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2. Representação e participação dos trabalhadores na gestão da empresa

2.4. Experiência estrangeira

2.4.5. Alemanha

2.4.5.1. Considerações gerais

O sistema de relações trabalhistas da Alemanha é o que apresenta maior grau de diferenciação quando comparado com os demais sistemas de participação dos trabalhadores na gestão da empresa na Europa ocidental estudados nessa tese. Devido a aspectos históricos e, especialmente, culturais da sociedade alemã, a participação obreira na gestão empresarial alcançou, em território germânico, aprofundamento raro. A democracia nos campos político e produtivo guarda forte vínculo com a concepção alemã de sociedade435.

Há que se considerar, contudo, algumas transformações que o mencionado sistema de cogestão vem sofrendo nos últimos tempos, especialmente após a intensificação das relações comunitárias no âmbito europeu, situação que tem criado alguns questionamentos quanto à manutenção do tradicional sistema participativo nas relações de trabalho da Alemanha.

Como será visto, o sistema paritário, consagrado em 1951, representa a cogestão de forma pura, havendo a consideração das visões do trabalhador e do empregador em patamar de igualdade. A lei de 1976, por sua vez, alude a um sistema de cogestão um pouco mais brando, não havendo total igualdade entre as opiniões dos obreiros e do empregador. O sistema da participação de um terço reforça a desigualdade

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Artigo 10.3 da LOLS. 435

Com pensamento semelhante, cf. SEGLEAU, Fabián Arrieta. El modelo de cogestión alemán. Una alternativa para regular las relaciones laborales. Disponível em: <http://sitios.poder- judicial.go.cr/salasegunda/revistasalasegunda/revista7/pdf/arti_01_08.pdf>. Acesso em 23/11/2013, p. 1; RUIZ-TAGLE, Jaime P. La cogestión de los trabajadores en Alemania Federal: pasado y futuro. Disponível em: < .nuso.org/upload/articulos/109 1.pdf >. Acesso em 23/11/2013, p. 1.

existente entre as vontades dos atores do campo produtivo, realçando a debilidade impositiva dos trabalhadores no que tange às decisões empresariais436.

Preliminarmente, é relevante saber que o sistema produtivo germânico baseia- se em dois órgãos: o comitê de empresa, vinculado à definição de condições de trabalho na empresa, e o conselho de vigilância, voltado propriamente à direção da atividade empresarial. A cogestão de tipo mais puro manifesta-se, sobretudo, neste último órgão, dada a possibilidade de influenciar no destino atividade econômica desenvolvida pelos trabalhadores e pelo empregador.

Nota-se que, devido ao número mínimo necessário de trabalhadores para que seja adotado, o sistema de cogestão, conforme estipulado em leis antigas, não se coaduna com a realidade atual das empresas, caracterizadas pela intensificação da produtividade a partir da mecanização e utilização de menor quantidade de trabalhadores437. Tal situação faz com que diversas empresas não sejam obrigadas a adotar o clássico sistema de cogestão germânica, optando por formas mais brandas de representação dos interesses obreiros em âmbito laboral438.

Assim como em outros sistemas jurídicos, percebe-se que a função exercida pelo sindicato não se confunde com o papel cumprido pelo conselho de empresa. Enquanto a entidade sindical assume postura mais reivindicativa, o órgão de representação interna dos trabalhadores na empresa baseiam-se sua atuação em uma visão cooperativa, buscando harmonizar a relação entre capital e trabalho439.

A relação entre o sindicato e o conselho de empresa é, aliás, bastante forte, sendo pacificamente reconhecida a ingerência que os entes sindicais têm sobre os órgãos de

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Para mais informações sobre o sistema germânico de participação dos trabalhadores na gestão da empresa, cf. CARVALHO, Catarina de Oliveira. Da dimensão da empresa no direito do trabalho – consequências práticas da dimensão da empresa na configuração das relações laborais individuais e coletivas. Coimbra: Coimbra Editora, 2011, pp. 549-553.

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Sobre a propalada crise no sistema de cogestão da Alemanha, cf. OLIVEIRA, Graziela de. Relações industriais e democracia empresarial: teoria e prática. São Paulo: LTr, 1998, pp. 58-62.

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Quanto à relação entre número de trabalhadores e intensificação da cogestão, cf. GREIFENSTEIN, Ralph. Perspectivas de la cogestión empresarial em Alemania – Paralización injustificada de la obra política? Trad. Friedrich Welsch. Bonn: Fundación Friedrich Ebert, 2011. Disponível em <library.fes.de/pdf-files/bueros/ caracas/08727.pdf>. Acesso em 23/11/2013, p. 9.

