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Teoria da prevenção geral positiva ou de integração

2. FUNÇÕES DA PENA

2.1 Teorias sobre as Funções da Pena

2.1.2 Teorias relativas ou utilitaristas

2.1.2.2 Teoria da prevenção geral positiva ou de integração

A teoria da prevenção geral positiva, embora se dirija a toda sociedade – e por isso geral – não vê a pena somente como ameaça, intimidação. Ao contrário, para os adeptos dessa teoria, a inibição da realização daquelas condutas tidas como intoleráveis pela comunidade se dá através da internalização ou interiorização do sentimento jurídico dessa comunidade.

60 ROXIN, Claus. Derecho Penal: parte general. Fundamentos. La estructura de la teoria del delito. 1 t. 2ª ed. Madrid: Civitas, 2008. p. 91.

61 OLIVÉ, Juan Carlos Ferré; NÚÑEZ PAZ, Miguel Ángel; OLIVEIRA, William Terra de; BRITO, Alexis Couto de. Direito Penal Brasileiro: parte geral: princípios fundamentais e sistema. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011. p. 202.

Pretende, pois, reafirmar a consciência social da norma ou confirmar sua vigência, por meio da imposição de sanções penais.

Com efeito, para os adeptos da prevenção geral positiva, mesmo após a prática da infração de uma norma, esta continua vigorando, sendo a pena, pelo seu aspecto positivo, necessária justamente para reafirmar tal vigência. A pena, portanto, não se dirige apenas aos eventuais delinquentes, mas sim a todos os cidadãos, na medida em que tem por objetivo confirmar sua confiança na norma.

Entre os teóricos dessa concepção destaca-se o espanhol José Antón Oneca, o qual defendeu, para a pena, funções ou efeitos pedagógicos ou moralizantes da sociedade, porquanto entendia como missão mais cara da pena a de refirmar a moral naquela parte em que é necessária para a manutenção e desenvolvimento da coletividade, asseverando que o temor que mesma infunde, assim como em todo sistema pedagógico, tem eficácia reeducadora62.

Outro grande expoente dessa teoria foi o alemão Hans Welzel, pai da escola finalista, o qual defendeu que a pena deveria assumir a função ético-social do Direito Penal, que pressupõe, entre outros objetivos, a conformação dos valores morais da comunidade, e somente em um segundo momento a proteção de bens jurídicos63.

Com o surgimento do funcionalismo e o desenvolvimento dessa concepção, os doutrinadores foram acrescentando às penas distintos efeitos, dentre os quais se podem destacar: o efeito informativo ou de aprendizagem (informa ao cidadão as condutas proibidas pelo ordenamento jurídico); efeito de confiança (restabelece a confiança no ordenamento); efeito de pacificação (restabelece a paz jurídica); efeito de fidelização (a pena fortalece uma atitude interna de fidelidade ao Direito); dentre outros.

Dentre as diversas posições funcionalistas que defendem a prevenção geral positiva, destacam-se duas vertentes, quais sejam a prevenção geral positiva fundamentadora e a prevenção geral positiva limitadora, que serão analisadas pormenorizadamente a seguir.

62 SANZ MULAS, Nieves. Alternativas a la pena privativa de liberdad: Análisis crítico y perspectivas de futuro en las realidades española y centroamericana. Madrid: Colex, 2000. p. 59.

63 OLIVÉ, Juan Carlos Ferré; NÚÑEZ PAZ, Miguel Ángel; OLIVEIRA, William Terra de; BRITO, Alexis Couto de. Direito Penal Brasileiro: parte geral: princípios fundamentais e sistema. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011. p. 204.

a) A Prevenção Geral Positiva Fundamentadora

A versão fundamentadora da prevenção geral positiva é especialmente defendida por Günther Jakobs, o qual reelabora a explicação dialética de Hegel e interpreta a pena como prevenção geral mediante o exercício de reconhecimento da norma e só de forma secundária como intimidação.

Jakobs foi discípulo de Welzel e, por isso, não é de se estranhar que sua visão acerca dos fins da pena se aproxime da concepção elaborada por seu mestre. Em verdade, Jakobs se aproxima de Welzel na medida em que atribui à pena a busca da fidelidade coletiva na manutenção das normas, porém, se distancia deste quando não considera que a finalidade última do Direito Penal seja a busca da proteção de determinados bens jurídicos, mas sim garantir a função orientadora das normas64.

