• Nenhum resultado encontrado

CONCEITO, OBJETO E FINALIDADE DA PROVA NA ATIVIDADE

CAPÍTULO II: OBJETIVIDADE NA DISCIPLINA JURÍDICA DA PROVA AFINAL, O

4. CONCEITO, OBJETO E FINALIDADE DA PROVA NA ATIVIDADE

O conceito de prova – repita-se – não pertence apenas às ciências jurídicas. “Por conta dessa assertiva é que se multiplicam os conceitos relativos à prova, uns a descortinando como afeta – e simplesmente afeta – à realidade processual; outros a considerando como fato externo, não necessariamente com repercussão processual. 64

O magistério de Francesco Carnelutti é o de que

64 FILHO, Misael Montenegro. Curso de Direito Processual Civil. 4. ed. São. Paulo: Atlas, 2007, pág. 427. 3v.

... na linguagem comum, prova se utiliza como comprovação da verdade de uma proposição; somente se fala de prova a propósito de alguma coisa que foi afirmada e cuja exatidão se trata de comprovar; não pertence à prova o procedimento mediante o qual se descobre uma verdade não afirmada senão, pelo contrário, aquele mediante o qual se demonstra ou se encontra uma verdade afirmada.65

Esse caráter plurifacetário de prova conduz a um surgimento de várias correntes que lançam sua versão para a conceituação do instituto. Para alguns autores, como Dante Barrios de Angelis, Eduardo Cambi, Antônio Carlos de Araújo Cintra e Ovídio A. Baptista da Silva, o conceito de prova é ligado a atividade, meio e resultado.

a) Como atividade, para designar o ato de provar;

b) Para designar o meio de prova; ou

c) Para designar o resultado obtido através dos meios de prova utilizados.

Essas três acepções do conceito de prova, são, para Reichelt, recorrendo às lições de Eduardo Cambi, entendidas da seguinte forma:

...como atividade, a prova é sinônimo de instrução ou conjunto de atos, realizados pelo juiz e pelas partes, com a finalidade de reconstrução dos fatos que constituem o suporte das pretensões deduzidas e da própria decisão. (...) Como meio, a prova é vista como um instrumento pelo qual as informações sobre os fatos são introduzidas no processo. (...) Como resultado, prova é sinônimo de êxito ou de valoração consubstanciado na convicção do juiz.66

Tratando da matéria, o nosso Código de ritos adotando a teoria tripartite, cuidou de disciplinar a matéria em diversos artigos:

O ato de provar, presente no art. 373 (Lei 13.105/2015)67, em que se observa a regra geral do ônus probatório, facilitando o entendimento de que a

65 CARNELUTTI, Francesco. A Prova Civil. Campinas: Bookseller, 2002, pág. 67.

66 REICHELT, Luis Alberto. A Prova no Direito Processual Civil. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2009. Pág. 46.

67 Art. 373. O ônus da prova incumbe: I – ao autor, quanto ao fato constitutivo de seu direito; II – ao réu, quanto à existência de fato impeditivo, modificativo ou extintivo do direito do autor.

prova é uma atividade; o meio de prova, está presente na dicção dos arts. 370 e 372 (Lei 13.105/2015)68; e, o resultado, como bem se pode ver no art. 371 (Lei 13.105/2015).69

Quando se fala em prova, é comum associá-la à ideia de reconstrução de um fato ocorrido no pretérito. Entretanto, é impossível a reconstrução dos fatos tal como aconteceram, porque não há como recuperar todas as nuances do momento da realização do referido fato. Os fatos são acontecimentos que, no instante imediatamente posterior a sua ocorrência deixam de existir, dando lugar a dados, registros, comprovações, que formarão o conjunto probatório que servirá para alicerçar o convencimento do magistrado. Esses registros chegam, invariavelmente, imbuídos de impressões e valores daqueles que com eles tiveram qualquer contato. Portanto, a verdade, analisada em um plano teórico, conduz à noção da correspondência entre o que ocorreu no mundo fenomênico (fatos) e o juízo formado pelo julgador; já certeza da prova é algo subjetivo, que toma conta do julgador quando este crer estar arrimado na verdade. A prova não fornece ao magistrado o perfeito conhecimento da verdade ou o perfeito domínio da certeza, mas conduz à identificação de qual a versão apresentada dos fatos oferece maior probabilidade de corresponder ao que realmente aconteceu. A afirmação de Carnelutti é a de que: “Provar, de fato, não quer dizer demonstrar já a verdade dos fatos discutidos, e sim determinar ou fixar formalmente os mesmos fatos mediante procedimentos determinados”.70

