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Conceito e delimitação dos Territórios Turísticos

Definir e delimitar um conceito, em qualquer área do pensamento científico, exige a tomada de cuidado e rigor, para que o mesmo não seja redutor, com a consequência de não abranger realidades que devia cobrir, por ser limitativo, ou então ser demasiado abrangente, cobrindo outros fenómenos que não têm a ver com a especificidade do conceito.

Buhalis (2000) define destino turístico como uma região geográfica distinta, que é entendida pelos seus visitantes como uma entidade única, dotada de um enquadramento político e legislativo para o planeamento e marketing turístico.

O conceito de destino turístico é o mais referido na literatura científica e técnica sobre o turismo (Butler, 1980, Cooper, 1998, Tímon, 2004), tendencialmente, na perspectiva de um local para onde se dirigem os visitantes ou concentração de instalações e serviços concebidos para satisfazer as necessidades dos turistas.

O Grupo de Peritos em gestão dos destinos da Organização Mundial de Turismo (2002, cit. por Tímon, 2004) vai mais longe na precisão do conceito, chegando à conclusão que um destino turístico local é um espaço físico, no qual o turista está pelo menos uma noite, inclui produtos turísticos, tais como, serviços de apoio, atracções e recursos turísticos, que podem ser consumidos numa ida e volta no mesmo dia e tem fronteiras físicas e administrativas que definem sua gestão, com imagens e percepções que definem seu posicionamento no mercado. Apesar desta institucionalização, equipas de trabalho científico mais recentes (Agência do Arade, 2005), chegam à conclusão que o conceito de destino turístico não é uniforme.

Voltamos ao ponto inicial com que iniciámos este Capítulo, ou seja, a falta de um consenso sobre os conceitos de Turismo e sua delimitação, provocam também falta de consenso sobre o conceito de destino turístico. A literatura cientifica e técnica sobre Turismo parece- nos descritiva sobre o conceito de destino turístico, pois descreve mas não apreende um

sentido, um fundamento, uma ordem intelígível que suporte um conceito para áreas territoriais caracterizadas pela deslocação e /ou permanência de turistas.

Tímon (2004) defende que o destino turístico deve ser entendido como um subsistema formado por elementos espaciais (recursos territoriais, infraestruturas) administrativos (legislação, políticas) e produtivos, assim como o conjunto de suas interelações e os efeitos que produzem, que são sectoriais (bens e serviços produzidos e consumidos) e geográficos (ex: novas realidades paisagísticas).

Por sua vez, outros Autores (Capone, 2006, Bonetti, Petrillo, Simoni, 2006) preferem apresentar o destino turístico como um sistema de actores cooperativos com uma vantagem competitiva dependente dessa cooperação, num lugar caracterizado por dois elementos- chave, um elemento interno, composto por um espaço geográfico coerente onde os actores cooperam e o seu elemento externo, a sua imagem, a sua significância para turistas. Pensamos que é necessário um elemento agregador a estas definições.

Parece-nos que Franch (2002, cit. por Capone, 2006), está mais próximo desse elemento agregador ao referir como estratégias para a gestão dos destinos:

“1) -Identificar uma autoridade capaz de analisar e orientar o comportamento da área destino;

2) -Existir uma organização pública capaz de cooperar com os interessados locais; 3) - Auto -regular os agentes envolvidos em ordem a atingir objectivos comuns para a área de desenvolvimento”.

A perspectiva que se avança, em termos conceituais nesta dissertação, consiste em ser a ideia de destino filtrada e composta por estruturas, poderes, diríamos, organizações, que o apresentam como tal em termos de investimentos (v.g. promoção, infra-estruturas, serviços colectivos e privados) e de dados estatísticos (informação sobre a oferta e procura turística) para uma determinada área territorial.

Mesmo se considerarmos áreas territoriais locais para onde os turistas se deslocam, por exemplo, em Portugal (ex: áreas balneares, áreas termais), podem existir múltiplas organizações públicas e privadas com responsabilidades materiais e territoriais diferenciadas: concessões de praias, marinas, jogo (ex: Praia da Rocha, Figueira da Foz, Espinho) ou numa estância termal com jogo e termas (ex: Vidago-Pedras Salgadas), que estão abertas simultaneamente a turistas não residentes, mas também a residentes.

