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2. Representação e participação dos trabalhadores na gestão da empresa

2.4. Experiência estrangeira

2.4.2. Portugal

2.4.2.4. Conselho de empresa europeu

O conselho de empresa europeu foi regulamentado em Portugal pela Lei n. 96/2009, em atendimento ao disposto na Diretiva n. 2009/38/CE. Busca-se, dessa maneira, harmonizar o tratamento conferido aos trabalhadores que prestem serviços às empresas de dimensão comunitária no que tange ao procedimento de informação e consulta no âmbito produtivo.

O artigo 2º da Lei n. 96/2009 conceitua os aspectos centrais de seu conteúdo. Determina, assim, que a informação consiste na transmissão de dados por parte da administração empresarial ao representante dos trabalhadores a fim de que os obreiros tenham conhecimento necessário sobre algum aspecto que impacte o cotidiano produtivo. A consulta, por sua vez, é procedimento em que há intercâmbio opiniões entre a administração da empresa e o representante dos trabalhadores, de modo a aprimorar

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Com a mesma visão sobre o controle de gestão, cf. MARTINEZ, Pedro Romano. Direito do trabalho. 5. ed. Coimbra: Almedina, 2010, p, 1132.

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eventual decisão a ser tomada, considerados os interesses, dentro das possibilidades, de empregador e empregados que exerçam aquela atividade empresarial. Note-se, por fim, que o mencionado dispositivo considera ser uma empresa de dimensão comunitária aquela que “emprega, pelo menos, 1000 trabalhadores nos Estados membros e 150 trabalhadores em cada um de dois Estados membros”.

Para que haja a instituição do conselho de empresa europeu ou procedimento de informação e consulta, a iniciativa da negociação pode decorrer da manifestação volitiva da empresa de dimensão comunitária ou da vontade dos trabalhadores, materializada em documento com assinatura de, no mínimo, cem trabalhadores vinculados a dois estabelecimentos ou duas empresas do grupo de empresas de dimensão comunitária, desde que situados em Estados membros diversos, ou dos respectivos representantes laborais332.

Tendo em vista a viabilização do diálogo para que seja criado o mencionado conselho ou o procedimento de informação e consulta, o legislador lusitano, em atendimento ao item 26 da Diretiva 2009/38/CE, determinou a criação de um grupo especial de negociação, integrado por membros que representem, proporcionalmente, os trabalhadores da empresa em questão em cada Estado membro. Tal composição, aliás, deve ser ajustada sempre que houver alteração estrutural da empresa ou mudança relevante no número de trabalhadores. Cada fração de 10% (ou parte desse número) de trabalhadores empregados em determinado Estado-membro corresponde a um lugar no mencionado grupo de negociação333.

Quanto à negociação do acordo sobre a informação e consulta, percebe-se o prestígio dos princípios da transparência e da boa-fé. Privilegia-se a transparência à medida que se aceita, salvo disposição em contrário, a presença, sem direito a voto, de representantes de trabalhadores em empresas ou estabelecimentos localizados em Estados não membros, permitindo-lhes a observação da conversa em busca de acordo. A boa-fé, por sua vez, é expressamente mencionada na Lei n. 96/2009, sendo preconizado que ambas as partes conduzam-se de acordo com o mencionado princípio no diálogo entre eles instaurado334.

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Artigo 5º, número 1, da Lei n. 96/2009. 333

Artigo 6º, números 1 e 3, da Lei n. 96/2009. 334

Os princípios da transparência e da boa-fé podem ser depreendidos, respectivamente, da análise dos números 3 e 5 do artigo 7º da Lei n. 96/2009. Há outra referência específica à boa-fé das partes também no artigo 19 do mesmo diploma legal.

Uma vez obtido o consenso quanto à criação do conselho de empresa europeu, devem ser especificados, por escrito, os direitos de informação e consulta, com o respectivo procedimento para seu exercício; as formalidades quanto às reuniões do conselho (local, duração, periodicidade); e os recursos materiais que devem ser disponibilizados pela administração empresarial ao conselho335. Deve-se ressaltar, sobretudo, o último aspecto mencionado, atinente à responsabilidade atribuída à administração quanto aos custos do conselho de empresa europeu336. Tal fato denota que o conselho, embora albergue interesses dos trabalhadores que, em certa medida, são opostos ao do empregador (dado que aqueles buscam o melhor salário possível e este almeja o maior lucro possível), representa um órgão incluído na estrutura empresarial e não algo estranho a ela. Sendo o conselho órgão necessário para o desenvolvimento salutar da relação entre empregador e trabalhadores, entendidos como integrantes da comunidade que exerce a atividade empresarial, o custo é incorporado à estrutura empresarial, constituindo infração grave eventual desrespeito ao mencionado custeio337.

