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CAPÍTULO 1 TEORIA GERAL DO DIREITO ELEITORAL

1.1 Direitos Políticos

1.1.1 Conceito

Para melhor entender os direitos políticos, é fundamental assimilar o conceito de

política, que é, por natureza, multifacetado, apresentando-se nas mais variadas formas de

acordo com o ângulo pelo qual é observado.

Dos tempos da antiguidade grega, a política era tida como vida pública, em

contrapartida à vida privada e íntima do cidadão. Nesse sentido, englobava os espaços

públicos onde eram discutidas ideias e tomadas decisões coletivas. Não por menos, à vida

política era dado o maior grau de relevância pelos gregos, que não a concebiam fora da polis.

Destarte, temos que a política adquire dois significados fundamentais, alicerçados,

sobretudo, pela filosofia aristotélica. Em primeiro lugar, por política, entende-se a forma de

estabelecer o que se deve e o que não se deve fazer, objetivando alcançar a felicidade do

homem. Aqui, o termo política aproxima-se e, por vezes, confunde-se com as ideias de moral

e ética. Em segundo lugar, para conceituação do termo, parte-se do pressuposto do homem

como animal social, condicionado e influenciado por tudo ao seu redor, que se organiza em

sociedade e carece de um sistema político de regimento.

Nessa acepção, verifica-se que a política busca descrever a melhor forma de

organização do Estado, do sistema e do regime de governo, das Constituições, das

instituições, e de tudo aquilo que atrele formalmente o homem à sociedade em que vive.

Nesse sentido, nota-se que as duas concepções do mesmo termo, ainda que não se confundam,

completam-se, de modo que ambas se valem de caminhos distintos para alcançar o mesmo

fim: o bem-estar do homem.

Nos tempos modernos, o termo política é imediatamente ligado à ideia de

governo. Mais especificamente, relaciona-se a todos os processos e tomadas de decisões que

afetam o Estado, o governo, a res pública, sua administração e atribuição de poderes. Nesse

espírito, o filósofo inglês Giddens asseverou que política é o meio pelo qual o poder é

utilizado e contestado para influenciar a natureza e o conteúdo das atividades governamentais.

Desse modo, afirma que a esfera política inclui, além das atividades dos governantes, as ações

e interesses concorrentes de outros grupos de indivíduos

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.

Depois dessa breve introdução, é possível salientar que os direitos políticos,

também conhecidos como cívicos, são prerrogativas e deveres com ligação íntima à noção de

1 GIDDEANS, Anthony, Sociologia, 4. ed, Trad. Sandra Regina Netz, Porto Alegre: Artmed, 2005, p. 342,

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cidadania. Por conseguinte, abarcam o direito de participação - direta e indireta - no governo,

na organização e no funcionamento do Estado. Assim, não é de se estranhar que seu núcleo

esteja previsto, em regra, constitucionalmente.

Como exemplo, é possível citar o Capítulo IV do Título II da Constituição Federal

brasileira, que prevê, logo em seu art. 14, caput, que "a soberania popular será exercida pelo

sufrágio universal e pelo voto direto e secreto, com valor igual para todos, e, nos termos da

lei, mediante: I - plebiscito; II - referendo; III - iniciativa popular"

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.

Considerando os direitos políticos aqueles pelos quais certas pessoas, de forma

individual ou coletiva, direta ou indiretamente, participam do governo, cabe ressaltar que

estes não são cedidos a toda população. In casu, os direitos são restritos aos nacionais, natos

ou naturalizados, a depender do caso concreto, nos termos previsto pela própria Constituição.

Em sua relação com os direitos humanos, os direitos políticos fazem parte da

primeira dimensão de direitos, atrelados à noção de liberdade. Veja-se, assim, o art. 6º da

Declaração de Direitos do Bom Povo da Virgínia, de 12 de junho de 1776

"Art. 6º. As eleições de representantes do povo em assembleia devem ser livres, e todos aqueles que tenham dedicação à comunidade e consciência bastante do interesse comum permanente têm direito de voto, e não podem ser tributados ou expropriados por utilidade pública, sem o seu consentimento ou o de seus representantes eleitos, nem podem ser submetidos a nenhuma lei à qual não tenham dado, da mesma forma, o seu consentimento para o bem público” 4.

