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2. Representação e participação dos trabalhadores na gestão da empresa

2.4. Experiência estrangeira

2.4.5. Alemanha

2.4.5.6. Considerações sobre os órgãos representativos dos

O órgão elementar de representação interna dos trabalhadores na empresa alemã é o conselho de empresa462, que deve ser instituído em toda entidade empresarial que tenha, ao menos, cinco empregados, dos quais três sejam elegíveis463. Note-se que, embora o órgão seja conhecido como relativo à empresa, mais adequado seria se fosse chamado de conselho de estabelecimento, pois refere-se à unidade técnica produtiva (objeto de direito) e não à unidade econômica (sujeito de direito). Será feita referência no curso deste trabalho, entretanto, ao conselho de empresa, devido à consagração de tal expressão, com o fito de evitar confusão terminológica. A representação dos trabalhadores na empresa é tema tratado na Lei Constitucional de Empresa464.

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Os dados referentes à lei de 2004 estão presentes em GREIFENSTEIN, Ralph. Perspectivas de la cogestión empresarial en Alemania – Paralización injustificada de la obra política? Trad. Friedrich Welsch. Bonn: Fundación Friedrich Ebert, 2011. Disponível em <library.fes.de/pdf-files/bueros/caracas/08727.pdf >. Acesso em 23/11/2013, p. 17.

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Quanto à análise estrutural da representação dos trabalhadores na Alemanha, cf. SILVA, Walküre Lopes Ribeiro da. Representação e participação dos trabalhadores na gestão da empresa. São Paulo: LTr, 1998, pp. 60-77.

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Artigo 1º, número 1, da Lei Constitucional de Empresa. 464

A Lei Constitucional de Empresa foi modificada diversas vezes desde sua edição. Quanto à importante alteração ocorrida em 23 de julho de 2001, que, entre outras coisas, aboliu a distinção até então existente entre empregados e operários na estrutura representativa, cf. WEISS, Manfred. La cogestione in Germania: una recente modifica. Milano: Diritto delle relazioni industriali, a. 12, n. 4, 2002, pp. 643-654; ALZAGA RUIZ, Icíar. La reforma de la Ley Alemana de Comités de Empresa, pp. 65-85, in MINISTERIO DE TRABAJO Y ASUNTOS SOCIALES. Modelos de participación de los trabajadores en la empresa. Madrid: Revista del Ministerio de Trabajo y Asuntos Sociales, n. 43. Disponível em: <http://www.empleo.gob.es/es/publica/ pub_electronicas/destacadas/ revista/numeros/43/Revista43.pdf>. Acesso em 23/11/2013.

Havendo uma pluralidade de conselhos em uma mesma empresa, é possível instituir um conselho central de empresa, apto a organizar os interesses dos trabalhadores de diversos estabelecimentos. Em caso de consórcio de empresas, é possível a criação de um conselho de consórcio de empresas, unificando a voz representativa dos interesses obreiros naquele contexto empresarial465.

Entre os trabalhadores, podem votar aqueles que tenham completado dezoito anos, sendo elegíveis, porém, apenas os trabalhadores que, além de serem aptos a votar, tenham cumprido seis meses de trabalho na empresa466. É salutar, a nosso ver, a implementação de um prazo mínimo de trabalho do empregado na empresa como condição de elegibilidade. Tal situação assegura que o obreiro tenha um mínimo de conhecimento quanto à realidade produtiva em que está inserido.

A composição do conselho de empresa guarda relação de proporcionalidade com a quantidade de trabalhadores do estabelecimento. Por exemplo, na situação mais simples, envolvendo corpo obreiro constituído por, no mínimo, cinco e, no máximo, vinte empregados, haverá apenas a eleição de uma pessoa. Em estabelecimentos compostos por número superior a vinte e limitado a cinquenta trabalhadores, permite-se a eleição de três membros para o conselho. Havendo entre 7001 e 9000 empregados, o conselho será composto por trinta e cinco membros, sendo tal número elevado em dois membros a cada fração adicional de três mil empregados467. A eleição dos membros do conselho ocorrerá por meio de voto direto e secreto dos trabalhadores468 e o mandato terá duração de quatro anos469.

Em período não inferior a dez semanas antes do pleito, o conselho de empresa deve nomear uma comissão eleitoral, composta por três pessoas que tenham direito a voto. Caso isso não ocorra até o início da oitava semana antes do fim do mandato do conselho de empresa, a Justiça do Trabalho pode interferir para a consecução da normalidade do procedimento eleitoral470. A mesma Justiça, aliás, tem competência para decidir qualquer reclamação feita quanto à lisura da eleição para o conselho de empresa471.

