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Modelo Estratégico de Avaliação Jurídica dos Territórios Turísticos em Portugal

“TERRITÓRIOS TURÍSTICOS” EM PORTUGAL.

3.8.1. AVALIAÇÃO ESTÁTICA. CONSIDERAÇÕES GERAIS.

A construção de um modelo estratégico de avaliação do Direito, com recurso a parâmetros e escalas de valor, que permitam a classificação de projectos e /ou organizações, pode colocar as maiores dúvidas e apreensões.

As mesmas prendem-se com o paradoxo resultante da quantificação de conceitos que os modelos, em geral, produto de concepções abstractas e teóricas podem produzir. Já Ihering (1865, cit. por Grau, 1987) dizia que (…) “o jurista deve rejeitar a loucura de acreditar

numa matemática do Direito, que não tem outro objectivo superior, senão calcular correctamente os conceitos (...)”.

Quanto à palavra “modelo”, admite-se que a mesma não será aqui utilizada no sentido literal do termo. Com efeito, pretendem-se criar as referências ideológicas que, confrontadas com cada realidade, poderão servir de guia para a acção administrativa, na expressão de Carvalho (2003). Tal modelo poderá constituir um “mapa regulatório” dos “territórios turísticos”, segundo Minogue (2001) ou Ogus (2002), como uma base de exercício de escolhas possíveis pelo decisor normativo, tendo em vista a criação de valor na sua gestão, organização e desenvolvimento.

Pretende-se, com o modelo apresentado, simultaneamente, um exercício de descrição e explicação de indicadores, que suporte as variáveis de eficiência jurídico-económica apresentadas nos sub-capítulos anteriores e uma ferramenta de implementação e monitorização estratégica, ou seja, um instrumento para aprendizagem, análise e avaliação crítica das áreas críticas de gestão da regulação e consequente indicação de linhas de força aplicadas a um determinado sistema, assim se concretizando o oitavo objectivo genérico da investigação assinalado no Capítulo 1.

Versando esta avaliação estratégica sobre um determinado sistema jurídico (o português) aplicável aos “territórios turísticos”, enquanto organização, o modelo proposto apresentará quadros de indicadores e sua interligação, que enquadrarão áreas abrangentes integradas e transversais a essa organização.

A existência da organização e a sua sobrevivência é explicada, na tradição da Análise Económica do Direito, pela eficiência e capacidade de minimização de custos de transacção (Hodgson, 1994). Concorda-se, também, com Marglin (1974), quando este afirma que qualquer organização tem sobretudo que ver com o Poder e que a sua existência não é explicada pela sua tecnologia, mas pela sua capacidade de ampliar a margem e grau de controlo dos seus membros sobre o ambiente. Daí o ênfase que colocámos sobre os

Na sequência da avaliação estática e da avaliação dinâmica, apresentadas nos capítulos anteriores, as variáveis do modelo serão apresentadas nas categorias de poder já assinaladas para os “territórios turísticos” (qualidade do título, exclusividade, duração, flexibilidade, transferibilidade e divisibilidade), baseadas em critérios de eficiência de

property rights (direitos institucionais), que agregarão os indicadores que irão avaliar

estrategicamente o ordenamento jurídico português aplicável aos “territórios turísticos”.

Todavia, como assinalámos atrás (Capítulo 2.9.), direitos institucionais e consequentes indicadores são sempre contextuais, específicos e adaptados a cada situação, a cada sistema, pelo que a avaliação estratégica do ordenamento jurídico português baseado em indicadores, é contextual e específica, resulta de institutos seleccionados, e não poderá ser transplantada absolutamente para outros sistemas jurídicos, como uma espécie de “guia universal” aplicado a outros ordenamentos jurídicos.

Tal constatação impõe-se, na medida em que o próprio legislador português não trata o “território turístico” como instituto autónomo do seu sistema jurídico, ao contrário de outros ordenamentos jurídicos em estudos de caso internacionais (ver Capítulo 6), pelo que esta característica estruturante deve ser tida em conta da especificidade da situação portuguesa.

A selecção dos institutos, das áreas do ordenamento jurídico, das características do sistema jurídico que vão ser objecto de avaliação estratégica, à luz dos indicadores agregados em categorias de poder dos “territórios turísticos” são, assim, contextuais e específicos do nosso sistema jurídico. Vamos apresentar, então, as suas componentes.

