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3. OS SISTEMAS PENITENCIÁRIOS

3.1 Tipos de Sistemas Penitenciários

3.1.3 Sistemas progressivos

A adoção do sistema progressivo, logo após o abandono dos sistemas celular e auburniano, coincide com o apogeu da pena privativa de liberdade. Com efeito, no decorrer do século XX, as penas de morte, deportação às colônias e trabalhos forçados foram gradualmente abandonadas, impondo-se definitivamente a prisão como pena. Era necessário estabelecer, no entanto, um sistema de execução da pena de prisão que fosse superior aos anteriores e, de fato, buscasse a reabilitação do recluso e seu retorno, gradual, à sociedade.

Conforme explica BITENCOURT158, a essência do sistema progressivo consiste em

(...) distribuir o tempo da condenação em períodos, ampliando-se em cada um os privilégios que o recluso pode disfrutar de acordo com sua boa conduta e o aproveitamento demonstrado do tratamento reformador. Outro aspecto importante é o fato de possibilitar ao recluso reincorporar-se à sociedade antes do término da condenação. A meta do sistema tem dupla vertente: de um lado pretende constituir um estimulo à boa conduta e à adesão do recluso ao regime aplicado, e, de outro, pretende que esse regime, em razão da boa disposição anímica do interno, consiga paulatinamente sua reforma moral e a preparação para a futura vida em sociedade. O regime progressivo significou, inquestionavelmente, um avanço penitenciário considerável. Ao contrário dos regimes auburniano e filadélfico, deu importância à própria vontade do recluso, além de diminuir significativamente o rigorismo na aplicação da pena privativa de liberdade.

Como se observa, o sistema progressivo destaca-se, principalmente, por basear-se no arbítrio e vontade do condenado, razão pela qual referido sistema diminuiu o rigor na aplicação da pena privativa de liberdade e passou a almejar a reabilitação dos detentos sem a aplicação de

157 BITENCOURT, Cezar Roberto. Falência da Pena de Prisão. Causas e Alternativas. 4ª ed. 2ª tiragem. São Paulo: Saraiva, 2012. p. 96.

castigos severos, mas proporcionando, sobretudo, a progressiva reinserção do recluso no corpo social.

O sistema progressivo surgiu na Europa, possuindo, no entanto, várias manifestações, tanto que os autores costumam utilizar a expressão sistemas progressivos no plural para indicar que referido sistema penitenciário, a depender de onde foi instituído, possui características próprias, não obstante todos guardem entre eles uma característica comum: com o transcurso da execução da pena, o bom comportamento e o trabalho na prisão acarretam certos benefícios ao preso de maneira gradual.

Preliminarmente, destaca-se o Sistema de Montesinos, criado na Espanha. Para muitos, o efetivo criador do sistema progressivo foi o Coronel Manuel Montesinos e Molina, ao ser nomeado governador do presídio de Valência, em 1834.

O sistema de Montesinos estava inspirado em uma ideologia reformadora e humanista, centrado não no delito, mas sim na pessoa, tanto que se lia na entrada da prisão de Valência o seguinte lema: “A prisão sé recebe ao homem. O delito fica na porta” 159160.

Este sistema se dividia em três etapas: no primeiro período o apenado se dedicava à limpeza e a outros trabalhos interiores do estabelecimento; no segundo período, os internos se internos se entregavam ao trabalho, que abarcava não só a ocupação útil dos mesmos, mas também sua capacitação profissional, dada a variedade de oficinas que o estabelecimento possuía. O método que utilizava o Coronel Montesinos era conseguir que os condenados se interessassem pelo trabalho através de humanidade no trato, oferecendo-lhes descansos e comunicações com familiares. O terceiro período, denominado liberdade intermediária, não era outra coisa que o ensaio da liberdade, antes de fossem rompidos totalmente os vínculos do apenado com o estabelecimento161.

O sistema inglês progressivo ou mark system foi desenvolvido pelo Capitão Alexander Maconochie, no ano de 1840, na Ilha de Norfolk, na Austrália, para onde a Inglaterra enviava

159 “La prisión sólo recibe al hombre. El delito queda en la puerta” (Trad. livre).

160 FERNÁNDEZ GARCÍA, Julio. El Derecho Penitenciário. Concepto. In: BERDUGO GOMES DE LA TORRE, Ignacio (Coord). Lecciones y materiales para el estúdio del Derecho Penal. Derecho Penitenciário. Tomo IV. 1ª ed. Madrid: Iustel, 2010. p. 47.

seus criminosos mais perversos, quer dizer, aqueles que, depois de haver cumprido pena de transportation nas colônias penais australianas, voltavam a delinquir162.

O regime adotado na Ilha era severo, mas ainda assim não impedia fugas e sangrentos motins. Com a chegada de Maconochie, no entanto, houve a substituição da severidade pela benignidade e dos castigos pelos prêmios.

