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Territórios Turísticos e Contrato

A contratualidade é a forma principal de relacionamento entre os agentes económicos (Reis, 2007). Segundo este Autor, “a interpretação da Economia como ordem depende do acordo como critério de avaliação”.

A fragmentação de actividades económicas no Turismo (ex: transporte, alojamento, restauração, animação), a pluralidade consequente de agentes, a existência de domínios públicos e privados que operam no território, obrigam à necessidade de planeamento, interdependência e coordenação conjunta de actividades para o propósito de serviços

A coordenação conjunta de actividades para este propósito é, segundo Tremblay (1998), “o coração do sistema turístico”, constituindo o contrato o instrumento preferencial de coordenação do exercício de actividades económicas (Araújo, 2006).

As parcerias, entendidas como acordos devotados a fins comuns entre organizações independentes (Selin e Chavez, 1995) ou partilha voluntária de recursos entre duas ou mais partes, em ordem a atingirem objectivos colaborativos (Gray, 1985, Gulati, 1995) tornam- se, assim, essenciais em turismo.

A literatura existente (Getz e Jamal, 1995; Pearce, 1992; Long, 1994, Vernon, Essex, Pinder, Curry, 2005) destaca ainda o conceito de “problema domínio”, isto é, um problema que requer uma resposta inter ou multi – organizacional sobre um determinado assunto e cuja resolução afecta ou pode afectar interessados (stakeholders).

Investimentos em bens e serviços colectivos, para uma determinada área territorial, podem justificar a necessidade de colaboração entre entidades públicas, mormente, entre o Estado e entidades locais e regionais na aplicação local ou regional desses investimentos.

Como vimos a propósito das externalidades, os “territórios turísticos” pressupõem um certo “localismo”, pois os problemas das externalidades devem ser resolvidos ao nível (local) de onde emergem (Costa, 1996) e a maior parte das necessidades decorrentes da estadia turista podem e devem ser satisfeitas por organizações locais e ou regionais (Tubia, Arteche, 2000). A viabilidade do turismo e sua qualidade é determinada mais por circunstâncias locais do que por um quadro geral, de acordo com as opiniões de Riley, Szivas (2004).

Auboin e Moraud (2006) defendem que o contrato é o verdadeiro instrumento piloto do ordenamento e desenvolvimento dos territórios, salientando a sua aplicação a domínios fundamentais no desenvolvimento de actividades económicas e sociais, como a cultura, o desporto e o turismo.

Entre nós, podemos dar como exemplo desta colaboração e necessidade de coordenação entre entidades públicas na criação de “territórios turísticos”, a Resolução do Conselho de Ministros nº 139/2003,de 29.08.2003, que elege o Vale do Douro como zona de excepcional aptidão e vocação turística.

Nesta Resolução, são previstas medidas de coordenação da política a serem prosseguidas no âmbito de três Ministérios, com medidas de incentivo ao investimento turístico, investimentos em promoção e animação turística, dinamização da formação em hotelaria e turismo, melhoria das acessibilidades rodoviárias e ferroviárias e das condições de navegação fluvial e marítima, apoio a planos zonais agrícolas e florestais e a projectos de recuperação e valorização do património rural.

Todos estes investimentos, articulados através de uma estrutura de missão que funciona junto de um organismo desconcentrado, como seja, a Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional do Norte, são uma demonstração que, na génese dos “territórios turísticos”, existem problemas-domínio que geram a necessidade de acordos, parcerias, consensos entre entidades públicas, tendo em vista a partilha de fontes de financiamento e de decisão e projectos comuns que geram benefícios externos a um conjunto de actividades turísticas, com aproximação da decisão de investimento aos seus pontos de aplicação, através de estruturas de aplicação periféricas.

A Administração torna-se, assim, contratual, nas palavras de Auboin e Moraud (2006), sobrepondo-os os “territórios de projecto aos territórios de gestão” (Girardon, 2006). A expressão “território de projecto” é particularmente feliz a propósito dos “territórios turísticos”, sendo o contrato o instrumento preferencial para a sua implementação.

Bobela (2002) salienta o exemplo do contrato de investimento celebrado entre o Governo e a Imoareia, S.A., com vista à recuperação turística da península de Tróia e cuja minuta foi aprovada pela Resolução do Conselho de Ministros nº 22/2000,de 08.05.2000.