3.8.2 APRESENTAÇÃO.

Baseados na perspectiva da Economia Institucional, que apresenta o ordenamento jurídico como instituição que dá significado e sentido às transacções da sociedade e incentivador das trocas entre agentes, que induzam a um uso mais eficiente dos recursos envolvidos, com poupança de custos de transacção e maximização de variáveis de poder, podemos

seleccionar três componentes institucionais fundamentais na avaliação estratégica de um ordenamento jurídico:

a) Simplificação, entendida como actividade tendente à superação da complexidade, tendo em vista, nomeadamente, a redução dos custos da actividade decisória de regulação económica e dos custos burocráticos inerentes nos procedimentos administrativos;

b) Homogeneização, entendida como actividade tendente à normalização, ou seja, a normas comuns procedimentais e materiais incidentes sobre projectos e organizações, bens ou direitos; em ordem a contrariar os riscos de dispersão, fragmentação e casuísmo, que geram insegurança e incerteza nas trocas e transacções;

c) Garantia, entendida como elemento fundamental de tutela das relações jurídicas, que assegura a aplicação das regras e procedimentos às transacções e trocas entre os agentes e os riscos da sua verificação ou não verificação, em ordem a assegurar uma estrutura de governação aos litígios e/ou interesses resultantes das referidas transacções.

Identificados estes valores, vamos proceder às áreas chave do nosso ordenamento jurídico onde vão incidir os indicadores que vão proceder à sua avaliação estratégica, segundo critérios de eficiência jurídico-económica.

Saliente-se que a eficiência do sector público é, constitucionalmente, uma incumbência prioritária do Estado, em matéria de organização económica (artº 81º alínea c) da Constituição da Republica portuguesa, adiante designada C.R.P.), o que abrange necessariamente a estruturação jurídica dessa organização. Assim, são apresentadas três áreas-chave, três institutos do nosso ordenamento jurídico onde vai incidir a avaliação estratégica. Tais institutos são:

a) Procedimento administrativo, na vertente da simplificação administrativa, virada essencialmente para a diminuição dos custos de coordenação entre entidades

relacionadas com a definição dos direitos e responsabilidades entre os agentes produtores de bens e serviços públicos, privados e de interesse colectivo para os “territórios turísticos”;

b) Propriedade, orientado especificamente para a sua homogeneização e facilitação das relações de troca e negociação entre intervenientes públicos e privados num dos recursos mais valiosos do “território turístico”: o solo, impondo o respeito por determinadas regras comuns;

c) Serviço público, na vertente da sua garantia, preocupado fundamentalmente com a estabilidade e segurança no acesso às fontes de financiamento e garantia da produção de bens e serviços públicos, privados e de interesse colectivo para os “territórios turísticos”.

Vamos, de seguida, caracterizar essas áreas-chave no ordenamento jurídico português e seleccionar consequentes indicadores aplicáveis, agregados nas já referidas categorias de poder de property rights institucionais, para permitir a sua avaliação, o que denominaremos componente estática do modelo estratégico de avaliação.

3.8.2.1.SIMPLIFICAÇÃO ADMINISTRATIVA.

Simplificar é, segundo Clarich (1998, cit. por Portocarrero, 2002), um conceito multiusos, polivalente, com o qual se visa basicamente aliviar o Estado do peso das regras, competências e funções supérfluas. A Autora assinala que, mais do que um conceito jurídico, a simplificação “apresenta-se como um caminho, que pode ser percorrido de diferentes formas, com diversos instrumentos (...) e, portanto, cuja fluidez de contornos cria sérias dificuldades no seu tratamento”.

A simplificação pode ser normativa ou administrativa. A primeira visa assegurar a compreensão, o acesso do cidadão ao Direito, com reforço dos componentes da sua clareza, rigor técnico e consistência, em ordem a evitar o estado de permanente modificação do ordenamento jurídico. O objecto desta temática, sendo importante para o contexto de uma Teoria da Legislação, estudando os meios de evitar a “sobrecarga do legislador”, transcende o objecto da nossa análise.

Na verdade, admite-se que a consideração da natureza especial do “território turístico”, enquanto organização mobilizada para a realização de fins específicos admitidos pelo decisor normativo, com a prevalência da liderança sectorial do turismo, consagrando a preferência de normas especiais sobre normas gerais (artº 7º nº 3 do C. Civil), constitui por si um esforço legislativo de manifestação de eficiência, de lei medida aplicável às características dos “territórios turísticos” enquanto organização. Não existindo tal instituto no nosso sistema jurídico, cingiremos a nossa análise à simplificação administrativa.

