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Organização e modelos de organização eleitoral

CAPÍTULO 1 TEORIA GERAL DO DIREITO ELEITORAL

1.2 Direito Eleitoral

1.2.3 Organização e modelos de organização eleitoral

O inglês John Dalberg-Acton, em carta enviada ao bispo Mandell Creighton,

utilizou expressão que se tornou um marco na ciência política, notadamente na relação entre

poder e desmoralização do homem: "power tends to corrupt, and absolute power corrupts

19 BRASIL, Lei Nº 9.504, De 30 De Setembro De 1997. Estabelece normas para as eleições. "Art. 105-A. Em

matéria eleitoral, não são aplicáveis os procedimentos previstos na Lei no 7.347, de 24 de julho de

1985. (Incluído pela Lei 12.034, de 2009)". [Consult. 05.Jun.2017]. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L9504.htm.

20 "Art. 5o Têm legitimidade para propor a ação principal e a ação cautelar: (...) § 6° Os órgãos públicos

legitimados poderão tomar dos interessados compromisso de ajustamento de sua conduta às exigências legais, mediante cominações, que terá eficácia de título executivo extrajudicial. (Incluído pela Lei nª 8.078, de 11.9.1990)". [Consult. 05.Jun.2017]. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L7347orig.htm.

21 PORTUGAL, Lei nº 28/82, de 15 de novembro. Organização, Funcionamento E Processo Do Tribunal

Constitucional. [Consult. 07. Jun.2017]. Disponível em:

http://www.cne.pt/sites/default/files/dl/legis_lei_28_82_tc_2012_a_1.pdf.

22 PORTUGAL, Lei nº 14/79, de 16 de maio. Lei Eleitoral Da Assembleia Da República. [Consult. 07.Ju.2017].

Disponível em: http://www.cne.pt/content/lei-eleitoral-da-assembleia-da-republica.

23 PORTUGAL, Lei nº 267/80, de 8 de agosto. Lei Eleitoral Da Assembleia Legislativa Da Região Autónoma

Dos Açores Decreto [Consult. 07.Jun.2017]. Disponível em:

http://www.cne.pt/sites/default/files/dl/legis_lealraa_2012vf_0.pdf.

24 PORTUGAL, Decreto-Lei 701-B/76. Estabelece o regime eleitoral para a eleição dos órgãos das autarquias

locais. [Consult. 07.Jun.2017]. Disponível em: http://publicos.pt/documento/id223433/decreto-lei-701-B/76.

25 PORTUGAL, Lei nº 14/87, de 29 de abril. Lei Eleitoral Para O Parlamento Europeu. [Consult. 07.Ju.2017].

42

absolutely"

26

. A referida ideia traduz que os detentores do poder - principalmente do político

-, em regra, tendem a cometer abusos para mantê-lo.

Nesse cenário, é patente que as eleições não raramente se transformem em

disputas de poder, podendo sofrer máculas em sua higidez e ceifando a legitimidade dos

referidos pleitos. Destarte, por resultado desses entraves, surgem diversas lides eleitorais a

serem dirimidas e, para isso, naturalmente, depende-se do Estado para cumprir o papel de

controlar a limpidez eleitoral.

Historicamente, Maurice Duverger apontou os modelos político e jurisdicional, a

depender se o órgão ao qual fosse atribuído o controle do pleito fosse a assembleia ou um

órgão judicial. Sobre o tema, asseverou Leôncio Lara Saénz:

"La clasificación de los sistemas de justicia electoral en el ámbito doctrinal y comparado tiene un magnifico arranque taxonómico con Maurice Duverger, al distinguir este autor entre el contencioso político, que constituye la misma asamblea que surge de la elección, y el contencioso jurisdicional, que se encomienda a un órgano judicial, en cuanto a los mecanismos y órganos de resolución de las impugnaciones en los resultados de las elecciones, mecanismo estabelecido por el orden jurídico de un estado, que comprenden todas las impugnaciones que se interpongan no sólo contra los resultados de las elecciones sino respecto a todos los actos y procedimientos electorales"27.