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Corroborando a assertiva referente ao caráter cooperativo dos órgãos de representação dos trabalhadores no interior da empresa, cf. DÄUBLER, Wolfgang. Direito do trabalho e sociedade na Alemanha. Trad. Alfred Keller. São Paulo: LTr, 1997, p. 53. Quanto ao espírito cooperativo que deve existir entre empregador e conselho de empresa, atente-se à determinação do artigo 2º, número 1, da Lei Constitucional de Empresa: “The employer and the works council shall work together in a spirit of mutual trust having regard to the applicable collective agreements and in co-operation with the trade unions and employers’ associations represented in the establishment for the good of the employees and of the establishment”.

representação dos trabalhadores no interior da empresa. Há certa visão de que os aludidos entes são uma extensão dos sindicatos no interior da empresa440. A relação entre tais entidades pode ser depreendida pela possibilidade conferida ao representante do sindicato de participar de reunião, requerer a convocação de reunião ou mesmo requerer a retirada de membro da representação dos trabalhadores no âmbito interno da empresa441.

Nas entidades empresariais em que a presença sindical é menor, os órgãos de representação de trabalhadores tendem a não existir, realidade particularmente marcante nas empresas de pequeno e médio porte. Seja por ignorância quanto ao impacto positivo que tais entidades produzem no âmbito empresarial ou temor quanto à reação do empregador caso demonstrem interesse na constituição do conselho, o fato é que há nítida ligação entre a presença do sindicato e a efetivação do direito de representação obreira no interior do campo produtivo442.

Importante salientar, por fim, que a Alemanha é caracterizada por um sistema de liberdade sindical e, consequentemente, a adesão dos trabalhadores aos entes sindicais é voluntária. Ademais, observe-se que não há no sindicalismo germânico o problema da representatividade, típico de ambientes em que há a pluralidade de sindicatos, pois houve, historicamente, um agrupamento espontâneo dos trabalhadores em torno de uma só entidade, caracterizando a unidade sindical. Tais entes têm por objetivo a negociação de acordos coletivos443, instrumento de suma importância para regulamentação das condições de trabalho no país sob análise444.

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Sobre a relação entre o sindicato e o conselho de empresa, cf. WEISS, Manfred. La cogestione in Germania: una recente modifica. Milano: Diritto delle relazioni industriali, a. 12, n. 4, 2002, p. 643; SEGLEAU, Fabián Arrieta. El modelo de cogestión alemán. Una alternativa para regular las relaciones laborales. Disponível em: <http://sitios.poderjudicial.go.cr/salasegunda/revistasalasegunda/revista7/ pdf/arti_01_08.pdf>. Acesso em 23/11/2013, pp. 9-10. Wolfgang DÄUBLER, em Direito do trabalho e sociedade na Alemanha. Trad. Alfred Keller. São Paulo: LTr, 1997, p. 94, sustenta que cerca de 80% dos representantes dos trabalhadores no interior da empresa são sindicalizados.

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Quanto aos assuntos em que há influência do representante sindical, conforme mencionado, conferir, respectivamente, os artigos 31; 43, número 4; 48 e 56, da Lei Constitucional da Empresa. Quanto à mencionada influência, cf. DÄUBLER, op. cit., p. 57.

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No que atine à ausência de representação dos trabalhadores em empresas de menor porte e a ligação de tal fato com a ausência do sindicato, cf. WEISS, op. cit., pp. 644-645.

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Sobre a importância dos sindicatos e a assinatura de acordos coletivos na Alemanha, cf. HUECK, Alfred; NIPPERDEY, Hans Carl. Compendio de derecho del trabajo. Trad. Miguel Rodriguez Piñero e Luis Enrique de la Villa. Madrid: Revista de Derecho Privado, 1963, pp. 481-493; DÄUBLER, op. cit., pp. 55-56.

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Quanto à importância da autonomia coletiva no sistema trabalhista germânico, cf. HUECK, Alfred; NIPPERDEY, Hans Carl, op. cit., p. 250.

2.4.5.2. Aspectos históricos

A primeira norma editada em território alemão que buscou instrumentalizar a representação dos trabalhadores é a Lei de Proteção ao Trabalho, de 1891, determinando a criação, de forma facultativa, de órgão dos trabalhadores apto a fiscalizar o cumprimento do regulamento interno empresarial. Há referência histórica, outrossim, ao Ato Adicional à Lei de Minas Prussianas, de 1905, atinente a certo grau de controle dos trabalhadores quanto à forma e condições de trabalho. Em 1916, durante a Primeira Guerra Mundial, foi editada a Lei sobre o Serviço Patriótico de Amparo, prevendo a criação de sistema de representação interna dos trabalhadores, tendo por finalidade a verificação do adequado desenvolvimento das relações trabalhistas445.

Pouco antes do final do aludido conflito, houve uma revolta naval na Alemanha, no bojo da qual foram constituídos muitos conselhos de soldados e operários, fato que refletia o anseio popular por maior democratização do poder e representava a proximidade do fim do império liderado pelo Kaiser Guilherme II446.

