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Turismo, Direito, Poder e Territórios

A literatura existente salienta a importância do território, enquanto primeira matéria-prima do turismo. Suporte de infra-estruturas de acolhimento e transporte e atractivo fundamental dos turistas ao consumo de paisagens naturais e construídas pelo homem (Giotart, Balfet, 2007), o “território turístico” é portador de diversas contradições e complexidades.

Pardellas, Piñero, Párdin (2000) e Mckercher (1999) salientam a contradição entre a natureza dos territórios naturais e culturais como bens públicos, ou seja, que não podem ser excluídos eficientemente do seu uso ou que tal uso reduza a quantidade desses bens disponíveis a outros cidadãos e a actividade turística privada que transforma tais bens em produtos turísticos, reservando o seu uso a turistas, excluindo terceiros do seu desfrute.

Silva e Perna (1999), por sua vez, salientam que, quanto mais bem sucedido for um local na oferta de um ambiente agradável para férias, mais visitantes atrairá e maior será o potencial de impactos negativos na qualidade ambiental do destino, qualificando-o como o “paradoxo do turismo”.

Caalders (2000) identifica necessárias tensões entre o desenvolvimento turístico bem sucedido, o que para a Autora geralmente significa maior número de visitantes e a manutenção das características de atractividade identitária e singular dos destinos.

Todas estas contradições, paradoxos e tensões implicam a necessidade de uma ordem, uma organização, diríamos, uma estrutura de Poder para resolver tais conflitos. Tal organização deverá elaborar, propor, operacionalizar e aplicar um sistema de valores apoiado no Direito sobre os recursos naturais, culturais e sociais que compõem aquela realidade (Auboin, Moraud, 2006).

As técnicas jurídicas deverão, assim, erigir os necessários monopólios de regulação restritiva para conciliar e resolver conflitos derivados, por um lado, das preocupações ambientais e culturais com os recursos naturais, culturais e sociais, por outro, com o

aproveitamento económico desses recursos desejado por agentes interessados nos processos de desenvolvimento turístico.

Os recursos, espaços e conceitos a ele ligados (sustentabilidade ambiental, património cultural, paisagens naturais) não são neutros, mas antes filtrados e transformados por um sistema de valores, apoiado numa ordem económica e social egoística e orientada para a manutenção da estrutura de Poder de uma organização ou organizações que vão construindo sucessivamente sua particular visão do território, seleccionando o acesso e controlando o exercício das actividades económicas, técnicas, sociais e culturais, consideradas turísticas e que podem ser desenvolvidas nos territórios.

“Recursos e ambiente não são”, eles transformam-se, segundo Telfer e Hashimoto (2004). Destino turístico não é, mas aquilo em que se torna (Tynsley, Lynch, 2001).

Como surge esta transformação? Poderá ser ela explicada do ponto de vista da Ciência Económica? Ou da Ciência Política? Qual o papel que pode ser atribuído ao território que constitui o objecto das relações de poder da organização? Como se explica a estruturação, pelo Direito, segundo princípios de eficiência dessas relações de poder?

A resposta a estas questões poderá ser-nos dada com recurso aos contributos da Economia Institucional e, em particular, das Teorias da Regulação, com particular atenção para os conceitos de externalidades ou efeitos externos.

Para Rodrigues (2007), externalidades referem-se aos custos ou benefícios que as actividades de algum agente impõem a terceiros, que não por via do sistema de preços, sem que esses terceiros sejam pagos por tais actividades ou tenham de pagar as mesmas.

Se a actividade produz benefícios para terceiros que deles usufruem sem nada pagar, temos uma externalidade positiva; se pelo contrário envolvem custos para terceiros que não são compensados pelo autor da externalidade, temos uma externalidade negativa.

A deslocação de turistas para uma determinada área territorial, envolvendo deslocações, concentrações, distracções e actividades de lazer diversas, provoca congestionamentos no uso do território e ameaças à ordem pública instituída sob aspectos de segurança, tranquilidade e salubridade públicas.