Além dos dois modelos ventilados por Duverger, acrescentam-se o modelo

administrativo, pelo qual o controle das eleições cabe a um órgão eleitoral de natureza

administrativa - em regra, o responsável pela organização do pleito -, e o modelo misto, no

qual o controle é feito por órgãos políticos, jurisdicionais e/ou administrativos.

Portanto, em síntese, baseando-se no órgão competente para analisar a

regularidade dos atos e procedimentos eleitorais, os sistemas de controle de eleições podem

ser classificados em político, jurisdicional, administrativo ou misto.

Antes de pormenorizar cada um dos modelos, há ressaltar a existência de outros

tipos de classificação doutrinária, por exemplo, a baseada não na natureza do órgão que

exerce o controle, mas o objeto tratado. Encabeçando esse viés doutrinário, frise-se a posição

de Jorge Miranda, que, ao tratar do sistema português - de caráter jurisdicional, se

26 FIGGIS, John Neville; LAURENCE, Reginald Vere, Historical essays and studies, Londres: Macmillan,

1907, p. 294. [Consult. 27.Jun.2017]. Disponível em: http://lf-

oll.s3.amazonaws.com/titles/2201/Acton_1479_EBk_v6.0.pdf.

27 SAÉNZ, Leoncio Lara, Estudio de derecho comparado sobre lo contencioso y la jurisprudencia elecotral de

Itália, in El contencioso y la jurisprudencia electorales en derecho comparado: un estudio sobre veintiún países

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consolidada a classificação com base na natureza do órgão -, considera-o como

administrativo:

"O contencioso eleitoral político é, por isso, um contencioso constitucional e, por isso, também se compreende a opção por o confiar ao Tribunal Constitucional. A sua estrutura, no entanto, não deixa de ser a de um contencioso administrativo, porque tem por objeto conflitos decorrentes de uma actividade administrativa, mesmo se sui generis, e porque os chamados recursos eleitorais seguem, no essencial, o processo das acções contenciosas administrativas. Uma coisa é a competência jurisdicional, outra coisa a natureza em si das questões e dos meios processuais correspondentes"28.

Outra classificação baseia-se no momento em que o controle é realizado,

notadamente em seu caráter contencioso, podendo ser: controle pré-eleitoral - ou seja, antes

das eleições, da manifestação do voto, de caráter eminentemente preventivo -; controle

concomitante - que ocorre durante o pleito -; e controle pós-eleitoral, de caráter repressivo,

incidindo sobre a manifestação da vontade popular

2930

.

28 MIRANDA, Jorge, Direito Constitucional III: direito eleitoral e direito parlamentar, Lisboa: Associação

Académica da Faculdade de Direito de Lisboa, 2003, p. 192. ISBN 9780000021205.

29 PEREIRA, Rodolfo Viana, Tutela coletiva do direito eleitoral: controle social e fiscalização das eleições, Rio

de Janeiro: Lumen Juris, 2008, p. 27. ISBN: 9788537503249.

30 “RECURSO ELEITORAL. REPRESENTAÇÃO. PROPAGANDA ANTECIPADA. MULTA. VOTO

VENCEDOR. PERÍODO PRÉ-ELEITORAL. ATIPICIDADE DA CONDUTA. EXTINÇÃO DO PROCESSO SEM RESOLUÇÃO DE MÉRITO. 1- A legislação eleitoral não assina um março a partir do qual se pode considerar iniciado o período pré-eleitoral, entretanto, esta Corte Eleitoral, em casos análogos, tem entendido que o período eleitoral tem início um ano antes do pleito (período macro-eleitoral). 2 - Tendo a conduta imputada ao recorrente sido praticada na primeira quinzena do mês de setembro de 2009, configurada esta sua atipicidade. 3 - Extinção do processo sem resolução de mérito, nos termos do art. 267, VI, do Código de Processo Civil. . (TRE-PA - R-Rp 26035 PA, Relatora MARIA DO CÉO MACIEL COUTINHO, Data de Julgamento: 29/06/2010, Data de PublicaçãoDJE - Diário da Justiça Eletrônico, Volume -, Tomo 114, Data 5/7/2010, Página 3)”.