Na realidade, Jakobs transporta para o Direito Penal, a seu jeito, algumas das formulações do sociólogo Niklas Luhmann (1927-1998), principalmente a sua caracterização nos sistemas- sociais, no marco do funcionalismo-sistêmico.

Com efeito, para Luhmann, os sistemas sociais são autopoiéticos – possuem a capacidade de se autorreproduzir – e são formados apenas de comunicação, única unidade capaz de produzir estes tipos de sistemas e de tornar possível a sua reprodução. Ademais, os sistemas sociais são operativamente fechados e trabalham apenas com suas operações, permitindo assim sua própria conservação. O Direito, nesse passo, também se afigura como um sistema comunicativo, autopoiético. É, pois, um sistema autorreferencial que processa autonomamente as informações, cria seus mundos de sentido, fixa seus objetivos e fins, constrói sua realidade e define suas expectativas. Para Luhmann, o Direito reduz o “caos” na comunicação entre os seres humanos, estabilizando determinados comportamentos e excluindo outros que não devem ir contra a interação social, e o faz a partir das expectativas. Com elas o “caos” causado pelo imprevisível, a total contingência, se vê substituída, na convivência social, pela

64 MIR PUIG, Santiago. El Derecho penal en el Estado social y democrático de Derecho. Barcelona: Ariel, 1994. p. 120-121.

ordem do esperado, do previsível65. O Direito, portanto, estabiliza a sociedade, orienta as ações e institucionaliza as expectativas.

A partir dessas premissas, Jakobs desenvolve sua teoria. Para ele, o comportamento humano deve ser visto como uma relação dotada de significado, ou seja, não deve ser visto somente como um sucesso externamente realizado, mas sim como uma relação desde a qual o homem previu ou pode prever o que a realização de seu comportamento significava. E, se esse significado entra em contradição com a norma, há uma ruptura da norma e sua validade é posta em questão. Nesse passo, a ação delitiva é apenas um sinal de rebeldia diante das expectativas estabilizadas na norma, que afirmam sua vigência contrafaticamente, é dizer com independência de que sejam ou não cumpridas66.

Para Jakobs67, portanto, a infração consiste na negação da norma, entendida como frustração da expectativa estabilizada contrafaticamente por ela68. Daí porque a única função da pena que tem sentido para Jakobs é, justamente, restabelecer a firmeza dessa norma que foi violada e que necessita, frente à violação, afirmar sua vigência: a pena existe, então, para caracterizar ao delito como delito, como confirmação normativa concreta da sociedade69. E a pena, nesse passo, restabelece a validade da norma tanto para a sociedade quanto para o infrator.

Como se observa, para o autor, a infração da norma implica em sua contradição e, ante a desautorização da norma, a pena deve entender-se como reação ao conflito. Com a imposição da pena se quer demonstrar que o comportamento infrator não é o determinante, mas sim a norma.

Com essa postura, Jakobs empresta um formalismo exacerbado ao Direito penal frente aos demais meios de controle social, retirando o individuo do centro do Direito e o convertendo

65 DEL NERO, Glauter; MARTINS, Fernanda Rocha; MAURICIO, Milene. Breves Notas sobre o funcionalismo de Roxin e a teoria da imputação objetiva. Revista Liberdades, n. 11. Disponível em: <http://www.ibccrim.org.br/site/revistaLiberdades/_pdf/11/integra.pdf>. Acesso em 08 mar. 2013.

66 DEL NERO, Glauter; MARTINS, Fernanda Rocha; MAURICIO, Milene. Breves Notas sobre o funcionalismo de Roxin e a teoria da imputação objetiva. Revista Liberdades, n. 11. Disponível em: <http://www.ibccrim.org.br/site/revistaLiberdades/_pdf/11/integra.pdf>. Acesso em 08 mar. 2013.

67 JAKOBS, Günther apud VIVES ANTÓN, Tomás S. Fundamentos Del sistema penal. Acción Significativa y Derechos Constitucionales. 2ª Ed. Valencia: Tirant lo Blanch, 2011. p. 451.

68“La infracción consiste en rechazo de la norma, entendido como frustración de la expectativa estabilizada contrafácticamente por ella” (Trad. Livre).

69 BERDUGO GOMES DE LA TORRE; Ignacio; [et. al]. Curso de Derecho Penal. Parte General. 2ª ed. Barcelona: Ediciones Experiencia, 2010. p. 122.

em objeto de abstrações normativas e instrumento de funções sociais. E é precisamente neste aspecto que repousam as críticas mais ferrenhas a postura jakobiana.