Neste caso, a empresa privada obrigou-se perante o Estado e demais contraentes públicos a construir um extenso leque de infra-estruturas, com a contrapartida do Estado a atribuir

uma série de concessões (v.g. jogo) e garantia do acesso a benefícios fiscais e incentivos financeiros, tendo o contrato como pressuposto a celebração prévia de um protocolo com o município competente, tendo em vista o futuro licenciamento de todas as obras necessárias.

Segundo o Autor, este exemplo evidencia a extraordinária capacidade de articulação, racionalização e planificação do contrato em matéria de liberdade avaliativa da administração (v. sob este conceito, Rebelo de Sousa, 2004), com intervenção simultânea de várias autoridades administrativas, a tramitação de diversos procedimentos decisórios e a intervenção contínua da Administração no quadro de processos em que se interrelacionam interesses públicos e privados de espécie diversa resultantes de projectos de investimento turístico. Sobre o contrato, enquanto fonte de planeamento e ordenamento do território, ver também o estudo de Miranda (2002).

Pearce (1989) dá-nos conta, em França, da parceria pública e público-privada montada para implementação do projecto de desenvolvimento turístico de La Grande Motte, no Languedoc-Roussillon, com planificação dos direitos e responsabilidades do Estado (formulação e coordenação global do plano, aquisição do solo) e de entidades regionais e locais (desenvolvimento de serviços e infraestruturas colectivas, como abastecimento de água, energia, comunicações, estradas, estacionamento), programando-se para mais tarde a intervenção do sector privado na construção de estruturas de alojamento, restauração, comércio e animação.

Quer a obtenção do contrato, quer o processo de concertação que lhe está subjacente, são igualmente importantes, pois, não se deve só atender ao “negotium”, mas também ao “instrumentum”, na expressão de Auboin e Moraud (2006), a fim que se veja o contrato como um mecanismo de carácter marcadamente organizacional (Administração concertada, na expressão de Nabais, 1994), que permanece sobre o “território turístico” em perpétua evolução e com capacidade de adaptação às mudanças das circunstâncias locais do turismo.

turísticos, em que o conteúdo material e documental do plano é oferecido às autarquias por empresas privadas (ex: Lusotur, S.A., em Vilamoura), depois de elaborado de acordo com critérios pré-definidos e sob a orientação daquelas (ex: Plano de Urbanização de Vilamoura-2ª Fase na Resolução do Governo nº 52/99,de 11 de Junho).

Por estes exemplos, verifica-se que o ordenamento jurídico pode ter implícita uma contratualidade subjacente, estendendo-se esta a todos os acordos associativos entre os agentes na coordenação económica.

Os “territórios turísticos” supõem uma contratualidade constituída, por um lado, por bens de domínio e titularidade pública (ex: em Portugal: orla costeira, monumentos nacionais, infra-estruturas), indispensáveis à reserva de poder da organização que gere aquele território, por outro lado, associados com investimentos de titularidade privada, que vão procurar a experiência consumo turística.

Tais investimentos (hotel, restaurante) vão valorizar aquele espaço dominial, com elementos cuja existência requer a concessão ou uma licença de uso privativo (Fernandes, 1991), permitindo às entidades públicas contrapartidas (v.g. rendimentos), sem prejuízo dos fins públicos a que os bens estão afectos.

O contrato de concessão administrativa, definido por Gonçalves (2004), como o acto ou negócio jurídico, através do qual uma entidade pública transfere para outra entidade o direito à exploração de actividades públicas ou procede à criação, na esfera jurídica de outra entidade, de direitos relativos à utilização de bens públicos, é, assim, um instrumento piloto para a criação de “territórios turísticos”.

Produtos turísticos, como o jogo, o termalismo ou a caça turística (v. Cunha, 1992), sujeitos a uma delimitação territorial reservada a favôr do Estado, encontram-se abrangidos por contratos de concessão, com direitos de utilização privativa a favor de entidades (maxime, privadas) que afectam tais bens directa ou indirectamente a um uso turístico, uso este protegido por cláusulas de exclusividade territorial. Assim o é, por exemplo, para as

zonas de jogo, cujo regime jurídico consta do D.L. 422/89,de 2.12.89, com ultima alteração dada pelo D.L. 40/2005,de 17.02.2005, adiante designado LCZJ.

As zonas de jogo têm regulamentação legal desde 1927 (v. Pina, 1988 e Coelho, 1992). A longevidade da sua existência e manutenção das suas características estruturantes merecem destaque no capítulo da análise histórica do ordenamento jurídico nacional (Capítulo 5).