Entendemos simplificação administrativa em sentido amplo, ou seja, enquanto conjunto de mecanismos procedimentais, institucionais e organizativos que visam diminuir os encargos administrativos, enquanto custos para os produtores derivados do cumprimento de formalidades administrativas, de obrigação de prestação de informações, sujeição a ónus ou encargos, emissão de pareceres e decisões, ligados não só ao exercício de direitos e à prática de actos e actividades pelas entidades privadas, mas também aos processos de decisão de produção de bens públicos e ou colectivos de marcada dimensão social pelas entidades públicas.

A simplificação administrativa parece-nos constituir um imperativo constitucional. Dispõem os artºs 267º nº 1 e nº 5 da CRP que a Administração Pública será estruturada, de modo a evitar a burocracia, a aproximar os serviços das populações e a assegurar a participação dos interessados na sua gestão efectiva, sendo o processamento da actividade administrativa objecto de lei especial, que assegurará a racionalização dos meios a utilizar pelos serviços e a participação dos cidadãos na formação das decisões ou deliberações que lhes disserem respeito.

Essa lei especial é o Código de Procedimento Administrativo, adiante designado CPA, constante do D.L. nº 442/91,de 15.11.91, alterado pelo D.L. nº 6/96, de 31.01.96, que assegura no seu artº 8º, o princípio da participação dos particulares e associações que tenham por objecto a defesa dos seus interesses na audiência das decisões que lhes disserem respeito e no seu artº 10º, a estruturação da Administração de modo a aproximar os serviços das populações e de forma não burocratizada, a fim de assegurar a celeridade, a

O procedimento administrativo é entendido como a sucessão ordenada de actos e formalidades tendentes à formação e manifestação da vontade da Administração Pública ou à sua execução (artº 1º do CPA). Igualmente, merecem referência os princípios da eficácia e unidade de acção da Administração Pública (artº 267º nº 2 da CRP), remetendo- nos para os valores da hierarquia, unidade de comando e liderança, indispensáveis a qualquer organização administrativa.

Sendo o “território turístico” uma organização especializada e vocacionada para a obtenção de rendimentos (maxime, económicos e políticos) provenientes do turismo, são fundamentais valores como a coordenação entre entidades públicas e entre estas com entidades privadas na provisão de bens públicos, privados ou colectivos, em condições de eficiência e competitividade e com recurso a mecanismos contratuais que promovam a envolvência dos interessados.

Os procedimentos e a duração desses procedimentos são cruciais numa organização que se pretende flexível, ágil e dinâmica, na adaptação às necessidades dos mercados turísticos. Na verdade, a convocação que o sector público reclama ao sector privado para a formação e organização dos “territórios turísticos”, exige capacidade de adaptação a regras mais expeditas, céleres e eficazes de funcionamento na decisão pública.

Nigro (1986, cit. por Estorninho, 1999), afirma que, à medida que a Administração Pública privatiza cada vez mais a sua actividade, ou a contratualiza, o valor jurídico público de tal tipo de actividade deixa de poder ser encontrado no regime substancial da actividade e deve ser procurado para além dela e dos resultados, isto é, na organização.

Reforçam-se assim valores de justiça procedimental, em que as organizações se legitimam e ganham vida através da participação e confronto de todos os interessados envolvidos, para uma justa e original composição dos seus interesses. Como diz Moncada (2001), no sistema norte-americano da “legalidade procedimental”, “ a verdade não resulta da lei, mas do procedimento para a decisão final”.

Este Autor assinala alguns valores fundamentais de conciliação entre procedimento e eficácia, quais sejam, a concentração de elementos indispensáveis à decisão administrativa, com redução das entidades intervenientes na decisão e conformação de uma liderança hierárquica que preserve a unidade de comando, a de especialização, evitando reenvios inúteis e com admissão de ampla liberdade probatória aos interesses privados, priviligiando-se, afinal, a auto-tutela administrativa por estes, com normas técnicas e cláusulas de resolução arbitral de conflitos entre particulares e Administração Pública (v. sobre este tema, nos contratos administrativos (Esquivel, 2004).

Como refere Tavares da Silva (2000), interesses económicos ligados a questões técnicas, de informação e poder obrigam no ordenamento jurídico à consagração de soluções processuais de estrutura aberta, para que cada avanço tecnológico, ou de informação, não obrigue a uma reformulação integral dos diplomas legais.

A simplificação administrativa não pode ser só dirigida a entidades públicas ou à Administração. É fundamental a participação privada nos “territórios turísticos”. A mesma pode configurar várias técnicas de participação, em funções administrativas, com um adequado balanceamento de intervenção pública e privada.