465

Artigos 47 e 54 da Lei Constitucional de Empresa. 466

Artigos 7º e 8º, número 1, da Lei Constitucional de Empresa. 467

Artigo 9º da Lei Constitucional de Empresa. 468

Quanto ao procedimento eleitoral para o conselho de empresa, cf. artigo 14 da Lei Constitucional de Empresa.

469

Artigo 21 da Lei Constitucional de Empresa. 470

Artigo 16, números 1 e 2, da Lei Constitucional de Empresa. 471

A reunião do conselho deve ocorrer durante o horário de trabalho, trimestralmente472, cabendo ao conselho observar as necessidades operacionais do estabelecimento e informar o empregador a respeito do encontro obreiro com antecedência473.

O exercício da função de representação dos trabalhadores pelos membros do conselho não é remunerado, sendo tais representantes dispensados das respectivas obrigações laborais, sem perda de remuneração, enquanto estiverem realizando atividade ligada ao órgão sob análise ou curso de formação para aprimoramento da atividade de representação474.

Garantia interessante existente no sistema jurídico alemão consiste na liberação de certo número de membros do conselho de seus deveres trabalhistas para que, por meio do exercício da função representativa, haja dedicação máxima aos interesses da coletividade obreira. O número varia de acordo com o contingente de empregados, sendo de um membro em empresa que tenha entre duzentos e quinhentos empregados, podendo chegar a doze membros quando a empresa tiver entre nove mil e um e dez mil empregados, sendo acrescido, acima de tal limite, um membro para cada fração adicional de dois mil empregados475.

Aspecto fundamental atine ao custeio das atividades do órgão de representação dos trabalhadores. Nesse sentido, o legislador germânico optou por atribuir à empresa a responsabilidade por todas as despesas do conselho, cabendo-lhe, ainda, fornecer instalações e os meios materiais adequados para que os representantes dos trabalhadores possam realizar a respectiva função do melhor modo possível476. Veda-se, aliás, o pagamento pelos empregados de qualquer tipo de contribuição ao conselho de empresa477.

A alternativa escolhida pelo legislador alemão evidencia a visão que se adota, naquele país, quanto ao conselho de empresa. O órgão representativo dos trabalhadores não é visto como um contrapoder em relação ao empregador, um adversário na busca do atingimento do objetivo empresarial, mas como uma entidade que busca o consenso com o outro agente produtivo para que haja um adequado desenvolvimento da atividade

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Artigo 43, número 1, da Lei Constitucional de Empresa. 473

Artigo 30 da Lei Constitucional de Empresa. 474

Artigo 37, números 1, 2 e 6, da Lei Constitucional de Empresa. 475

Artigo 38, número 1, da Lei Constitucional de Empresa. 476

Artigo 40 da Lei Constitucional de Empresa. 477

econômica. Note-se que não há uma visão corporativista no sistema alemão, pois o conflito de interesses é inerente à relação entre capital e trabalho. Postula-se, com efeito, um acordo de vontades, ainda que provisório, apto a permitir que todos os envolvidos na empresa consigam satisfazer seus próprios interesses por meio desse pacto volitivo478.

Caso haja vários conselhos em uma determinada empresa, deve ser criado um conselho central de empresa, cuja formação ocorre da seguinte maneira: se o conselho de empresa tiver até três integrantes, um membro será indicado ao conselho central; contando o conselho de empresa com mais de três elementos, dois membros deverão ser indicados ao conselho central479. A competência de tal órgão abrange assuntos que atinjam a globalidade da empresa ou dois ou mais estabelecimentos, bem como a entidade que não tenha conselho de empresa próprio480.

É possível a criação de conselho de consórcio de empresas, formado por dois membros indicados por cada conselho central de empresa, respeitando-se, assim como nos demais tipos de conselho, a representação adequada dos gêneros feminino e masculino481. Tal órgão tem competência para tratar de assuntos atinentes ao consórcio ou a dois ou mais integrantes da combinação empresarial em estudo482.

O empregador deve reunir-se com o conselho de empresa ao menos uma vez ao mês para discussão dos assuntos referentes à atividade empresarial que sejam do interesse dos trabalhadores483. A frequência dos encontros denota a intenção do legislador alemão de fomentar a negociação entre os agentes produtivos e o atingimento de consenso quanto às questões trabalhistas. Tal assertiva é confirmada pela previsão de um comitê de conciliação, a ser criado por acordo coletivo, com a finalidade de buscar o entendimento entre o empregador e algum dos conselhos que podem ser instituídos em âmbito empresarial484. O órgão de conciliação tem composição paritária e um membro

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Para evitar qualquer possibilidade de influência por parte do empregador em virtude da origem do financiamento, Manfred WEISS, em La cogestione in Germania: una recente modifica. Milano: Diritto delle relazioni industriali, a. 12, n. 4, 2002, p. 653, propõe que seja criado um “fundo subvencionado por todos os trabalhadores” ou um “orçamento prefixado para o conselho de empresa”.

