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CAPÍTULO 1 TEORIA GERAL DO DIREITO ELEITORAL

1.2 Direito Eleitoral

1.2.4 Princípios de Direito Eleitoral

1.2.4.2 Princípio da representatividade

Como já visto, o regime democrático pressupõe a participação ativa da população.

De outra forma não poderia ser, uma vez que o poder emana do povo, que gere o Estado, cujo

objetivo final é, sobretudo, o bem comum de seus cidadãos. Essa participação, em linhas

gerais, pode se dar de forma direta ou indireta.

A democracia direta está intimamente ligada à ideia de democracia ateniense dos

séculos V e IV a.C., em que os cidadãos se reuniam na ágora para, erguendo as mãos, decidir

o rumo das políticas estatais (autogoverno). Essa forma de democracia, pelo menos ao modo

ateniense, é impraticável nos dias de hoje, por uma série de motivos, por exemplo, o aumento

populacional e a existência de países de dimensões continentais. Pode-se dizer, portanto, que

a democracia direta só foi possível em Atenas, porque à época não havia o sufrágio universal,

sendo dignos de voto somente uma parcela reduzida da população.

Doutro vértice, não se pode dizer que a democracia direta não existe nos dias de

hoje. Ainda que não nos moldes acima alinhavados, ainda há resquícios de democracia direta

até no sistema brasileiro. A prova disso são os plebiscitos e referendos, pelos quais os

próprios cidadãos vão às urnas manifestar sua vontade contra ou a favor de certa opção

legislativa.

O princípio da representatividade, por sua vez, versa sobre a representatividade

que, em linhas gerais, é a forma indireta de democracia, ou seja, aquela pela qual o povo elege

representantes para compor o governo e, revestidos de tal poder, defender seus interesses na

construção e no direcionamento das ações estatais. Nesse caso, a participação das pessoas no

processo político ocorre mediante a escolha dos mandatários. Estes, por sua vez, tomam suas

decisões político-administrativas de acordo com suas convicções.

Exemplo desse princípio, observe-se o art. 45 da Constituição de 1988:

"Art. 45. A Câmara dos Deputados compõe-se de representantes do povo, eleitos, pelo sistema proporcional, em cada Estado, em cada Território e no Distrito Federal. § 1º O número total de Deputados, bem como a representação por Estado e pelo Distrito Federal, será estabelecido por lei complementar, proporcionalmente à população, procedendo-se aos ajustes necessários, no ano anterior às eleições, para que

67 PORTUGAL, Constituição da República Portuguesa de 1976. [Consult 17 Jun.2017]. Disponível em:

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nenhuma daquelas unidades da Federação tenha menos de oito ou mais de setenta Deputados. § 2º Cada Território elegerá quatro Deputados"68.

Em Portugal, a ideia de representatividade fica clarividente no enunciado no art.

147.º da Constituição, que prevê: "a Assembleia da República é a assembleia representativa

de todos os cidadãos portugueses”

69

. Outro exemplo é o art. 121.º, que trata do Presidente da

República: "1. O Presidente da República é eleito por sufrágio universal, directo e secreto

dos cidadãos portugueses eleitores recenseados no território nacional, bem como dos

cidadãos portugueses residentes no estrangeiro nos termos do número seguinte"

70

.

Sobre o tema, assevera Ferreira Filho:

"A eleição, a escolha do representante, é, portanto, uma atribuição de competência. Nada o vincula, juridicamente, à vontade dos eleitores. No máximo, reconhece-se que a moral e o seu próprio interesse o impedem a atender os desejos do eleitorado. A moral porque a eleição não se obtém sem promessas. O próprio interesse porque o tempo trará nova eleição (...)"71.

Além disso, verifica-se, segundo os ensinamentos de Gomes Canotilho, que o

princípio da representatividade tem suas raízes fixadas nos seguintes postulados:

"(1) exercício jurídico, constitucionalmente autorizado, de 'funções de domínio', feito em nome do povo, por órgãos de soberania do Estado; (2) derivação directa ou indirecta da legitimação de domínio do princípio da soberania popular; (3) exercício do poder com vista a prosseguir os fins ou interesses do povo72.

Assim, segue o constitucionalista português, a ideia de representatividade em uma

democracia deriva, primordialmente, da autorização popular a um órgão soberano, que busca

sua legitimidade no texto constitucional para agir de forma autônoma, mas sempre em nome

do povo e para o povo.