Tal significa que as unidades de análise (categorias), que contêm os indicadores normativos (sim/não), pelos quais se processará a avaliação da simplificação administrativa, deverão ter presente um adequado equilíbrio e optimização dos interesses públicos e privados que reflictam as características dos “territórios turísticos”, enquanto organização, seleccionando-se quatro indicadores (dois públicos e dois privados) por cada variável de eficiência de poder.

Admite-se que esta construção não é só válida para a componente simplificação administrativa, mas também para as outras componentes da avaliação estática, ou seja, para a homogeneização da propriedade e para a garantia de financiamento/serviço público. Igualmente, o trabalho de Portocarrero (2002), sobre modelos de simplificação administrativa, enuncia técnicas de simplificação, designadamente:

a) Simultaneidade da prática de actos preparatórios (emissão de pareceres, por exemplo), que seriam escalonados no tempo para um só momento;

b) Comissões conjuntas para emissão de actos preparatórios ou avaliações técnicas; c) Encurtamento de prazos para situações especiais e procedimentos considerados

urgentes;

d) Conferências de serviços instrutórias e deliberativas nos procedimentos, em que existe reunião das entidades interessadas, tendo em vista acelerar um processo ou alcançar uma decisão final global, para um processo ou entre processos, baseados em modelos de coordenação, em que um órgão coordenador tem um poder instrutório ou decisório de superioridade em relação aos órgãos a coordenar;

e) Modelos de concentração, nestes, verificando-se através de um órgão composto por várias entidades públicas, uma unificação de competências, procedimentos e decisões.

Estas técnicas e instrumentos, foram aplicadas no D.L nº 285/2007, de 17.08.2007, sobre projectos de potencial interesse nacional, classificados de importância estratégica, a empreendimentos turísticos (artº 2º nº 4). Neste regime consagra-se, designadamente, a existência de um sistema procedimental de interlocutor único (artº 9º), conferências decisórias (artº 10º), simultaneidade de procedimentos (artº 12º), encurtamento de prazos de apreciação dos projectos, consulta pública e publicitação (artºs 13º e 14º).

Ferreira (2005) caracteriza o planeamento estratégico como processual/operacional, global e integrado, participativo e flexível, encontrando-se na simplificação administrativa uma ferramenta instrumental para o “contrato de gestão” entre actores políticos, económicos e sociais, que supõe o “território turístico” enquanto organização.

Assim se consagra a visão de Teubner (1993), de substituição de um direito de vocação universalista por um direito estratégico de organização em que não há óptimos sociais, mas sim esferas de comunicação auto-referenciais de componentes do próprio sistema jurídico, que obtêm a ordem em múltiplos equilíbrios na flutuação entre as suas estruturas económicas (entenda-se entre a hierarquia e o mercado) e as estruturas jurídico- institucionais, a que designámos variáveis de poder. Apresenta-se de seguida o quadro de

Figura 9

INDICADORES SIMPLIFICAÇÃO ADMINISTRATIVA (AVALIAÇÃO ESTÁTICA)

QUALIDADE TÍTULO SIM NÃO

Organismo ou órgão titular unificação competências procedimentos

decisões administrativas Organismo ou órgão público regras materiais

capacidade normativa/ regras processuais Competências resolução conflitos administrativas entidades públicas

entidades públicas/privadas Organismo privado regras materiais

capacidade normativa/ regras processuais competências resolução conflitos

administrativas entidades privadas Organismo ou órgão titular

entre associados/membros edição regras colectivas competências controlo regras colectivas

EXCLUSIVIDADE

Delimitação especial do processo objecto de intervenção Interlocução única com entidades públicas Interlocução única com entidades privadas Documento único para instrução procedimentos

TRANSFERIBILIDADE

Acreditação de entidade para exercício competências administrativas

Delegação competências entre entidades procedimentos

públicas decisões administrativas Delegação competências

para sector privado procedimentos

decisões administrativas Transferibilidade a favôr entidade privada

riscos execução tarefas administrativas

DIVISIBILIDADE

Delimitação responsabilidades tarefas administrativas entre entidades públicas é definida com objectivos no espaço e no tempo consensuais

Delimitação responsabilidades tarefas administrativas é definida com objectivos no espaço e no tempo consensuais entre entidades públicas e privadas entre entidades privadas Estabelecimento de parâmetros de decisão administrativa por objectivos

Estabelecimento de parâmetros técnicos na execução tarefas administrativas

DURAÇÃO

Diminuição prazos de procedimento e decisão nas decisões administrativas

Simultaneidade de procedimentos administrativos Previsão de mecanismos preventivos (ex: conciliação, mediação, arbitragem, publicação de projectos de decisão e contratos) de resolução de conflitos na decisão/

FLEXIBILIDADE SIM NÃO Estruturas de missão ou encarregados de missão

na articulação de várias entidades públicas públicas e privadas Utilização de conceitos indeterminados no procedimento administrativo para edição de regras materiais regras processuais regras resol. conflitos Contratualização regras específicas procedimento

nas decisões administrativas entre entidades públicas públicas e privadas Normas técnicas privadas ou colectivas (ex: normas de

qualidade) validadas pelo sector público

3.8.2.2.HOMOGENEIZAÇÃO PROPRIEDADE.