Problemas de poluição sonora (ruído), física (lixo) e visual (concentração de pessoas) constituem externalidades negativas e serão produzidas a um nível superior ao óptimo social (interesse público), se não existir organização ou organizações que as controlem, promovendo, entre outros, serviços de recolha de lixos, segurança e vigilância, limpeza e estacionamento, com forte incidência de actuação local (onde se produz a experiência de consumo turística).

Para Jamal e Getz (1995), os benefícios dos bens públicos, onde se inclui o turismo, porque envolvem efeitos de consumo externo numa pluralidade indeterminada de indivíduos, são candidatos a uma acção governativa, sendo uma organização estabelecida para controlar o risco dos efeitos de boleia e romper a inércia na prestação desses serviços pelos agentes privados (exs: custos de promoção turística internacional, procura de informação colectiva).

Tal ou tais organizações necessitam de regulação para se integrarem com êxito num ambiente incerto, caracterizado por contradições e conflitos. Todavia, é difícil, senão impossível, definir, numa perspectiva económica, interesse público. (Soares, 2007).

Como afirma este Autor, o processo regulador ocorre num mundo de ambiguidades, caracterizadas por relações de sofrimento e/ou dominação, onde ainda não é hoje possível à Ciência Económica escolher entre resultados que servem o interesse público, utilizando um critério estático ou uma função de bem-estar social democrática que permita objectivamente escolher entre resultados eficientes ou a determinação de equilibrio único que corresponda a esse interesse público.

O recurso a características de bens é, assim, uma tentativa de saída para o problema. Bonham e Mak (1996) defendem que a promoção turística primária de um território é um

bem público pelas suas características de não exclusão (promoção beneficia todos as empresas inseridas num território e não só as que contribuíram) e não rivalidade no consumo (utilidade disponível proporcionada pela promoção não é reduzida pela adição de mais empresas), o que gera o efeito de boleia na contribuição de outros privados, resultando num nível subóptimo de contribuição para a despesa na promoção.

Por outro lado e, atendendo aos motivos de procura do que é diferente e que estão na base da deslocação turística, a referida organização deve promover estímulos de prazer, através de símbolos que proporcionem uma experiência agradável ao turista. A oferta de símbolos e identidades culturais, religiosas, patrimoniais, entre outras, representam uma externalidade positiva, pois o território como um todo, terá algo a perder ao não permitir que nada seja sagrado (Silva, 2005).

As externalidades negativas e positivas marcadas por razões de sofrimento e/ou dominação são, assim, a razão de ser dos Governos (Tullock, 2005), a razão de ser do Poder que não tem outro fim, senão a efectividade da sua manutenção e, se possível, o seu alargamento. Para tal, segundo Habermas (1981, cit. por Hespanha, 2007), necessita de incrementar a eficiência dos processos pelas quais as sociedades e o poder garantem a sua reprodução (ex: controlo do ambiente e dos seus recursos, prestação serviços aos seus membros e transmissão valores culturais).

Concede-se aqui relevo a Russell (2004) e à sua Teoria do Caos, afirmando que as externalidades devem ser vistas como normais e devem ser significativas na moldagem do sistema turístico, do próprio território e, em consequência, dos territórios turísticos.

Paralela a esta ideia no campo jurídico, é o entendimento que o Direito se é sistema, também é desordem, porque se é à partida afirmação de valores, é de seguida, porque tem vocação para resolver casos concretos e precisos, baseado nessa desordem que ele pretende eliminar (Sueur, 2001). Com veemência, na construção da sua teoria das organizações, em que se incluem as noções de retroacção, regulação, controlo e finalidade, Morin (1977,cit.por Bertrand e Guillemet, 1994) afirma que é ao «desintegrar-se que o cosmos se

As externalidades, segundo Araújo (2005), não podem ser resolvidas eficientemente por um mercado, tornando-se necessário um sistema de governação, um arranjo institucional que enquadre a actividade em que as externalidades se produzem e que é relevante para a eficiência global dessa actividade.