Faz sentido considerar que, qualquer que seja a área geográfica de destino turístico em que nos coloquemos (local, regional, nacional), existe uma multiplicidade de organizações com responsabilidades materiais e territoriais distintas relacionadas com aquilo que, em cada época histórica, se designam as ligações de uma sociedade com o turismo.

Mais, faz sentido também considerarmos que a centralidade da ocupação espacial turística não está no turista, mas na organização que capta o território para, através daquilo que são consolidações colectivas, formas de compreender em sociedade, como agir e organizar interacções das sociedades com o turismo, estruturar um exercício de poder.

Que concluir, então? Que a ocupação espacial turística no território é consequência da existência de um conjunto polarizado de organizações com responsabilidades territoriais, exercícios de poder materiais e capazes de motivar substancialmente a deslocação e permanência de turistas num determinada área local.

Se pensarmos, por exemplo, naquilo que consideramos hoje como praia, capaz de estruturar uma ocupação humana para o seu desfrute e lazer, existem todo um conjunto de estruturas de poder que vão qualificar o seu exercício, como sejam, controlo de qualidade da água do mar, serviços de recolha de limpeza e recolha de lixos por motivos sanitários, serviços de segurança e vigilância para controlo da ordem pública e segurança dos banhistas, com direitos de uso do espaço, como toldos e restaurantes, que permitem mais conforto e qualidade à experiência.

Todas essas estruturas de poder estão diversificadas em múltiplas organizações (concessionários de marinas, praias e orla costeira, jogo, termas, caça turística, titulares de

licenças de empreendimentos) para qualificarem áreas territoriais e prestarem serviços turísticos nessas áreas (ex: golfe, parques temáticos, aldeamentos turísticos).

Estas organizações investem capital e recursos humanos nas práticas relacionadas com o turismo, acumulam conhecimento e informação, geram riqueza e, em consequência, criam poder.

Entende-se que é o poder captado e difundido através das imagens turísticas apelativas das áreas territoriais que se promovem, que gera as deslocações turísticas e não o contrário. A experiência turística também deve ser entendida como uma experiência de poder, na acepção, que recordamos (Capítulo 2.4.1), de Foucault (1980,cit. por Cheong e Miller, 2000), porque é uma relação de força entre os agentes empresariais e a população local, tendo por alvo o turista e que gera conhecimento pela experiência de contacto, confrontando uma mobilidade com uma territorialização.

É consensual na literatura científica que as relações entre turismo e poder não estão muito estudadas (Hall, 1994, Morgan e Pritchard, 1998) e que, na literatura científica sobre destinos turísticos (Ritchie e Crouch, 2000, Silva, Mendes, Guerreiro 2001), o Direito não é apresentado como uma peça fundamental para a sua competitividade e qualidade.

Propõe-se, pois, com toda a reverência que nos merecem os trabalhos científicos publicados sobre o conceito de destino turístico, uma substituição, uma evolução deste conceito para o de “território turístico”, porque melhor capta a realidade física, simbólica e organizacional do turismo e, como veremos, vai permitir ao Direito um papel central na análise das dinâmicas relacionadas com essa realidade.

Qual, então, o conceito de “território turístico”? Entendemos que “território turístico” é

uma organização fundada num consenso formal, reconhecido numa determinada sociedade por uma estrutura de poder, para estimular e garantir transacções entre essa organização e o turismo numa determinada área geográfica.

Aceita-se o conceito de Dawson (1986, cit. por Pearce, 1992), em que se define organização como conjunto de vontades juntas numa organização formal, em ordem a atingir objectivos individuais ou colectivos.

Utiliza-se a expressão consenso em sentido amplo como acordo, troca, ordenação, estratégia que visa diminuir os custos de transacção na prossecução estratégica de um fim partilhado (Araújo, 2006). Como diz Moncada (2001), “o consenso é o ponto de partida do legislador.”

Tal consenso pode ser formalizado por vários mecanismos (lei, contrato, convenção associativa) e envolve um reconhecimento social na prossecução de transacções com o turismo, por causa da envolvente territorial e geográfica que caracteriza a organização.