Segundo Luiz Guilherme Marinoni e Sérgio Cruz Arenhart, “a prova em direito processual, é todo meio retórico, regulado pela lei, e dirigido, dentro dos parâmetros fixados pelo direito e de critérios racionais, a convencer o Estado-juiz da validade das proposições, objeto de impugnação, feitas no processo.”71

68 Art. 370. Caberá ao juiz, de ofício ou a requerimento da parte, determinar as provas necessárias ao jul- gamento do mérito.

Art. 372. O juiz poderá admitir a utilização de prova produzida em outro processo, atribuindo-lhe o valor que considerar adequado, observado do contraditório.

69 Art. 371. O juiz apreciará a prova constante dos autos, independentemente do sujeito que a tiver pro- movido, e indicará na decisão as razões da formação de seu convencimento.

70 CARNELUTTI, Francesco. A Prova Civil. Campinas: Bookseller, 2002, pág. 72.

71 MARINONI, Luiz Guilherme e ARENHART, Sérgio Cruz. Prova. São. Paulo: Revista dos Tribunais., 2010, pág. 57.

Diante dessa impossibilidade de se aferir diretamente o fato que se pretende ver provado nos autos, utiliza-se uma via indireta de conhecimento, que é feita através de raciocínio específico, expresso no silogismo: premissa maior, premissa menor e conclusão.

A premissa maior congrega o juízo mais abrangente, o princípio que contém a ilação sobre a qual pretende se estabelecer a conclusão. A premissa menor é um juízo declaratório da continência que se realizou.

As provas indiretas são frágeis, são verdadeiros fragmentos de fatos, razão pela qual devem ser analisadas com muita prudência.

O conhecimento humano possui limites, e, portanto, não há como pretender reconstituir verdadeiramente os fatos ocorridos no pretérito, que servirão de supedâneo para formação do conjunto probatório. No processo civil atual, a prova destina-se a fornecer subsídios ao juiz para a formação de seu convencimento sobre as premissas que integrarão o “decisum” e, certamente, possuirão a maior aproximação possível com a realidade ocorrida no mundo exterior ao processo.

A doutrina atual vem deixando de lado a atividade exclusiva de subsunção de aplicação do Direito, pois o exame das questões de fato que são trazidas ao judiciário, face ao enfrentamento com as questões de direito vem- se tornando incompatíveis com a aplicação desse juízo de conformidade entre a premissa maior e a premissa menor. A velocidade com que ocorrem as mudanças na sociedade reclama que a aplicação do direito seja feita de forma sistêmica. Há a imperiosa necessidade de se revitalizar os conceitos afeitos ao direito probatório. Em outras palavras:

É necessário reconhecer que o fenômeno probatório assume atualmente um caráter multifacetário, capaz de imprimir à figura, conforme o ponto de vista da decisão judicial – eleito por ser. Afinal, o escopo do processo de conhecimento, e o principal aspecto de preocupação do processualista nesse campo – tem-se que a prova pode resumir-se em um aspecto argumentativo-retórico, apto a justificar a escolha de uma das teses apresentadas pelas partes no processo. Nas palavras de Michele Taruffo, a prova assume, nesta perspectiva, a função

de fundamento para a escolha racional da hipótese destinada a constituir o conteúdo da decisão final sobre o fato.72

4.2 Objeto

Todos os fatos do mundo fenomênico, podem ser objeto de prova, mas nem todos interessam ao mundo do direito.

A prova jurídica se diferencia da ideia de prova dos outros ramos do saber, pois sua

estrutura argumentativa vem regulada por normas jurídicas nas quais vem veiculado o acolhimento, pelo ordenamento jurídico, de orientações originalmente situadas no plano da lógica e da ética. Essa regulação, por sua vez, traz como consequência a limitação das possibilidades de conhecimento em relação a uma realidade histórica investigada.73

Para que o Estado venha intervir nas relações ocorridas na sociedade e cumprir a missão constitucional de prestar a jurisdição, é necessário o exercício do direito subjetivo de ação, manifestado através do ajuizamento de uma demanda perante o judiciário. Através desta demanda os fatos são alegados por uma parte e impugnados pela outra, cabendo ao juiz dizer qual das afirmações é mais verossímil, depois de analisado todo o arcabouço probatório. O juiz deverá, assim, conduzir todo o processo em perfeita atenção aos direitos fundamentais consagrados na Constituição Federal, em seu art. 5º.