O Turismo constitui, então, palco fértil para a constituição e manutenção de estrutura de relações de Poder numa ordem social, pela prestação dos processos colectivos acima referidos, dado o efeito de inércia que os agentes privados sentem atomisticamente, esperando que a prestação dos serviços que controlam as externalidades negativas e promovem externalidades positivas ao território, como um todo, pudesse ser comparticipada por outros agentes privados (o chamado efeito de boleia).

Assim, as instituições, entendidas como convenções em sentido amplo, que surgem de interesses comuns na existência de regras que assegurem a coordenação (Douglas, 2004), são endógenas nos processos de planeamento e desenvolvimento turístico.

Paralela à criação de infra-estruturas e serviços colectivos que geram um montante elevado de custos iniciais ou investimentos especializados em áreas “sofríveis” (ex: ambiente, património), a criação de instituições (regras do jogo) e organizações (jogadores), segundo a terminologia de North (1990), implicam um investimento, muitas vezes, só acessível a um único player, fruto dos efeitos de coordenação necessários para o efeito e que geram dinâmicas de irreversibilidade e recuperação a longo prazo desses investimentos.

A organização “território turístico” é, assim, impulsionada por uma lógica monopolística de efeitos de aprendizagem significativos, que decorrem das oportunidades proporcionadas por um quadro institucional inicial favorável, por regras formais e constrangimentos informais que penalizam comportamentos desviantes e por rendimentos crescentes, derivados dos efeitos positivos dos esforços de coordenação iniciais e que conduzem a expectativas auto-reforçantes (Soares, 2007).

Tais organizações para manterem o poder, reservam para si informação (que também é um bem público) que utilizam a seu favôr. Como nota Matias (2007), a informação incompleta é uma força aglomerativa, uma vez que na ausência de maior informação sobre o local de destino, o turista prefere confiar que a aglomeração do lado da procura aconteça por boas razões, isto é, que a grande procura de um local turístico, seja um reflexo da qualidade da oferta. Bens públicos, diz, também favorecem a aglomeração, pelas vantagens de escala e coordenação que permitem às unidades.

A regulação dos “territórios turísticos” revela, assim, características de retroacção positiva entre regulador e regulado, em ambientes dominados por rendimentos crescentes, economias de aglomeração, de dependência, de vizinhança, que tornam essa regulação “aprisionada”, “dependente da trajectória” e cujos fluxos são determinados em grande parte pela contingência, pelo decurso do tempo e pela história.

Ver-se-à, em especial, no capítulo 5, se o ordenamento jurídico nacional revela na sua evolução histórica, sinais de repetição de padrões de regulação ao longo do tempo nos processos de planeamento e desenvolvimento turístico. No Capítulo 7 sobre o estudo do Algarve, questiona-se se o processo de desenvolvimento turístico está “aprisionado” em algumas áreas territoriais e por alguns tipos de organizações, que beneficiam de um quadro regulatório eficiente na construção e manutenção das suas relações de poder.

Assim se entende o papel do Direito na configuração do sistema de governação, permitindo, não só, atribuir a uma organização ou organizações um poder para resolução do problema das externalidades, como também permitir a manutenção, com eficiência, da continuidade das relações de poder que estão subjacentes a esse sistema de governação.

Como dizem Presthus (1962) e Etzioni (1964) (ambos cit. por Pearce, 1992), a sociedade de hoje é uma sociedade organizacional e o turismo é uma parte da sociedade organizacional. Organizações supõem um sistema condicionado de actividades coordenadas de dois ou mais participantes, para atingir um ou vários objectivos comuns (Wright, 1977) em que se empenham, nomeadamente, quando estão convencidos que tais

objectivos comuns que visam a atracção e permanência dos turistas, também os vão favorecer.