O sistema progressivo ou mark system (sistema de Vales) consistia em medir a duração da pena por uma soma de trabalho e boa conduta imposta ao condenado. Referida soma era representada por certo número de marcas e vales, de maneira que a quantidade de vales que cada condenado precisava para obter sua liberdade deveria ser proporciona à gravidade do delito.

Era creditado diariamente pelo seu trabalho e conduta uma ou várias marcas, deduzindo a alimentação e outros fatores. Em caso de má conduta era imposto multa. Somente as marcas remanescentes desse débito-crédito corresponderiam à pena a ser cumprida. Assim, a duração da condenação era determinada pela conduta de cada preso, por seu trabalho e pela gravidade do delito. Era o início, de certa forma, da condenação indeterminada, pois a duração da pena dependia fundamentalmente do mérito do apenado na prisão163.

O sistema feito por Marconochie era dividido em três períodos: o primeiro referia-se ao isolamento celular diurno e noturno e consistia em um período de provas, onde se esperava que o preso refletisse sobre o seu delito. O recluso era obrigado a trabalhar duro e alimentação escassa. O segundo período era caracterizado pelo trabalho em comum sob a regra do silêncio: o condenado era recolhido em um estabelecimento denominado public workhouse, onde se dava o trabalho em comum, sob o regime de silêncio absoluto e isolamento noturno. Neste segundo período havia a divisão em classes, sendo que os condenados, possuindo determinado número de marcas e depois de certo tempo, passavam a integrar a classe seguinte e assim por diante, até que finalmente, mercê de sua conduta e trabalho, chegavam à primeira classe, onde obtinham o ticket of leave, que dava lugar ao terceiro período, a sua liberdade condicional. Nesse período, o condenado obtinha sua liberdade limitada, com restrições que

162 BITENCOURT, Cezar Roberto. Falência da Pena de Prisão. Causas e Alternativas. 4ª ed. 2ª tiragem. São Paulo: Saraiva, 2012. p. 98.

deveria obedecer, além de ter vigência determinada. Se não houvesse nada que determinasse sua revogação, o condenado obtinha sua liberdade definitiva.

Marconochie teve grande sucesso, uma vez que produziu na população carcerária o hábito de trabalho, acabando assim com os motins e fatos sangrentos na ilha Norfolk. Com o tamanho sucesso foi designado para outra penitenciaria a de Birmigham, onde, contudo, não obteve o mesmo resultado, mormente em razão da burocracia e de entraves legais164.

O sistema progressivo irlandês, por sua vez, foi criado em 1854 por Walter Crofton, diretor das prisões da Irlanda, o qual introduziu o sistema progressivo nas referidas prisões com uma modificação fundamental no que tange ao sistema progressista de Maconochie. Crofton, pensando em preparar o recluso para seu regresso à sociedade, criou o estabelecimento de prisões intermediárias. Tratava-se, em verdade, de um período intermediário entre a prisão e a liberdade condicional165.

Assim, o sistema progressivo irlandês seja composto por quatro fases: a primeira e a segunda eram idênticas ao sistema inglês. A terceira fase, entretanto, ocorria entre a prisão comum e a liberdade condicional: o condenado permanecia em prisões especiais, onde trabalhava ao ar livre, no exterior do estabelecimento e, em gral, em trabalhos agrícolas. Neste período, a disciplina era mais suave e concedia-se aos condenados inúmeras vantagens, como não usar o uniforme dos presos, não receber punições corporais, dispor de parte da remuneração de seu trabalho, escolher a atividade laboral e poder comunicar-se com a população livre. Os reclusos, então, passavam a compreender que a sociedade estava disposta a aceita-los novamente sem qualquer reticência. Já quarta fase, relativa à liberdade condicional, era idêntica a do sistema progressivo inglês.

O sistema irlandês teve grande repercussão, sendo adotado em diversos países166. Hoje, entretanto, considera-se que referido sistema converteu-se em um sistema de individualização cientifica, embora mantenha muitas das características anteriores.

164 BITENCOURT, Cezar Roberto. Falência da Pena de Prisão. Causas e Alternativas. 4ª ed. 2ª tiragem. São Paulo: Saraiva, 2012. p. 98.

165 Id. Ibidem. p. 100. 166 Id. Ibidem. p. 102.

Não obstante, a efetividade do regime progressista tem sido questionada, assim como a efetividade da própria pena de prisão. A inexistência de condições mínimas de salubridade e as condições desumanas de muitos estabelecimentos prisionais, a despeito das premissas estabelecidas no sistema penitenciário progressista, fez com que a Organização das Nações Unidas elaborasse Regras Mínimas para o tratamento dos reclusos no interior dos estabelecimentos prisionais, a serem atendidas independentemente do sistema penitenciário adotado, como se verá na sequência.