A propriedade é, como vimos (capítulo 2.3.), uma importante fonte de poder (Galbraith, 2007). Os usos admitidos, proibidos e condicionados do uso da terra e sua estrutura (grande propriedade, pequena propriedade) são fundamento, instrumento e demonstração de exercício de poder (Pearce, 1989, Hall, 1994).

Tal afigura-se-nos como uma constatação universal. Wilkinson (1998) assinala, nas ilhas de Yadua Taba (Fidgi), o pagamento a proprietários de compensações monetárias para não praticarem actos prejudiciais a uma certa espécie de iguanas. Em África, Scheyvens (2002) evidencia as diferenças entre países, quanto às ligações entre operadores turísticos e populações locais e quanto ao grau de controlo destas para receberem ou não compensações, provocadas pelo incremento da vida animal selvagem nas reservas naturais que provocam danos na agricultura, principal modo de subsistência dessas populações.

Já nos referimos, também (Capítulo 2.7.), à importância da intervenção no uso do solo para a implantação de grandes empreendimentos turísticos, sejam através de planos de urbanização (Vilamoura), seja através de parcerias público-privadas (La Grande Motte, em França), baseadas no princípio do contrato.

Em Portugal, um dos princípios fundamentais da organização económica é a propriedade pública dos recursos naturais e dos meios de produção, de acordo com o interesse colectivo (artº 80º alínea d) da C.R.P.).

Nessa sequência, o Estado preocupa-se, no respeito de zelar pela eficiência do sector público (artº 81º alínea e) da CRP) e o aproveitamento racional dos recursos naturais (artº 66º nº 2 alínea d) da CRP), que determinados bens sejam apropriados pelo domínio público (artº 84ºnº 1), desde logo, com interesse para o nosso estudo, as águas territoriais e seus leitos, bem como os lagos, lagoas e cursos de água e seus leitos, nascentes de águas minero-medicinais, as estradas, as linhas férreas nacionais (alíneas a); c); d) e e), mas de forma não taxativa, uma vez que prevê que outros bens como tal qualificados pela lei (alínea f), possam integrar o domínio público.

Para efeitos de inventário do património do Estado, o D.L. nº 477/80, de 15.10.1980, prevê uma série de solos e edifícios que integram o domínio público, acrescentando à Constituição, as margens das águas territoriais, os palácios, monumentos, museus, arquivos e teatros nacionais, os direitos públicos sobre imóveis privados classificados ou de uso e fruição sobre quaisquer bens privados e ainda as servidões administrativas e as restrições de utilidade pública ao direito de propriedade (artº 4º alíneas a); l); m); n) e o)).

O domínio público do Estado integra, pois, uma série de solos, bens e direitos sobre eles existentes, que compõem ou podem compôr uma parte importante e fundamental dos “territórios turísticos”: praias, paisagens protegidas, monumentos nacionais, bens de relevante valor histórico, arquitectónico ou cultural, vias de comunicação, redes de distribuição de energia eléctrica, que constituem uma importante fonte (pela propriedade) e instrumento (pelo simbolismo) de exercício de poder pelo Estado.

Tais bens de domínio público podem conviver com direitos de uso privados e bens privados (Moniz, 2005), tendo em vista um rendimento na experiência de consumo que se oferece ao turista nos “territórios turísticos”.

Várias técnicas são, assim, encontradas, permitindo essa exploração comercial: desde o conceito de domínio privado do Estado, aplicável ao jogo (artº 27º nº 1 do LCZJ) ou a apropriação pelo Estado de um determinado direito (ordenamento cinegético) e ainda a sua transferência, por concessão, para entidades privadas ou associativas (caça turística - artº 6º

aplicável, por exemplo, a zonas da orla costeira para instalação de restaurantes, toldos ou empreendimentos turísticos.

Como afirma Moisset (1999), “o turista passa de mão em mão, entre o sector público e o