Com efeito, na prevenção geral positiva fundamentadora o homem deixa de ser meio para a intimidação, para se tornar meio através do qual se comunica a vigência da norma, não obstante, continua a ser instrumentalizado. Ademais, Jakobs não explica a necessidade da pena para desejada comunicação que, afinal, poderia ser alcançada através de outras soluções alheias ao sistema penal.

Outrossim, com a visão fundamentadora da prevenção geral positiva, o direito penal acaba por ter sua atuação ampliada, porquanto não é limitada pelo parâmetro de atuação conferido pela proteção subsidiária de bens jurídicos. Neste sentido, asseverou Ferrajoli70:

Com efeito, claro está que essa doutrina, ao reduzir o indivíduo à condição de “subsistema físico-psíquico”, funcionalmente subordinado às exigências do sistema social geral, é inevitavelmente solidária com modelos de direito penal máximo e ilimitado, programaticamente indiferentes à tutela dos direitos da pessoa. O ponto de vista da justificação externa, também neste caso, desaparece, sujeitando inteiramente ao ponto de vista interno, pouco importando se este, em vez de identificar-se com os costumes do Estado ou com qualquer pretensa moralidade intrínseca ao direito, transformou-se em simples instância funcional de autoconservação do sistema político.

A principal crítica à teoria da prevenção geral positiva fundamentadora refere-se, desse modo, à possibilidade dela ampliar a tendência da resposta penal diante dos problemas sociais, sendo, portanto, contrária ao Direito Penal mínimo. Além disso, a teoria fundamentadora, conduzida ao extremo, nega o critério de proporcionalidade entre a pena e a violação do bem jurídico tutelado pela norma71.

b) A Prevenção Geral Positiva Limitadora

A visão limitadora da prevenção geral positiva afigura-se como uma concepção que pretende não apenas fundamentar a pena, mas também limitar a intervenção estatal.

70 FERRAJOLI, Luigi. Direito e Razão: teoria do garantismo penal. 3ª ed. rev. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010. p. 257.

Com efeito, o surgimento desta teoria está intimamente ligado à premissa de que as outras teorias preventivas (prevenção geral negativa, prevenção geral positiva fundamentadora, prevenção especial, etc.) tendem a ampliar, sobremaneira, a atuação do direito penal.

A prevenção geral positiva limitadora parte, em razão do exposto, de uma interpretação do Direito penal como meio de controle social formal, vinculado a normas e, por conseguinte, limitado, vez que a intervenção punitiva recai sobre os direitos individuais da pessoa.

Destarte, para os adeptos dessa teoria a imposição de uma pena deve respeitar os princípios regentes do direito penal e, principalmente, o limite da culpabilidade, além de guiar-se pela proteção subsidiária de bens jurídicos. Ademais, a pena deve dirigir-se a toda a comunidade, tendo como objetivo estabilizar a consciência no direito, ou melhor, reafirmar os valores da sociedade afrontados pelo crime, valores estes com sede nos direitos fundamentais previstos na Constituição Federal.

Neste sentido, Winfried Hassemer72, para quem

o direito penal deve influir para afirmar e assegurar as normas que a sociedade considera indispensáveis, perseguindo o assentamento social das normas, influenciando dessa forma em outros processos e setores de controle social distintos do Direito penal. Por esse motivo a norma penal deve reforçar a consciência jurídica dos cidadãos, e sua disposição para cumprir as normas, exercitando nelas a fidelidade ao Direito. Essa interpretação apresenta-se como limitadora, porque ao ser o Direito penal um instrumento de controle social formal, está submetido aos limites e controles que correspondem ao sistema penal próprio de um Estado de Direito. Dessa forma, criam-se limites decorrentes dos princípios de proporcionalidade, culpabilidade ou ressocialização.

A concepção limitadora da prevenção geral positiva, como se vê, é muito mais respeitosa com a individualidade do criminoso frente ao sistema social que a versão apresentada por Jakobs e, além disso, se apresenta muito mais democrática, na medida em que inscreve a legitimação do direito de punir dentro dos limites e princípios de um Estado social e democrático de Direito. Princípios, como o da necessária proporcionalidade entre o delito e a pena, se transformam, para os adeptos dessa concepção, em limites a exasperação da prevenção em uma sociedade que é fundamentalmente dinâmica.

72 apud OLIVÉ, Juan Carlos Ferré; NÚÑEZ PAZ, Miguel Ángel; OLIVEIRA, William Terra de; BRITO, Alexis Couto de. Direito Penal Brasileiro: parte geral: princípios fundamentais e sistema. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011. p. 205.