Após o término da Primeira Guerra, ainda sob os efeitos da devastação produzida em seu território, a Alemanha editou a Constituição de Weimar, em 1919, cujo artigo 165447 enfatizava o direito de participação dos trabalhadores na gestão da empresa, colaborando com o empregador no desenvolvimento da atividade produtiva. Note-se que, em nenhum momento, há a tentativa de negar o natural conflito de interesses entre

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No que tange ao desenvolvimento histórico do sistema representativo alemão, cf. CATALA, Nicole. L´entreprise. Traité du droit du travail publié sous la direction de G. H. Camerlynck. Paris: Dalloz, 1980, pp. 1035-1041; HUECK, Alfred; NIPPERDEY, Hans Carl. Compendio de derecho del trabajo. Trad. Miguel Rodriguez Piñero e Luis Enrique de la Villa. Madrid: Revista de Derecho Privado, 1963, pp. 438-442; GOTTSCHALK, Elson. A participação do empregado na gestão da empresa. Ed. fac-similada. São Paulo: LTr, 1996, pp. 20-31; SILVA, Walküre Lopes Ribeiro da. Representação e participação dos trabalhadores na gestão da empresa. São Paulo: LTr, 1998, pp. 47-59; MINHARRO, Erotilde Ribeiro dos Santos. Gestão compartilhada nas relações de trabalho. São Paulo: tese de doutorado apresentada à Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, 2006, pp. 15-24; RUIZ-TAGLE, Jaime P. La cogestión de los trabajadores en Alemania Federal: pasado y futuro. Disponível em: .nuso.org/upload/articulos/109 1.pdf >. Acesso em 23/11/2013, pp. 1-5.

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No que atine à rebelião naval alemã, cf. COMPARATO, Fábio Konder. A afirmação histórica dos direitos humanos. 4. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2005, pp. 186-188.

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Os dois primeiros parágrafos do aludido dispositivo determinam, de acordo com a transcrição em COMPARATO, op. cit., p. 195:

“Os operários e empregados são chamados a colaborar, em igualdade de direitos com os empresários, na regulação das condições de salário e trabalho, assim como na evolução econômica geral das forças produtivas. São reconhecidas as organizações de ambas as categorias e bem assim as convenções que celebrarem entre si.

Para salvaguarda de seus interesses sociais e econômicos, os operários e empregados mantêm representantes legais nos conselhos de empresa, bem como, de acordo com os setores econômicos, em Conselhos Distritais de Trabalhadores e num Conselho Nacional de Trabalhadores”.

empregador e empregado448, tendo os representantes obreiros assentos nos conselhos de empresa, com a possibilidade de agir autonomamente. É, portanto, concepção bastante diversa da visão fascista, que tentou se apropriar da ideia de integração dos agentes produtivos na comunidade de trabalho, atribuindo a tal realidade, porém, uma homogeneidade artificial de interesses que nunca foi preconizada no documento de Weimar.

A Lei dos Conselhos de Empresa, de 1920, representa a materialização do sistema de conselhos previsto na Constituição, conforme apontado. Buscou-se, assim, criar um sistema cooperativo no âmbito laboral condizente com a democracia que se buscava implantar no âmbito político. Não se concebia a possibilidade de um ambiente politicamente democratizado existindo concomitantemente a um sistema produtivo sem possibilidade de participação obreira.

A tentativa de democratização ocorrida em território alemão, como cediço, foi interrompida no início da década de 1930, com a ascensão ao poder do Partido Nacional Socialista, que, no campo trabalhista, dissolveu sindicatos e buscou implantar um sistema corporativista. A Lei sobre Regulamentação do Trabalho Nacional, aprovada em 1934, demonstra a visão que o nazismo procurava impor às relações de trabalho na Alemanha, com a negação da oposição de interesses entre empregador e trabalhadores, tendo em vista a supremacia do interesse nacional449.

A situação apenas retornou à normalidade institucional com a redemocratização do país após o fim do regime nazista no ocaso da Segunda Guerra Mundial. A Lei sobre Regulamentação do Trabalho Nacional foi substituída pela Lei do Conselho de Controle, de 1946, que preconizava a criação, na empresa, de um conselho de supervisão, formado por cinco membros designados pelos acionistas, cinco indivíduos que representavam os interesses dos trabalhadores e um elemento independente, que presidia o órgão. Ainda que

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Quanto ao antagonismo de interesses no sistema trabalhista alemão, cf. HUECK, Alfred; NIPPERDEY, Hans Carl. Compendio de derecho del trabajo. Trad. Miguel Rodriguez Piñero e Luis Enrique de la Villa. Madrid: Revista de Derecho Privado, 1963, p. 357; DÄUBLER, Wolfgang. Direito do trabalho e sociedade na Alemanha. Trad. Alfred Keller. São Paulo: LTr, 1997, pp. 69-70. O mencionado autor utiliza, na mesma obra (p. 160), a expressão “cooperação antagonista” para caracterizar a relação entre empregador e trabalhadores.

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Cf. GOTTSCHALK, Elson. A participação do empregado na gestão da empresa. Ed. fac-similada. São Paulo: LTr, 1996, pp. 27-28; SILVA, Walküre Lopes Ribeiro da. Representação e participação dos trabalhadores na gestão da empresa. São Paulo: LTr, 1998, p. 53.

tal formato de relações trabalhistas não tenha sido adotado de forma generalizada, deitou raízes, ao menos, no setor de carvão e aço, como será visto adiante450.