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Artigo 47 da Lei Constitucional de Empresa. 480

Artigo 50 da Lei Constitucional de Empresa. 481

Artigo 55 da Lei Constitucional de Empresa. 482

Artigo 58, número 1, da Lei Constitucional de Empresa. 483

Artigo 74 da Lei Constitucional de Empresa. 484

independente aceito por ambas as partes, sendo o custo do comitê assumido pela empresa485.

O conselho de empresa tem direito, como sói acontecer em órgãos desse gênero, de ser informado e consultado sobre um campo razoável de assuntos relacionados à gestão empresarial486. É evidente que o acesso às informações e a disseminação dos dados relativos à atividade empresarial sofrem restrições, sendo duramente punida a quebra do dever de sigilo por parte daqueles que estejam envolvidos no processo de compartilhamento informativo entre empregador e trabalhadores487.

O direito de codeterminação é mais marcante que os direitos de informação e consulta acima assinalados. Como o nome indica, nos assuntos arrolados no artigo 87, número 1, da Lei Constitucional de Empresa488, deve haver consenso entre empregados e empregador na condução de determinados temas, sob pena de a decisão sobre a questão controversa caber ao comitê de conciliação.

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Artigos 76, número 2, e 76-A, número 1, da Lei Constitucional de Empresa. 486

Quanto às matérias relativas ao direito de informação e consulta, determina o artigo 90 da Lei Constitucional de Empresa : “(1) The employer shall inform the works council in due time of any plans concerning 1. the construction, alteration or extension of works, offices and other premises belonging to the establishment; 2. technical plants; 3. working procedures and operations or 4. Jobs and submit the necessary documents. (2) The employer shall consult the works council in good time on the action envisaged and its effects on the employees, taking particular account of its impact on the nature of their work and the resultant demands on the employees so that suggestions and objections on the part of the works council can be taken into account in the plans. In their consultations, the employer and the works council shall bear in mind the established findings of ergonomics relating to the tailoring of jobs to meet human requirements” 487

Artigos 79 e 120 da Lei Constitucional de Empresa.

488 Determina o mencionado dispositivo: “The works council shall have a right of co-determination in the following matters in so far as they are not prescribed by legislation or collective agreement: 1. matters relating to the rules of operation of the establishment and the conduct of employees in the establishment; 2. the commencement and termination of the daily working hours including breaks and the distribution of working hours among the days of the week; 3. any temporary reduction or extension of the hours normally worked in the establishment; 4. the time and place for and the form of payment of remuneration; 5. the establishment of general principles for leave arrangements and the preparation of the leave schedule as well as fixing the time at which the leave is to be taken by individual employees, if no agreement is reached between the employer and the employees concerned; 6. the introduction and use of technical devices designed to monitor the behaviour or performance of the employees; 7. arrangements for the prevention of accidents at work and occupational diseases and for the protection of health on the basis of legislation or safety regulations; 8. the form, structuring and administration of social services whose scope is limited to the establishment, company or combine; 9. the assignment of and notice to vacate accommodation that is rented to employees in view of their employment relationship as well as the general fixing of the conditions for the use of such accommodation; 10. questions related to remuneration arrangements in the establishment, including in particular the establishment of principles of remuneration and the introduction and application of new remuneration methods or modification of existing methods; 11. the fixing of job and bonus rates and comparable performance-related remuneration including cash coefficients; 12. principles for suggestion schemes in the establishment; 13. principles governing the performance of group work; group work within the meaning of this provision is defined as a group of employees performing a complex task within the establishment’s workflows, which has been assigned to it and is executed in a largely autonomous way”.

Interessante realçar, quanto à codeterminação, a necessidade de que o empregador consulte o conselho de empresa antes de concretizar qualquer dispensa no âmbito produtivo. Note-se que tal formalidade é condição imprescindível para a validade do ato de cessação do pacto laboral, pois, em caso de inexistência da aludida consulta, o aviso prévio dado ao trabalhador é considerado nulo. Caso o conselho de empresa tenha alguma objeção a fazer quanto à dispensa, deve informar as razões de tal posição ao empregador, por escrito, no prazo de três dias489.

É evidente que o sistema jurídico germânico confere formas específicas de proteção ao representante dos empregados, de forma a permitir que ele atue de modo independente, sem temor de sofrer qualquer represália em virtude do adequado cumprimento de sua função na defesa dos interesses da coletividade obreira. Nesse sentido, demanda-se a anuência do conselho da empresa quando o empregador quiser dispensar ou transferir algum membro de tal órgão, sendo que, em caso de transferência, o consentimento do conselho torna-se desnecessário se o próprio representante consentir com tal situação490.