humano a partir de um meio social em que a cooperação e a solidariedade não apenas serão possíveis entre todos os seus membros, mas serão formas racionais de comportamento em função das regras de convívio” (Singer, 2002: 116).

Namorado (2009: 67) ressalta que os protagonistas da economia solidária, além “de designar uma realidade concreta do presente, portanto já existente, projetam- na também no futuro como ambição alternativa naturalmente integrada em qualquer horizonte que reflita uma mudança radical da sociedade, rumo a um pós-capitalismo emancipatório e solidário”.

Paul Singer (apud Namorado, 2009: 68) sustenta que:

A economia solidária é ou poderá ser mais do que mera resposta à incapacidade do capitalismo de integrar em sua economia todos os membros da sociedade desejosos e necessitados e trabalhar. Ela poderá ser o que em seus primórdios foi concebida para ser: uma alternativa superior ao capitalismo …. por proporcionar às pessoas que a adotam, enquanto produtoras, consumidoras, poupadoras, etc, uma vida melhor.

Aqui, ressalta-se o caráter dual da economia solidária. No Relatório Chaves/Monzon sobre A Economia Social na União Europeia (apud Namorado, 2009: 68) distingue-se as posições Europeias “que consideram a economia solidária compatível com o mercado e com o Estado” de outra concepção radicada em alguns países latino-americanos que a consideram “como uma força de transformação social portadora de um projeto de sociedade alternativa à mundialização neoliberal, ou seja, um projeto global alternativo ao capitalismo”.

Essa visão heterogênea do novo que representa o atual movimento económico solidário reflete a diversidade histórica dos blocos de países e de sua posição no tecido económico atual, fortemente influenciada pelo pensamento neoliberal sintetizado no Consenso de Washington25.

Para os mais subdesenvolvidos, excluídos ou de 3º mundo, que padecem intensamente das agruras impostas pelo pensamento neoliberal como o aumento das diferenças sociais, do desemprego e da pobreza, a economia solidária caminha em par com os movimentos de luta social e traz a expectativa de grande mudança do status quo, visto mesmo como o pós-capitalismo.

Para as economias integradas, desenvolvidas ou de primeiro mundo, a economia solidária configura-se como alternativa para resolver os incômodos gaps pontuais de exclusão do sistema capitalista, permitindo que todo o conjunto social avance sem muita desigualdade.

Ademais, a própria natureza da economia solidária carreia os pilares do desenvolvimento sustentável, alternativa singular a reprodução continuada da própria espécie humana, quais sejam: (i) desenvolvimento económico, via desenvolvimento local baseado na manutenção e reprodução de pequenos empreendimentos; (ii)

25 Consenso de Washington é um conjunto de medidas - que se compõe de dez regras básicas - formulado

em Novembro de 1989 por economistas de instituições financeiras baseadas em Washington D.C., como o Fundo Monetário Internacional - FMI, o Banco Mundial e o Departamento do Tesouro dos Estados Unidos, fundamentadas num texto do economista John Williamson do International Institute for

Economy, e que se tornou a política oficial do FMI em 1990, quando passou a ser "receitado" para

promover o "ajustamento macroeconómico" dos países em desenvolvimento que passavam por dificuldades. São elas: disciplina fiscal, redução dos gastos públicos, reforma tributária, juros de mercado, câmbio de mercado, abertura comercial, investimento estrangeiro direto, com eliminação de restrições, privatização das estatais, desregulamentação (afrouxamento das leis económicas e trabalhistas) e direito à propriedade intelectual (Rodrik, 2006).

desenvolvimentos social, via humanização das relações de trabalho e solidariedade nas relações sociais; e (iii) proteção ambiental, via valorização da vida e da ecologia, contrapondo a lógica de valorização do lucro que se sobrepõe, sem medida, a todas as outras.

Sem um desenvolvimento sustentável, chegaremos ao que Namorado (2009: 77) chama de “bloqueamento”, ou “sociedades sem futuro”:

Sociedades sem futuro, por inibição de tornarem evidente o futuro que elas próprias receiam, na constância do sistema capitalista. De fato, é hoje uma evidência crescente que a desumanização economicista da sociedade põe em causa a habitabilidade do planeta e desse modo a própria sobrevivência da espécie. ... Não é realista esperar que essa situação seja superável sem transformações radicais, sem uma verdadeira mutação civilizacional …

Se o entendimento de “mutação civilizacional” implique em deixar para trás o capitalismo, assim como foram deixados para trás os modos de produção citados no Capítulo 2, há que se preparar um sucessor, que bem pode ser algo semelhante ao novo movimento de economia solidária.

Namorado (2009: 78) diz que a economia solidária “é um elemento importante nos processos de desenvolvimento local e está bem posicionada para se tornar num agente relevante de uma globalização pós-capitalista, emancipatória e solidária, que verdadeiramente se harmonize com uma ecologia humana26”.

26 O ramo científico da ecologia humana tem como objeto de estudo a relação do ser humano com o seu

Arruda (2005: 34) observa que “na economia solidária, o parâmetro do crescimento econômico ilimitado como razão de ser da atividade econômica cede lugar ao conceito complexo de riqueza como o conjunto de bens materiais e imateriais que servem de base para o desenvolvimento humano e social”.

Para ele, a ética do suficiente “está relacionada com a ética da corresponsabilidade e inspira uma racionalidade do crescimento limitado e equilibrado em relação aos ecossistemas finitos que formam o nosso meio ambiente” (Arruda, 2000: 92).