Há previsão, na lei em comento, quanto à instituição obrigatória do conselho de empresa europeu. Assim, embora o encontro de vontades seja aspecto que caracterize o procedimento voltado à criação do conselho e execução dos procedimentos de informação e consulta, admite-se que o órgão em estudo seja instituído sempre que a administração recusar-se a negociar no prazo de seis meses ou não houver conclusão positiva ao fim de três anos após a manifestação de vontade de negociação por parte dos trabalhadores ou respectivos representantes338. Quatro anos após sua criação obrigatória, o conselho pode solicitar à administração a implementação consensual de um conselho de empresa europeu ou procedimento de informação e consulta339, situação que, evidentemente, amplia a legitimidade de origem do mencionado órgão.

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Artigo 9º, número 1, da Lei n. 96/2009. O artigo 22, número 1, do diploma legal sob análise, especifica os custos que devem ser suportados pela entidade empresarial: “1 — A administração deve: a) Pagar as despesas do grupo especial de negociação relativas à negociação, de modo que possa exercer adequadamente as suas funções; b) Dotar o conselho de empresa europeu dos recursos financeiros necessários ao seu funcionamento, incluindo o do conselho restrito; c) Pagar as despesas de, pelo menos, um perito do grupo especial de negociação ou do conselho de empresa europeu; d) Assegurar aos membros do grupo especial de negociação e do conselho de empresa europeu a formação que se revele necessária para o exercício dessas funções, sem perda de retribuição”.

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O custeio, pela empresa, das atividades do conselho de empresa europeu, está previsto no artigo 22, número 1, da Lei n. 96/2009.

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Artigo 9º, número 5, da Lei n. 96/2009. 338

Artigo 12 da Lei n. 96/2009. 339

Quanto à proposta para criação de conselho consensual, em substituição ao órgão instituído de forma obrigatória, veja o disposto no artigo 18, número 1, da Lei n. 96/2009.

Atente-se ao fato de que a estipulação de um prazo para que o diálogo seja iniciado ou tenha um desfecho é extremamente positivo do ponto de vista teleológico. A negociação para a criação do conselho não é, evidentemente, um fim em si mesmo, mas o meio utilizado para implementar um instrumento de entendimento entre os atores do âmbito produtivo. Assim, ao determinar um prazo mínimo para o início da conversação e um limite temporal para o intercâmbio de pontos de vista para a criação do conselho, o legislador atribui maior efetividade à legislação, protegendo-a dos efeitos de possível negligência ou má-fé de algum dos interlocutores.

No que toca ao funcionamento do conselho de empresa europeu, membros deste órgão devem criar um regulamento interno e implementar um conselho restrito, composto por, no máximo, cinco membros340. São importantes tais medidas, pois a elaboração do regulamento pelo próprio conselho, e não pela entidade empresarial, demonstra a autonomia que a ele foi conferida pelo legislador. Ademais, a criação do conselho restrito, com reduzido número de membros, é relevante para a celeridade no processo de troca de informação e consulta entre empregador e representantes dos trabalhadores, dinamizando a relação entre as partes e excluindo a possibilidade de número excessivo de elementos no conselho, fato que poderia conduzir à burocratização do aludido órgão, prejudicando o andamento das negociações e, em última análise, o desenvolvimento da atividade empresarial.

As informações que devem ser repassadas pela administração ao conselho de empresa europeu referem-se às questões transnacionais que, de algum modo, possam afetar o interesse obreiro341. Para que a reunião solicitada pelo conselho à administração empresarial não seja estéril em virtude da insuficiência de informações quanto à condição da empresa, a legislação obriga o órgão que administra a atividade produtiva a enviar um relatório detalhado e documentado quanto a eventuais medidas que possam causar grande

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Quanto à criação do conselho restrito e do regulamento interno, conferir, respectivamente, os números 1 e 2 do artigo14 da Lei n. 96/2009.

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No que alude aos assuntos referentes ao procedimento de informação e consulta, atente-se ao disposto nos números 1 e 2 do artigo 15 da Lei n. 96/2009: “1 — O conselho de empresa europeu tem o direito de ser informado e consultado pela administração ou outro nível de representação adequado, num prazo razoável, sobre questões transnacionais, nomeadamente a situação e a evolução provável do emprego, os investimentos, as alterações de fundo relativas à organização, a introdução de novos métodos de trabalho e novos processos de produção, as transferências de produção, as fusões, a redução da dimensão ou o encerramento de empresas, de estabelecimentos ou de partes importantes de estabelecimentos e os despedimentos colectivos. 2 — O conselho de empresa europeu tem ainda o direito de ser informado, nomeadamente, sobre a estrutura, a situação económica e financeira, a evolução provável das actividades, a produção e as vendas da empresa ou do grupo de empresas de dimensão comunitária”.

impacto na vida dos trabalhadores, como a transferência do estabelecimento, a dispensa coletiva e o fechamento de estabelecimento ou empresa342.