Nos moldes atuais, a representação ocorre por meio de partidos políticos. Estes

são associações que transformam uma determinada parcela da opinião pública em bandeiras

68 BRASIL, Constituição Da República Federativa Do Brasil De 1988. [Consult 17 Jun.2017]. Disponível em:

http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicaocompilado.htm.

69 PORTUGAL, Constituição da República Portuguesa de 1976. [Consult 17 Jun.2017]. Disponível em:

http://www.parlamento.pt/Legislacao/Paginas/ConstituicaoRepublicaPortuguesa.aspx.

70 PORTUGAL, Constituição da República Portuguesa de 1976. [Consult 17 Jun.2017]. Disponível em:

http://www.parlamento.pt/Legislacao/Paginas/ConstituicaoRepublicaPortuguesa.aspx.

71 FERREIRA FILHO, M. G., op. cit., p. 85.

72 CANOTILHO, José Joaquim Gomes., Direito Constitucional e Teoria da Constituição, 7ª ed., Coimbra:

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de luta política. Desse modo, em tese, tanto o candidato quanto o eleitor guiar-se-ão nas

escolhas por aqueles partidos políticos cujas ideias mais se assemelhem aos seus interesses.

Na Constituição Federal brasileira, a obrigatoriedade de filiação a um partido

político é prevista no art. 14, § 3º, V

73

, que elenca a filiação partidária como condição de

elegibilidade

74

. Pode-se dizer, por isso, que os partidos políticos possuem o monopólio das

candidaturas, inexistindo, no sistema brasileiro, candidaturas avulsas.

73 "Art. 14. A soberania popular será exercida pelo sufrágio universal e pelo voto direto e secreto, com valor

igual para todos, e, nos termos da lei, mediante: (...) § 3º São condições de elegibilidade, na forma da lei: (...) V - a filiação partidária; (...)". BRASIL, Constituição Da República Federativa Do Brasil De 1988. [Consult 17

Jun.2017]. . Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicaocompilado.htm.

74 “ELEIÇÃO 2012. REGISTRO DE CANDIDATURA. CONDIÇÃO DE ELEGIBILIDADE. FILIAÇÃO

PARTIDÁRIA. NÃO COMPROVAÇÃO. RECURSO ESPECIAL. APLICAÇÃO DAS SÚMULAS 284 DO STF E 13 DO STJ. AGRAVO REGIMENTAL. FUNDAMENTO NÃO ATACADOS. INCIDÊNCIA DA SÚMULA 182 DO STJ. DESPROVIMENTO. 1. Segundo o entendimento deste Tribunal Superior que veio a ser adotado, a prova da filiação partidária dá-se pelo cadastro eleitoral, não se sobrepondo a este ato unilateral da parte interessada, como a ficha de filiação e a declaração do partido político (REspe nº 3153-63/SP, Rel. Ministro MARÇO AURÉLIO, publicado na sessão de 3.11.2010). 2. "É inadmissível o recurso extraordinário, quando a deficiência na sua fundamentação não permitir a exata compreensão da controvérsia" (Súmula 284 do Supremo Tribunal Federal) 3. "A divergência entre julgados do mesmo Tribunal não enseja recurso especial." (Súmula 13 do Superior Tribunal de Justiça) 4. Na hipótese, o agravo regimental não ataca os fundamentos da decisão agravada, atraindo a incidência da Súmula 182 do Superior Tribunal de Justiça: "É inviável o agravo do art. 545 do CPC que deixa de atacar especificamente os fundamentos da decisão agravada".5. Agravo regimental desprovido. (TSE - AgR-REspe: 157048 BA, Relator: Min. LAURITA HILÁRIO VAZ, Data de Publicação: PSESS - Publicado em Sessão, Data 25/10/2012)” [Consult 22 Jun.2017]. Disponível em:

https://tse.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/23525297/agravo-regimental-em-recurso-especial-eleitoral-agr-respe- 157048-ba-tse?ref=juris-tabs#!

“AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ESPECIAL ELEITORAL. ELEIÇÕES 2012. VEREADOR. REGISTRO

DE CANDIDATURA. FILIAÇÃO PARTIDÁRIA. DOCUMENTOS PRODUZIDOS UNILATERALMENTE. DESPROVIMENTO. 1. Consoante a jurisprudência do TSE, a ficha de filiação partidária, as atas de reunião realizadas pelo partido político e a lista interna de filiados extraída do sistema Filiaweb, documentos produzidos unilateralmente, não se revestem de fé pública. Portanto, não têm aptidão para demonstrar o preenchimento da condição de elegibilidade disposta nos arts. 14, § 3º, V, da CF/88, 9º da Lei 9.504/97 e 18 da Lei 9.096/95. 2. Agravo regimental não provido. (Agravo Regimental em Recurso Especial Eleitoral nº 7488, Acórdão de 29/11/2012, Relator (a) Min. FÁTIMA NANCY ANDRIGHI, Publicação: PSESS - Publicado em Sessão, Data 29/11/2012 )” [Consult 22 Jun.2017]. Disponível em: http://temasselecionados.tse.jus.br/temas- selecionados/filiacao-partidaria/prova.

“ELEIÇÕES 2014. REGISTRO DE CANDIDATURA. DEPUTADA DISTRITAL. COLIGAÇÃO RESPEITO

POR BRASÍLIA PT-PP. AUSÊNCIA DE FILIAÇÃO PARTIDÁRIA. INFORMAÇÃO EXTRAÍDA DO CADASTRO ELEITORAL. INTIMAÇÃO NOS TERMOS DA SÚMULA 20 DO TSE. APRESENTAÇÃO DE FICHA PARTIDÁRIA. DOCUMENTO UNILATERAL. INAPTIDÃO PARA COMPROVAR A FILIAÇÃO PARTIDÁRIA. AUSÊNCIA DE CONDIÇÃO DE ELEGIBILIDADE. REGISTRO INDEFERIDO. 1. A filiação partidária é condição de elegibilidade prevista nos arts. 14, § 3º, V, da CF/88, 9º da Lei 9.504/97 e 18 da Lei 9.096/95 que, se não comprovada, inviabiliza o registro de candidatura. 2. Na instrução dos requerimentos de registro de candidatura, a informação alusiva à filiação partidária é extraída do próprio cadastro da Justiça Eleitoral. 3. Diante da informação de ausência de filiação à agremiação, pela qual pretende concorrer, os candidatos devem ser instados a se manifestar, nos termos do enunciando da Súmula nº. 20 do Tribunal Superior Eleitoral. 4. A ficha de filiação partidária é documento unilateral que não apresenta aptidão para comprovar a referida condição de elegibilidade. 5. Pedido indeferido. (TER-DF - REGC 120138 DF, Relatora MARIA DE FÁTIMA RAFAEL DE AGUIAR, Data de Publicação PSESS - Publicado em Sessão, Volume 23:40, Data 12/08/2014)”. [Consult 22 Jun.2017]. Disponível em: https://tre- df.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/133435061/registro-de-candidato-regc-120138-df.

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Nesse sentido, o próprio Tribunal Superior Eleitoral brasileiro posicionou-se no

sentido de que o mandato público-eletivo pertence à agremiação política, e não ao eleito. Por

isso, se o mandatário se desfiliar do partido, ele não terá direito a continuar no cargo

75

.

Tal sistema, contudo, não está isento de críticas. Isso porque, na prática, nem o

candidato nem o partido são obrigados a manterem seus posicionamentos alinhados com as

promessas de campanha e com a cartilha partidárias. Aliás, não raramente se nota a presença

de candidatos com ideários totalmente opostos aos do partido a que está filiado, por exemplo,

candidatos eminentemente conservadores filiados a partidos progressistas por uma mera

questão de "jogo eleitoral".

Esse descaso com a ideologia partidária afronta, de maneira indubitável, a noção

de representatividade e o próprio princípio democrático em si. Com efeito, os cidadãos

eleitores não podem pautar seus votos nas já citadas bandeiras de lutas partidárias, pois

prejudicam a ideia de dialeticidade e, por conseguinte, destroem a legitimidade democrática.

Por isso, dentre outros motivos, há certas vozes dissonantes que pugnam pela

implamentação de uma real democracia representativa no Brasil, que passaria a conter, por

exemplo, institutos como o recall. Nela, o mandato está constantemente sob controle popular,

de modo que o candidato eleito não pode conduzir suas decisões político-administrativas a

seu bel prazer, correndo o risco até de perder o mandato se optar por caminhos que se

distanciem da vontade popular.