[Consult 22 Jun.2017]. Disponível em: https://tre-pa.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/23180275/recurso-em- representacao-r-rp-26035-pa-trepa?ref=juris-tabs#!.

“PRINCIPIO CONSTITUCIONAL DA ANTERIORIDADE ELEITORAL: SIGNIFICADO DA LOCUÇÃO "PROCESSO ELEITORAL" (CF, ART. 16). - A norma consubstanciada no art. 16 da Constituição da República, que consagra o postulado da anterioridade eleitoral (cujo precípuo destinatário é o Poder Legislativo), vincula- se, em seu sentido teleológico, à finalidade ético-jurídica de obstar a deformação do processo eleitoral mediante modificações que, casuisticamente introduzidas pelo Parlamento, culminem por romper a necessária igualdade de participação dos que nele atuam como protagonistas relevantes (partidos políticos e candidatos), vulnerando-lhes, com inovações abruptamente estabelecidas, a garantia básica de igual competitividade que deve sempre prevalecer nas disputas eleitorais. Precedentes. - O processo eleitoral, que constitui sucessão ordenada de atos e estágios causalmente vinculados entre si, supõe, em função dos objetivos que lhe são inerentes, a sua integral submissão a uma disciplina jurídica que, ao discriminar os momentos que o compõem, indica as fases em que ele se desenvolve: (a) fase pré-eleitoral, que, iniciando-se com a realização das convenções partidárias e a escolha de candidaturas, estende-se até a propaganda eleitoral respectiva; (b) fase eleitoral propriamente dita, que compreende o início, a realização e o encerramento da votação e (c) fase pós- eleitoral, que principia com a apuração e contagem de votos e termina com a diplomação dos candidatos eleitos, bem assim dos seus respectivos suplentes. Magistério da doutrina (JOSÉ AFONSO DA SILVA e ANTONIO TITO COSTA). (ADI nº 3345 DF, ReI. Min. Celso de MeIlo, Tribunal Pleno, OJe de 20.8.2010)”

[Consult 22 Jun.2017]. Disponível em:

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Embora haja essa gama de classificações, a doutrina majoritária tende a adotar

aquela com base na natureza do órgão controlador, a qual também será utilizada neste estudo.

Por conseguinte, cumpre tecer breves comentários sobre cada um dos referidos modelos.

O sistema político - também conhecido como sistema clássico ou tradicional -

caracteriza-se pela atribuição a uma assembleia política, ou a parte dela, do dever de verificar

a regularidade das eleições de seus membros (autoqualificação)

31

. Por exemplo, histórico,

cite-se o art. 1º, seção V, n. 1, da Constituição dos Estados Unidos da América: "Each House

shall be the judge of the elections, return and qualifications of its owns members"

32

. Com

efeito, esse sistema parte da ideia de separação dos poderes, assumindo que a atribuição a

cada casa legislativa da fiscalização de suas eleições impediria que o Poder Judiciário -

teoricamente imparcial - de se envolver politicamente.

Atualmente, contudo, afirma Orozco Henríquez, não há mais países que adotam o

sistema político de forma pura, à exceção da Suíça e, até certo ponto, da Itália, "ya que en

aquellos países que conservan un control político para los comícios legislativos o, en su caso,

presidenciales, lo hacen coexistir con un control jurisdicional previo o posterior, lo que les

convierte en sistemas contenciosos mistos"

33

. Em outras palavras, afirma que os países que

ainda conservam a intervenção das assembleias políticas são, via de regra, classificados como

mistos, adotando o controle político-jurisdicional (EUA e Itália) ou político-jurisdicional

(Argentina).

