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1. Democracia nas relações de trabalho

1.3. Da propriedade da empresa à ideia participativa

1.3.2. Conceito de empresa

Atualmente, o conceito de empresa no Brasil pode ser extraído da definição legal de empresário, contida no artigo 966 do Código Civil131: “Considera-se empresário quem exerce profissionalmente atividade econômica organizada para a produção ou a circulação de bens ou de serviços”. Assim, empresário é o sujeito de direito que explora a empresa, considerada uma atividade132.

De acordo com a definição apresentada pelo Código Civil Brasileiro, empresa é atividade econômica organizada. É atividade, pois não se baseia em atos esporádicos, mas em condutas reiteradas praticadas pelo empresário. Tais atos empresariais devem ter finalidade econômica, ou seja, buscam lucro. Além disso, a atividade empresarial deve ser organizada, pois é tarefa do empregador harmonizar os fatores de produção na busca da maior eficiência possível e, consequentemente, maior lucro.

Percebe-se que a ideia de empresa albergada pelo Código Civil, entendida como um conjunto de fatores capitais e humanos, organizados pelo empresário em busca de lucro, apresenta natureza primordialmente econômica. Não há qualquer importância especial atribuída ao ser humano em comparação com os bens, sendo o trabalhador considerado apenas como mais um fator de produção133.

Amador Paes de Almeida134 define empresa como “a unidade econômica destinada à produção ou circulação de bens e serviços”, ou, de outro modo, como o “agrupamento de pessoas e bens destinado à exploração de uma atividade econômica organizada”. Importante observar o caráter duplo atribuído à empresa pelo autor referido.

130

Lei n. 10406, de 10 de janeiro de 2002. 131

O artigo 966 do Código Civil Brasileiro é uma reprodução do artigo 2082 do Codice Civile Italiano: “È imprenditore chi esercita professionalmente una attività economica organizzata al fine della produzione o dello scambio di beni o di servizi”.

132

A noção da empresa é analisada em VERDIER, Jean-Maurice. Droit du travail. 10. ed. Paris: Dalloz, 1996, pp. 61-65; XAVIER, Bernardo da Gama Lobo. Curso de direito do trabalho. 2.ed. atual. Lisboa: Verbo, 1993, pp. 200-209.

133

Com entendimento semelhante, cf. MARTINS, Fran. Curso de direito comercial: empresa comercial, empresários individuais, microempresas, sociedades comerciais, fundo de comércio. 30ª ed. rev., atual. e ampl. Rio de Janeiro: Forense, 2006, p. 27.

134

Manual das sociedades comerciais (direito de empresa). 17. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2008, p. 19.

Enquanto na primeira noção de empresa, a ênfase recai sobre o objetivo de produzir ou intermediar a circulação de bens ou serviços, na segunda noção, há referência primacial à composição da empresa, entendida como um conjunto formado por pessoas e bens. É evidente que, nas palavras ora reproduzidas, deve ser realçada a visão que valoriza o ser humano como centro da preocupação jurídica, como é o caso do sistema jurídico nacional, considerado o fato de a dignidade da pessoa humana ser fundamento da República (artigo 1º, III, da Constituição da República de 1988). Assim, no “agrupamento de bens e pessoas”, ainda que ambos sejam importantes para a consecução do objetivo empresarial, o indivíduo não pode ser instrumentalizado e estar no mesmo patamar dos bens ao se analisar a composição empresarial.

Importante observar, outrossim, que empresa e estabelecimento são conceitos inconfundíveis. Enquanto empresa é a atividade econômica exercida por alguém (isto é, o empresário), o estabelecimento é o conjunto de bens, materiais e imateriais, explorado pelo empresário no exercício da atividade empresarial (ou seja, a empresa)135. Portanto, estabelecimento é o objeto de direito utilizado pelo sujeito de direito (empresário) no exercício da empresa (atividade)136.

Como cediço, os fatores de produção classicamente considerados pela doutrina de direito empresarial são o capital, os insumos, a tecnologia e a mão de obra. Ocorre que, segundo tal concepção, o trabalho humano utilizado pelo empresário na busca por lucro é instrumentalizado ao lado dos demais fatores mencionados. Tal posição, porém, merece ser analisada conforme visão mais consentânea com a importância do trabalho para o pleno desenvolvimento da personalidade humana137.

A ideia de que o trabalho humano seja somente mais um fator de produção desconsidera o fato, defendido nesse estudo, de que os trabalhadores, juntamente com o empregador, formam uma comunidade humana que explora a atividade produtiva, cada qual a seu modo e com suas características. O trabalhador subordinado, sem assumir os riscos da atividade, é ordinariamente remunerado pelo seu trabalho com salário. O

135

O artigo 1142 do Código Civil Brasileiro determina: “Considera-se estabelecimento todo complexo de bens organizado, para exercício da empresa, por empresário, ou por sociedade empresária”.

136

Com entendimento similar, cf. ALMEIDA, Amador Paes de. Manual das sociedades comerciais (direito de empresa). 17. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2008, p. 19; DORIA, Dylson. Curso de direito comercial. São Paulo: Saraiva, 2000, pp. 126-127.

137

Quanto à importância do trabalho para o desenvolvimento da personalidade do trabalhador, cf. GAMONAL C., Sergio. Cidadania na empresa e eficácia diagonal dos direitos fundamentais. São Paulo: LTr, 2011, p. 14.

empresário, ao admitir os trabalhadores e assumir os riscos da atividade, obtém seu ganho em caso de eventual lucro.

Note-se que essa visão que humaniza e não reifica o trabalho está de acordo com o posicionamento internacionalmente aceito na atualidade, e preconizado pela Organização Internacional do Trabalho (O.I.T.), de que o trabalho humano não pode ser caracterizado como mercadoria. Logo, a atividade humana em favor de outrem guarda em si um valor específico, dado que tal prática está intimamente relacionada com a personalidade do ser humano que a realizou. Tornar o trabalho um mero fator de produção, ou seja, um objeto a ser utilizado pelo empresário na busca do lucro desrespeita o princípio da dignidade da pessoa humana, tendo em vista a profundidade do vínculo existente entre o trabalhador e o produto de seu esforço.

Para concluir a análise do conceito legal de empresa, note-se que a atividade é voltada à produção ou circulação de bens ou serviços. Destarte, na conceituação em estudo, os atos praticados pelo empresário no exercício da empresa podem vincular-se à fabricação ou à simples intermediação de bens ou atividades em favor do mercado consumidor com o fito lucrativo.

1.3.3. Legitimidade do poder no âmbito empresarial