Provar é demonstrar que as afirmações (argumentação) acerca dos fatos discutidos no processo são verdadeiras, retas, corretas. Assim, indiscutível a afirmação dos Professores Luiz Guilherme Marinoni e Sérgio Cruz Arenhart de que a prova destina-se a testificar as afirmações que são feitas a respeito dos fatos. É trazer os fatos que se passaram fora do ambiente do processo para serem analisados sob sua batuta.

, 72 MARINONI Luiz Guilherme e ARENHART, Sérgio Cruz. Processo de Conhecimento. 9. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais. 2v. pág. 263.

73 REICHELT, Luiz Alberto. A Prova no Direito Processual Civil. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2009. Pág. 112.

O objeto da prova é, por assim dizer, as alegações que são feitas sobre determinado fato, e não o fato em si.

Dizem os citados autores que o objeto da prova consiste na alegação de um determinado fato que, em certo momento, assumindo importância jurídico-processual e, carece de demonstração da veracidade de sua alegação. “Não se prova que o direito existe, mas sim que a afirmação de que o direito existe é verdadeira, declarando-se a existência do direito.” 74

De acordo com Ovídio A. Baptista da Silva, “hão de ser objeto de prova apenas os fatos em que se funde a ação ou a defesa, o que significa dizer que apenas os fatos relevantes para a decisão da controvérsia devem ser provados”.75 Para o mestre italiano Francesco Carnelutti, tratando do tema “... são chamados fatos controvertidos, que constituem a regra em matéria de prova. O juiz encontra-se aqui frente a afirmação de uma parte e a negação da outra, ou seja, diante da discussão de um fato”. 76

Os fatos podem ser considerados principais ou secundários. Os primeiros (também chamados de essenciais ou diretos) são aqueles que necessariamente devem integrar a petição inicial e a contestação, pois são eles que irão demonstrar a verdade dos argumentos expendidos pelas partes em suas alegações.

Constituem os fatos principais, assim, os elementos necessários à aferição, pelo juiz, da verossimilhança das alegações dos fatos trazidos pelo autor como embasamento de seu pedido, bem como da argumentação trazida pelo réu em sua peça contestatória.

Existem ainda os fatos secundários, chamados de indiciários. Não demonstram cabalmente a verdade dos fatos alegados, mas são utilizados indiretamente para o convencimento do juiz. O fato secundário não precisa ser alegado, pois destina-se a testificar a veracidade da afirmação contida no fato principal.

74 MARINONI Luiz Guilherme e ARENHART, Sérgio Cruz. Prova. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010, pág. 98.

75 SILVA, Ovídio Baptista da. Curso de Processo Civil. Sergio Antonio Fabris Editor. Porto Alegre, 1987. 1v. pág. 279.

Analisando os fatos que farão parte do conjunto probatório dos autos, a doutrina pátria, reclama que devem possuir determinadas características: devem ser controvertidos, relevantes e determinados.

A controvérsia é necessária, pois, se não houver o confronto das alegações das partes, não haverá necessidade de produção de prova, pois os fatos considerados incontroversos não necessitam de prova, a teor do que dispõe o art. 374, II e III do CPC. Entretanto, existem algumas exceções à regra, como os fatos intuitivos, bem como aqueles decorrentes de uma presunção legal.

São relevantes os fatos que possuem íntima relação com os fatos alegados, e possam influir decisivamente no deslinde da causa.

Os fatos determinados são aqueles facilmente identificáveis no espaço e no tempo. Daí resulta que os fatos indeterminados ou indefinidos são impossíveis de figurar no rol das provas.

Argumente-se ainda com a existência de fatos que independem de prova. Para eles chama a atenção o art. 374 do Código de Processo Civil/2015, repetindo o texto do CPC/73, que elenca o rol dos fatos que independem de prova. São eles:

1. os fatos notórios;

2. aqueles que são afirmados por uma parte e confessados pela outra;

3. os fatos que não foram contestados ou considerados incontroversos; e

4. aquele fato em cujo favor milita presunção de existência ou veracidade.