Doutro vértice, o sistema jurisdicional, atribui-se a um juiz ou a um tribunal, que

deve agir como um terceiro imparcial e de acordo com os critérios normativos, o controle das

eleições. Essa forma de controle eleitoral apareceu, inicialmente, na Espanha (1907), Grécia

(1911) e na Alemanha de Weimar (1919)

34

. Essa tendência espalhou-se no cenário europeu

pós-guerra, influenciando, por exemplo, a constituição austríaca de 1920. Sobre o movimento,

assevera Jorge Miranda:

"assim como o progresso do Estado de Direito tem vindo a manifestar-se, em quase todos os países europeus, nos últimos anos, na criação dos Tribunais Constitucionais, também no domínio da apreciação da validade e da regularidade das eleições é uma verdadeira e própria justiça eleitoral (utilize-se ou não esse nome) que tem vindo a

31 HENRIQUEZ, Jesús Orozco, El contencioso electoral, la calificación electoral, in: NOHLAN, Dieter et al.

(comp.), Tratado de derecho electoral comparado de América Latina, 2. ed., Cidade do México: FCE, Instituto Interamericano de Derechos Humanos, 2007, p. 1156. ISBN 978-968-16-8283-5.

32 ESTADOS UNIDOS DA AMÉRICA, Constitution of the United States. [Consult 08 Jun.2017]. Disponível

em: https://www.senate.gov/civics/constitution_item/constitution.htm#a1_sec5.

33 HENRIQUEZ, Jesús Orozco, op. cit., p. 27.

34 NOHLAN, Dieter, La califación electoral en Alemanha Federal, in El contencioso y la jurisprudéncia

electorales en derecho comparado: un estudio sobre ventiún países de América y Europa, México: Tribunal Electoral del Poder Judicial de la Federación, 2006, pp. 3-18.

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emergir, ultrapassando, de vez, os controlos administrativos e o sentido constitutivo de verificação de poderes pelos Parlamentos"35.

Atualmente, a judicialização do sistema de controle eleitoral é tida como um dos

baluartes do Estado Democrático de Direito e do chamado Direito Eleitoral transnacional:

"Sobre la base de esas consideraciones se ha desarollado hoy el derecho electoral en todos los países democráticos, de manera que se ha formado una especie de derecho electoral común (o transnacional) que obedece a unos mismos principios generales y que, por ello, se proyectan en todos los ordenamientos pertencientes a la forma de Estado constitucional democrático de derecho. Tales principios son, esencialmente, la primacia del sistema representativo, la neutralidad de las oportunidades delos candidatos, la universalidad, igualdad, libertad y secreto del sufragio y, en fin, la judicialización del sistema de controles y de verificación de la regularidad de la elección"36.

Ao mesmo tempo, temos que o sistema jurisdicional subdivide-se em jurisdição

ordinária, na qual o controle é feito pelos juízes comuns; em jurisdição especializada, em que

há um ramo específico do Poder Judiciário para esse determinado fim, como ocorre no caso

do Brasil

37

; e jurisdição constitucional, em que cabe a um tribunal constitucional a decisão

sobre os meios de impugnação eleitoral.

Com relação à jurisdição especializada, frise-se que o órgão controlador poderá

pertencer ao Judiciário ou ser dotado de autonomia. Nesse sentido, atribuir o controle do

processo eleitoral a órgãos judiciários autônomos tem o condão de resguardar a

imparcialidade do Poder Judiciário, mantendo a Justiça Comum distante de decisões político-

partidárias.

Em alguns países, tal qual o Brasil, é possível notar uma combinação de

jurisdições, de modo que impugnações eleitorais, ainda que realizadas em órgãos da justiça

comum ou especializada, não afastam eventual apreciação por órgão de jurisdição

35 MIRANDA, Jorge, op. cit., p. 186.

36ARAGÓN, Manuel, Derecho electoral: sufrágio activo y pasivo, in: NOHLAN, Dieter, El contencioso y la

jurisprudéncia electorales en derecho comparado: un estudio sobre ventiún países de América y Europa, México: Tribunal Electoral del Poder Judicial de la Federación, 2006, pp. 178-197.