As estâncias termais, também espalhadas por todo o país, têm cobertura normativa ao abrigo de concessões a favôr de estabelecimentos termais de emergências de água mineral natural (artº 2º alínea c) do D.L. 142/2004,de 11.06.2004 (LCZT) e as zonas de caça turística têm enquadramento jurídico, ao abrigo de contratos de concessão nos artºs 30º a 51º do D.L. nº 201/2005, de 24.11.2005,adiante designado LCZCT.

Podemos então, concluir, quanto ao entendimento da epistemologia do “território turístico”, que o mesmo resulta da intensidade de utilização de mecanismos de contratualização entre agentes interessados na captura de poder relacionados com a experiência de consumo turística.

O contrato é um espaço no qual se podem desenvolver relações de poder (Araújo, 2005) e a intensidade da sua utilização pode constituir um indicador importante da resolução de conflitos de poder num determinado território, retendo valor para todas as partes interessadas (Caalders, 2000).

O princípio do contrato significa a tradução que nenhuma organização ou indivíduo pode exercer controlo directo sobre os processos de desenvolvimento dos destinos turísticos (Getz, Jamal, 1995; Reed, 1997) e que distribuindo riscos, responsabilidades e recompensas entre as partes, constitui um instrumento fundamental de partilha de poder (Walsh et all, 1996).

As externalidades positivas e negativas como génese do território turístico, a articulação do contrato e a partilha do poder entre os agentes intervenientes para gestão e reprodução da

manutenção do funcionamento do território turístico, enquanto organização, poderão ser ilustradas através de uma figura (3) que a seguir se apresenta.

Figura 3

O FUNCIONAMENTO DO TERRITÓRIO TURÍSTICO

Pela presente figura, é explícito como o Poder representa uma função mediadora e distribuidora de recursos públicos e privados numa determinada estrutura espacial.

Na concepção de Alexander (2002), o Estado, pelo ordenamento jurídico e em sede de planeamento e ordenamento do território, assume uma função mediadora entre os produtores de espaço (agentes empresariais) e os consumidores (população residente).

Os exemplos que vimos, de contratualização subjacente a planos de urbanização de empreendimentos turísticos, as concessões administrativas, a complementaridade público- privada em projectos turísticos de grande dimensão, fazem destacar o papel do contrato como mecanismo fundamental de produção, mediação e distribuição de Poder nos “territórios turísticos”. Segundo Walsh et all (1996), o contrato é o apropriado meio de organização do serviço público em quase todas as circunstâncias.

Poder

Ordem Turistas População Residente Congestionamento Serviços Atracções Acessibilidades Promoção/ Distribuição Mutualidade Conflito Contrato Propriedade, Liderança Organização Recursos Públicos/Privados Segurança Tranquilidade Salubridade Infra-estruturas Administração Pública Sector Privado Comercial Organizações não Lucrativas

Estrutura Governança Bens Públicos Bens Colectivos

Como nota Summers (1982), numa democracia com economia de mercado, a maior parte do Direito toma a forma de arranjos privados entre privados e entidades públicas. A prevalência do contrato tende a favorecer atitudes que não são de todo normativas, isto é, dirigidas para a observância de certas normas, mas sim empresariais, ou seja, tendentes a obter lucro por meio de um uso criativo dos instrumentos jurídicos. O uso e o próprio cumprimento do Direito, torna-se no objecto de um cálculo jurídico (Ferrarese, 1997,cit.por Hespanha, 2007).

Hespanha (2007) refere que a busca sistemática de controlos e equilíbrios dos poderes públicos proporciona vários canais para a infiltração dos interesses privados na arena dos interesses públicos. A co-regulação, a auto-regulação, o lobbyismo legislativo e o direito judicial, entendido como forma de poder que arbitra interesses privados, são os canais pelos quais se manifestam tais interesses e se revela exercício de Poder.

O contrato possibilita a distribuição e repartição dos benefícios aos membros da organização resultantes da produção de investimentos colectivos, delimitando a área territorial e pessoal da organização, “a fim que as utilidades desses investimentos não caiam em significativa proporção fora das suas fronteiras, assegurando-se um nível óptimo de produção desses bens colectivos” (Olson, 2002) e, diríamos, da capacidade de reprodução da manutenção da estrutura das relações de poder, que assegura a duração da organização.

Vejamos agora um segundo instrumento ao entendimento das formas e processos pelos quais se estrutura um “território turístico”. Verificaremos que o mesmo será uma complementaridade do sub-capítulo anterior. Vamos analisá-lo de seguida.