As organizações, como os direitos, são concretas, contextuais e específicas numa determinada sociedade, pois poder e turismo também têm leituras diferentes, apresentam formas muito diversificadas de sociedade para sociedade, sendo que “territórios turísticos” envolvem sempre uma interacção com o turismo na leitura, social, cultural, económica que, em cada época, cada sociedade faz do fenómeno turismo. Como diz Nogués (1996) “o “território turístico” é sempre uma interacção entre turistas e locais em espaços negociados, com duas esferas complementares, física e simbólica.

Com este conceito, julga-se, seremos capazes de abranger um conjunto muito significativo de realidades, sem perca do rigor que se pretende a ele associado.

Assim, as múltiplas concessões territoriais (jogo, caça, termas, orla costeira) que existem num determinado país serão turísticas, na medida em que as estruturas de poder as reconheçam como tal, como criadas para controlar as externalidades negativas e promover as externalidades positivas e, em especial, todos os serviços colectivos que implicam a necessidade de constituição de uma organização relacionada com a deslocação e permanência de turistas ou visitantes numa determinada área territorial.

“Territórios turísticos” são também organizações que se identificam com uma área territorial (ex: associações empresariais de promoção e informação turística) e que prestam serviços colectivos necessários ao estímulo de transacções com o turismo, ainda que tal organização não seja a prestadora final dos serviços turísticos, que os mesmos afinal, possam ser prestados também a residentes; o fundamental é que haja consequente captação de rendimento pelos associados, tendo sido sentida a necessidade de criar a organização para romper o efeito de boleia na criação dos serviços colectivos.

“Territórios turísticos” serão, ainda, empreendimentos, quer sejam reconhecidos pelo ordenamento jurídico como de interesse público, estruturantes ou de interesse turístico pelos investimentos qualificadores que fazem numa determinada área territorial (ex: em Portugal, Vilamoura, Vale de Lobo), quer aqueles que, pelo “direito da vida” revelado pelos números, factos e estatísticas, revelam ascendente e implantação nos territórios, beneficiando de um quadro regulatório eficiente de poder.

“Territórios turísticos” também serão áreas delimitadas pelos poderes públicos como de interesse para o turismo, concedendo incentivos à implementação de investimentos colectivos entre organismos públicos ou em equipamentos privados de alojamento, animação ou lazer, entre outros; o importante é que haja uma organização que controle e qualifique tais investimentos, como enquadrados nos valores defendidos como de “interesse para o turismo” ou assegure a sua implementação no caso de investimentos públicos.

Igualmente, serão “territórios turísticos” parcerias entre entidades públicas que visam a recolha de informação estatística sobre actividades qualificadas como turísticas em áreas territorialmente delimitadas para permitir, a uma ou ambas as entidades envolvidas, a obtenção de conhecimento, a divulgação de informação, a promoção diferenciada desse território, em suma, o exercício de Poder.

Os exemplos são variados e diversificados, não se encontram esgotados, mas como se vê, cobrem uma realidade bastante abrangente, mas parece-nos que sem perca do rigor do

O conceito de “território turístico” é instrumental para que o Direito seja uma peça fundamental na análise da eficiência das estruturas de governação da organização “território turístico”, que constitui o objectivo seguinte do capítulo deste trabalho.

O conceito de destino turístico não reconhece essa centralidade ao Direito e à organização que o Direito supõe para a montagem jurídica de áreas territoriais caracterizadas por uma intensidade de consumo turístico, concentra-se antes numa lógica espaço pluri-produtos, caracterizado por uma multiplicidade de atracções, serviços e infra-estruturas numa área localizada, tendo em vista a sua funcionalidade turística.

Para nós, é decisivo e fundamental considerar que essa deslocação e/ou permanência de turistas, tem por base um exercício de controlo social por uma organização, a que denominamos “território turístico”, atendendo à centralidade que é defendida para a importância dos territórios nas relações de poder que se geram por causa do turismo numa sociedade.

Vamos defender o conceito, com recurso a uma validação empírica suportada nos processos de natureza jurídica e evidenciada em casos práticos, pelos quais se reconhece a existência dessa organização na interelação com áreas territoriais turísticas, respondendo- se como se estrutura, afinal, um “território turístico”.