37 “[...] A missão constitucional confiada à Justiça Eleitoral é a de garantir que a soberania popular se

manifeste de forma mais livre e democrática possível. Para isso, o constituinte de 1988 fixou a atribuição exclusiva dessa Justiça para administrar as eleições, sob a direção do TSE, uma Corte eminentemente constitucional que, por essa razão, é presidida e integrada por membros do Supremo Tribunal Federal [...]”. PROCESSO ADMINISTRATIVO Nº 2533-74.2010.6.00.0000 - CLASSE 26 -BRASÍLIA - DISTRITO FEDERAL. Relator: Ministro Ricardo Lewandowski. Interessado: Tribunal Regional Eleitoral do Rio Grande do Sul.

SESSÃO DE 26.8.2010”. [Consult 22 Jun.2017]. Disponível em:

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constitucional. Desse modo, embora haja uma regra de irrecorribilidade das decisões

proferidas pelo Tribunal Superior Eleitoral, admite-se recurso extraordinário ao Supremo

Tribunal Federal quando as questões apontadas afrontarem a Constituição Federal

38

.

Já no sistema administrativo, por seu turno, o controle do pleito é atribuído a

órgãos eleitorais executivos, aos quais cabe dirigir, organizar, administrar e vigiar os

procedimentos eleitorais. O referido modelo não tem ganhado muito destaque, principalmente

38 “LEI COMPLEMENTAR 135/2010, DENOMINADA LEI DA FICHA LIMPA. INAPLICABILIDADE ÀS

ELEIÇÕES GERAIS 2010. PRINCÍPIO DA ANTERIORIDADE ELEITORAL (ART. 16 DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA). I. O PRINCÍPIO DA ANTERIORIDADE ELEITORAL COMO GARANTIA DO DEVIDO PROCESSO LEGAL ELEITORAL. O pleno exercício de direitos políticos por seus titulares (eleitores, candidatos e partidos) é assegurado pela Constituição por meio de um sistema de normas que conformam o que se poderia denominar de devido processo legal eleitoral. Na medida em que estabelecem as garantias fundamentais para a efetividade dos direitos políticos, essas regras também compõem o rol das normas denominadas cláusulas pétreas e, por isso, estão imunes a qualquer reforma que vise a aboli-las. O art. 16 da Constituição, ao submeter a alteração legal do processo eleitoral à regra da anualidade, constitui uma garantia fundamental para o pleno exercício de direitos políticos. Precedente: ADI 3.685, Rel. Min. Ellen Gracie, julg. em 22.3.2006. A LC 135/2010 interferiu numa fase específica do processo eleitoral, qualificada na jurisprudência como a fase pré-eleitoral, que se inicia com a escolha e a apresentação das candidaturas pelos partidos políticos e vai até o registro das candidaturas na Justiça Eleitoral. Essa fase não pode ser delimitada temporalmente entre os dias 10 e 30 de junho, no qual ocorrem as convenções partidárias, pois o processo político de escolha de candidaturas é muito mais complexo e tem início com a própria filiação partidária do candidato, em outubro do ano anterior. A fase pré-eleitoral de que trata a jurisprudência desta Corte não coincide com as datas de realização das convenções partidárias. Ela começa muito antes, com a própria filiação partidária e a fixação de domicílio eleitoral dos candidatos, assim como o registro dos partidos no Tribunal Superior Eleitoral. A competição eleitoral se inicia exatamente um ano antes da data das eleições e, nesse interregno, o art. 16 da Constituição exige que qualquer modificação nas regras do jogo não terá eficácia imediata para o pleito em curso. II. O PRINCÍPIO DA ANTERIORIDADE ELEITORAL COMO GARANTIA CONSTITUCIONAL DA IGUALDADE DE CHANCES. Toda limitação legal ao direito de sufrágio passivo, isto é, qualquer restrição legal à elegibilidade do cidadão constitui uma limitação da igualdade de oportunidades na competição eleitoral. Não há como conceber causa de inelegibilidade que não restrinja a liberdade de acesso aos cargos públicos, por parte dos candidatos, assim como a liberdade para escolher e apresentar candidaturas por parte dos partidos políticos. E um dos fundamentos teleológicos do art. 16 da Constituição é impedir alterações no sistema eleitoral que venham a atingir a igualdade de participação no prélio eleitoral. III. O PRINCÍPIO DA ANTERIORIDADE ELEITORAL COMO GARANTIA CONSTITUCIONAL DAS MINORIAS E O PAPEL DA JURISDIÇÃO CONSTITUCIONAL NA DEMOCRACIA. O princípio da anterioridade eleitoral constitui uma garantia fundamental também destinada a assegurar o próprio exercício do direito de minoria parlamentar em situações nas quais, por razões de conveniência da maioria, o Poder Legislativo pretenda modificar, a qualquer tempo, as regras e critérios que regerão o processo eleitoral. A aplicação do princípio da anterioridade não depende de considerações sobre a moralidade da legislação. O art. 16 é uma barreira objetiva contra abusos e desvios da maioria, e dessa forma deve ser aplicado por esta Corte. A proteção das minorias parlamentares exige reflexão acerca do papel da Jurisdição Constitucional nessa tarefa. A Jurisdição Constitucional cumpre a sua função quando aplica rigorosamente, sem subterfúgios calcados em considerações subjetivas de moralidade, o princípio da anterioridade eleitoral previsto no art. 16 da Constituição, pois essa norma constitui uma garantia da minoria, portanto, uma barreira contra a atuação sempre ameaçadora da maioria. IV. RECURSO EXTRAORDINÁRIO CONHECIDO E PROVIDO. Recurso extraordinário conhecido para: a) reconhecer a repercussão geral da questão constitucional atinente à aplicabilidade da LC 135/2010 às eleições de 2010, em face do princípio da anterioridade eleitoral (art. 16 da Constituição), de modo a permitir aos Tribunais e Turmas Recursais do país a adoção dos procedimentos relacionados ao exercício de retratação ou declaração de inadmissibilidade dos recursos repetitivos, sempre que as decisões recorridas contrariarem ou se pautarem pela orientação ora firmada. b) dar provimento ao recurso, fixando a não aplicabilidade da Lei Complementar nº 135/2010 às eleições gerais de 2010. (STF - RE: 633703 MG, Relator: Min. GILMAR MENDES, Data de Julgamento: 23/03/2011, Tribunal Pleno, Data de Publicação: REPERCUSSÃO GERAL - MÉRITO)”. [Consult 22 Jun.2017]. Disponível em: https://stf.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/21274028/recurso-