A democratização das informações é ressaltada, aliás, pelo artigo 16 da Lei n. 96/2009, que institui a obrigação à administração empresarial de enviar relatório anual detalhado quanto à evolução das atividades da empresa ou do grupo de empresas. Referida conduta reflete a concepção, materializada na Diretiva 2009/38/CE, de que o trabalhador não é meramente um fator de produção. A simples informação atinente à situação empresarial demonstra a visão relativa ao empregado como um agente que conjuga esforços com o empregador para o sucesso do empreendimento. O trabalhador, destarte, não é instrumentalizado no âmbito produtivo, mas sujeito ativo no desenvolvimento da atividade empresarial.

No período de um mês após o recebimento do relatório anual, o conselho de empresa europeu, se não optar por prazo mais curto, tem o direito de reunir-se com a administração empresarial343. É relevante para a dinâmica produtiva que o encontro ocorra o mais rápido possível, justamente para que os agentes que protagonizam a atividade empresarial possam discutir os pontos que lhe interessem e resolvam eventuais dissensões, contribuindo, assim, para o escopo principal de tal órgão: o atendimento, dentro das possibilidades, dos interesses de empregador e empregados, de modo a criar um ambiente razoavelmente pacífico para o desenvolvimento da atividade produtiva.

Aspecto fundamental quanto à conduta dos integrantes do conselho de empresa europeu refere-se ao dever de confidencialidade quanto às informações recebidas da administração da empresa. Estão vinculados a tal dever os elementos que compõem o grupo especial de negociação, os representantes dos trabalhadores envolvidos no procedimento de informação e consulta, os especialistas que auxiliem o processo de diálogo entre as partes e os representantes de trabalhadores de empresa ou estabelecimento de Estado não membro que assistam à negociação. A confidencialidade deve ser justificada sem, evidentemente, colocar em risco a informação que se busca resguardar, podendo tal decisão da administração ser impugnada pelo conselho de empresa europeu de acordo com o procedimento previsto no Código de Processo do Trabalho344. Há intrínseca relação entre a previsão legal que determina a confidencialidade relativa a algumas informações e o

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Artigo 15, números 3 e 5, da Lei n. 96/2009. 343

Artigo 17, número 1, da Lei n. 96/2009. 344

princípio da boa-fé que deve existir entre os interlocutores no âmbito produtivo. É importante notar, outrossim, que tal prerrogativa concedida à administração empresarial deve ser utilizada com parcimônia, sob pena de retirar a eficácia pretendida pela legislação, que vislumbra a existência de parceiros sociais nas figuras do empregador, representado pela administração, e do empregado, representado pelo conselho de empresa europeu.

Outra preocupação do legislador, que ocorre com frequência nas legislações europeias quanto às representações de trabalhadores e repete-se no que toca ao conselho de empresa europeu, alude ao fornecimento, pela entidade empresarial, de instalações adequadas para o exercício da função representativa, bem como a viabilização de locais para afixação de informação para os trabalhadores, além dos já mencionados meios materiais e técnicos345. A existência de um local adequado para o exercício da representação do interesse obreiro e a disseminação das informações do modo mais eficaz possível entre os empregados são medidas relevantes para a concretização da possibilidade de que as demandas dos trabalhadores sejam expressas de modo mais preciso, devido aos dados obtidos e à facilitação do contato entre representantes e representados.

O mandato dos membros do conselho europeu é de quatro anos, salvo estipulação em contrário346. A limitação temporal mencionada parece-nos salutar, uma vez que permite a análise da representatividade de tal agente, ou seja, do grau de vinculação entre o comportamento daquele que compõe o mencionado órgão e os interesses da base obreira representada. É medida que aprofunda o caráter democrático do conselho e busca dificultar a criação de uma oligarquia no órgão de representação.

Atente-se, por fim, à tutela conferida aos integrantes de conselho de empresa europeu, conforme previsão do artigo 28 da Lei n. 96/2009. São estendidas a eles as medidas de proteção reconhecidas aos elementos que participem das estruturas que representam coletivamente os trabalhadores, como já oportunamente exposto. Deve-se observar, porém, quanto ao direito a crédito de horas vinculadas ao exercício das funções, que o limite é alterado para vinte cinco horas mensais, devendo tal período ser considerado como serviço efetivo, com o consequente pagamento de remuneração. Não é possível, entretanto, cumular tal crédito de horas com crédito correspondente à outra estrutura de representação de interesses dos trabalhadores. Ademais, é creditado o tempo utilizado pelo representante para participar de encontros com a administração empresarial ou em reuniões

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Artigo 22, número 7, da Lei n. 96/2009. 346

preparatórias, incluído o período utilizado no deslocamento para tais compromissos. Essas medidas que tutelam o representante têm fundamental importância no sistema representativo, pois resguardam o obreiro de eventuais represálias e incentivam-no a desempenhar a respectiva função do melhor modo possível, o que redunda em defesa mais consistente dos interesses dos trabalhadores e, por conseguinte, em maior probabilidade de pacificação das relações produtivas.