Na mesma toada, a Declaração Francesa dos Direitos do Homem e do Cidadão, de

1789, também em seu art. 6º, assevera que "a lei é a expressão da vontade geral. Todos os

2 BRASIL, Constituição da República Federativa do Brasil 1988. [Consult. 08.06.2017]. Disponível em:

http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicaocompilado.htm.

3 “MANDADO DE SEGURANÇA. ELEIÇÕES SUPLEMENTARES. SOBERANIA POPULAR. SEGURANÇA

DENEGADA. 1. A Lei Orgânica Municipal não pode desbordar de sua competência legislativa e abandonar o critério constitucional de eleição para a hipótese de dupla vacância na Chefia do Executivo local. 2. Na espécie, o art. 64 da Lei Orgânica do Município de Magé/RJ abandona o critério constitucional de eleição ao estabelecer que, "em caso de impedimento do Prefeito e do Vice-Prefeito, ou vacância dos respectivos cargos, será chamado ao exercício do cargo de Prefeito, o Presidente da Câmara Municipal". 3. Deve-se conferir máxima efetividade ao princípio da soberania popular por meio do sufrágio universal e pelo voto direto e secreto, de acordo com o art. 14, caput, da Constituição. 4. Segurança denegada. (TSE - MS: 118147 RJ, Relator: Min. FÁTIMA NANCY ANDRIGHI, Data de Julgamento: 25/10/2011, Data de Publicação: DJE - Diário da Justiça Eletrônico, Tomo 226, Data 01/12/2011, Página 24)”. [Consult. 19 Jun 2017]. Disponível em:

https://tse.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/21005243/mandado-de-seguranca-ms-118147-rj-tse.

4 BRASIL, Declaração dos Direitos da Virgínia. Williamsburg, 12 de junho de 1776. [Consult. 08. Jun.2017].

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cidadãos têm o direito de concorrer, pessoalmente ou através de mandatários, para sua

formação"

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.

Já a famigerada Declaração Universal dos Direitos do Homem, de 1948, sobre o

tema, assim dispôs:

"1. Todo homem tem o direito de tomar posse no governo de seu país, diretamente ou por intermédio de representantes livremente escolhidos.

2. Todo homem tem igual direito de acesso ao serviço público de seu país.

3. A vontade do povo será a base da autoridade do governo; esta vontade será expressa em eleições periódicas e legítimas, por sufrágio universal, por voto secreto ou processo equivalente que assegure a liberdade do voto" 6.

Ainda nesse sentido, o Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos, de

1966, ratificado, no Brasil, pelo Decreto-Legislativo n. 226/91 e, em Portugal, pela Lei n.

29/78, em seu art. 25, prevê:

“Todo cidadão terá o direito e a possibilidade, sem qualquer das formas de discriminação mencionadas no art. 2º e sem restrições infundadas: a) de participar da condução dos assuntos públicos, diretamente ou por meio de representantes livremente escolhidos; b) de votar e de ser eleito em eleições periódicas, autênticas, realizadas por sufrágio universal e igualitário e por voto secreto, que garantam a manifestação da vontade dos eleitores; c) de ter acesso, em condições gerais de igualdade, às funções públicas de seu país” 7.

Em suma, resta claro que a importância dada aos direitos políticos, enquanto

conquista jurídica de primeira dimensão, reflete-se nas legislações pátrias e nos mais variados

diplomas internacionais. Assim, não se pode, hodiernamente, conceber-se um Estado de

Direito dissociado da afirmação e da garantia dos direitos políticos a seus cidadãos, o que está

em plena consonância com os ideais de justiça e de democracia.