Por tudo o que expusemos atrás, quanto à centralidade do Poder e do Território nas relações entre Direito e Turismo, entende-se, na acepção de Reis (2007), que a abertura de mercado proporcionada pelo turismo ao uso de recursos naturais, culturais e sociais, entre outros, constitui a primeira externalidade positiva, o primeiro incentivo ou valor a ser objecto de apreensão, pelo Direito, a favôr da aludida organização, em ordem à desejada retenção local das vantagens competitivas e dos benefícios dos processos de planeamento e desenvolvimento turístico (Costa, 2004).

Por outro lado, a experiência de consumo turística, provocando a necessidade de uma convocação simultânea de vários serviços (alojamento, restauração, animação, viagens) e de recursos naturais, culturais, ambientais, patrimoniais, entre outros, constitui outra externalidade positiva a apreender pelo Direito em ordem à integração de recursos, às parcerias, às complementaridades, ao incentivo de produção que, de outra forma, se deixado à livre decisão atomística de cada agente económico, não seria produzido.

Assim, pela revisão de literatura efectuada, entende-se que o Direito, para assegurar as vantagens do aumento do valor de uso dos bens e recursos convocados à experiência turística ou as vantagens inerentes à convocação simultânea de vários componentes da oferta turística na integração do processo de produção com o processo de consumo turístico, o que constituem vantagens competitivas e externalidades positivas, tem que assegurar, com eficiência e poupança de custos, a criação de uma organização ou acordo que retenha, com expressão territorial, os benefícios daí criados.

O Direito é convocado utilitariamente, pelas exigências dos processos de planeamento e desenvolvimento turístico, como instituição à retenção dessas vantagens, segundo um princípio de eficiência, na construção e manutenção das relações de poder entre uma determinada organização e o regulador (Estado), para justificar a retenção dos ganhos desses processos.

Não se entende que essa regulação vise um sentido de óptimo social, de puro equilibrio eficiente económico único. Como afirma North (1990), as instituições (onde se inclui a regulação) económicas eficientes são uma raridade, pois a maioria das vezes têm sido criadas para apoiar monopólios, impedir o desenvolvimento do capital humano, bloquear as mudanças tecnológicas. Reconhece o Autor, todavia, que as instituições que trabalhem em sentido oposto, são as que contribuem para melhores índices de desenvolvimento económico e social geral, concluindo que as instituições económicas eficientes dependem do crescimento eficiente dos mercados políticos, uma vez que é a estrutura política que estabelece as regras económicas e as sanções.

Daí que defendamos que a ordem intelígível, o sentido, o fundamento das relações entre Direito e Turismo, em áreas territoriais caracterizadas pela deslocação e/ou permanência de turistas, se baseia, não em princípios de eficiência económica, de sentido ou equilibrio único e/ou de óptimo social, mas sim de eficiência de variáveis de poder, com multiplicidade de vários equilíbrios possíveis entre regulador e regulados (maxime, organizações), onde se asseguram benefícios (em especial, económicos) a seu favôr.

O fundamento de tal poder consiste no controle de externalidades negativas e promoção de externalidades positivas, a gestão dos conflitos, com poupança de custos, na interacção produção/consumo turísticos e retenção dos benefícios originados pelo incremento do turismo ao valor de uso dos bens e recursos afectos à produção turística.

Como verificámos que o território é uma centralidade fundamental, quer no processo de produção e consumo turístico, quer na estruturação do próprio Poder, encontramos alguma segurança que nos permita abordar nas relações entre Direito e Turismo, o conceito de “territórios turísticos”.

Vamos de seguida, defender, delimitar e conceptualizar tal conceito, face ao conceito de destino turístico, preocupando-nos em fundamentar, com validação empírica, a existência do mesmo, através da identificação dos processos epistemológicos que estão na base da sua existência.