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em face da forte tendência ao sistema jurisdicional ou ao misto. Exemplo de sistema

administrativo cite-se a Nicarágua, em que cabe ao Consejo Supremo Electoral a decisão, em

última instância, de controvérsias atinentes às eleições

39

.

Por fim, o sistema misto combina, sucessivamente, impugnações em órgãos

administrativos, jurisdicionais ou políticos. Caracteriza-se, diante disso, pela existência de

uma dualidade de órgãos especializados, autônomos, para qualificar e fiscalizar as eleições.

Na modalidade administrativo-jurisdicional, por exemplo, um dos órgãos exercerá as funções

administrativas, notadamente a execução e a qualificação do pleito, e cabe ao outro a

resolução das impugnações contra os atos daquele primeiro órgão.

Como exemplo de países que adotam o modelo misto, especificamente o

administrativo-jurisdicional, citem-se Colômbia, Chile, México, Peru e Venezuela. Com

relação ao modelo político-jurisdicional, frise-se a Argentina, onde as eleições legislativas e

presidenciais são controladas pelas juntas nacionais eleitorais - de caráter eminentemente

jurisdicional -, que decidem sobre as impugnações e protestos, cabendo, no entanto, a um

órgão de natureza política a decisão sobre a validade da eleição. No sistema misto político-

jurisdicional, ganha relevo o modelo estadunidense, já que, nas palavras de Orozco

Henríquez, "la intervención sucesiva de un órgano jurisdiccional y otro político en la

resolución de las impugnaciones contra los resultados electorales, así como la participación

de ciertas autoridades administrativas y finalmente también un órgano político em elecciones

no impugnadas"

40

.

Desse modo, observa-se que, atualmente, a maioria dos países opta por um