São notórios os fatos que são atestados facilmente através da “cultura normal própria de um determinado grupo social no momento em que se produz a decisão judicial.”77

77 DIDIER JR., Fredie; BRAGA, Paula Sarno e OLIVEIRA, Rafael Alexandria de. Curso de Direito Pro-

Para Didier, os fatos notórios devem possuir as seguintes características:

a) relatividade, considerando-se que um fato para ser notório não precisa ser conhecido pela a totalidade das pessoas, podendo ser conhecido apenas por determinado grupo de pessoas de um segmento da sociedade;

b) para que o fato seja notório, é preciso que seja conhecido;

c) para a obtenção da notoriedade, não há necessidade de ter com o fato da causa uma relação direta.

Interessante ressaltar que a notoriedade pode ser reconhecida de ofício, devendo o magistrado, facultar às partes o pronunciamento sobre a notoriedade afirmada (art. 10 do CPC/2015). Se houver a afirmação da notoriedade de um fato por uma das partes, e a outra permanecer silente, mesmo intimada para se pronunciar, este fato tornar-se-á incontroverso.

Tratando-se dos fatos alegados por uma parte e confessados pela parte contrária, comungamos com a posição de Didier, quando afirma o citado autor que o legislador utilizou uma expressão infeliz quando disse que os fatos confessados independem de prova. Afinal, a confissão é um meio de prova.

Os fatos não incontroversos independem de prova exatamente porque sobre eles não existe nenhuma dúvida.

As presunções legais são regras que possibilitam adotar uma posição em relação à ocorrência de determinado fato, sendo incerta a sua ocorrência.

As presunções podem ser absolutas (iuris et de iure), quando não admitem prova em contrário. E podem ser relativas (iuris tantum), quando são considerados determinados fatos, até prova em contrário.

4.3 Finalidade

Por meio das alegações das partes, sobre as situações que embasam as teses postas na demanda judicial proposta, instala-se, especialmente no processo de conhecimento, a fase probatória, em que se busca a comprovação de que as alegações são verossímeis.

A prova, em um enfoque atual, não se presta a reconstrução dos fatos que servirão de supedâneo para a comprovação do alegado e sobre os quais incidirá a regra jurídica abstrata, concretizada através da sentença prolatada no caso sub judice. “... torna-se necessário buscar a finalidade da prova à luz das idéias contemporâneas sobre o conhecimento. A função da prova é se prestar como peça de argumentação do diálogo judicial, elemento de convencimento do Estado-jurisdição sobre qual das partes deverá ser beneficiada com a proteção jurídica do órgão estatal.” 78

A prova assume aparência de argumento retórico, pois se traduz mesmo num verdadeiro elemento que produz a argumentação que servirá para convencer o magistrado (destinatário das provas) acerca da verossimilhança das alegações. É um meio retórico, que tem por finalidade antes mesmo de pretender a reconstrução dos fatos, estabelecer um diálogo entre as partes contendoras e o Estado-juiz. Para Luiz Guilherme Marinoni e Sérgio Cruz Arenhart,

“se a linguagem é necessária para a expressão de uma idéia ou de uma proposição, a retórica se impõe como forma de estabelecer essa linguagem entre os sujeitos do diálogo, para o fim de lograr o objetivo inicialmente concebido para a proposição (e também para a prova): o convencimento”.79

Didier, servindo-se do posicionamento de Echandia, elenca três teorias que explicam a finalidade da prova. A primeira delas é a que afirma ser a finalidade da prova o estabelecimento da verdade no processo; a segunda delas entende que a prova tem por fim representar formalmente os fatos; e a

78 MARINONI, Luiz Guilherme e ARENHART, Sérgio Cruz. Prova. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009, pág. 51.

terceira, para quem a finalidade da prova é produzir o convencimento do julgador.

Para o autor citado, a primeira das teorias não se sustenta, pois “a verdade é uma noção ontológica, objetiva, e o conhecimento que cremos ter dela é subjetivo.”80

A segunda teoria, também é rechaçada, ante o argumento de que não há como admitir-se que sejam fixados critérios para reputar-se formalmente demonstrados os fatos no processo.

A terceira teoria, estabelece que a finalidade da prova é formar o convencimento do magistrado, quanto às alegações dos fatos sobre os quais se sustenta a atividade probatória.

E vai mais além o citado autor, chamando a atenção para um aspecto de relevância no trato da prova. É que a prova deve ser analisada pelas partes, para que não apenas o julgador forme seu convencimento, mas que as partes contendoras também formem o seu convencimento sobre os fatos disputados.

As versões apresentadas pelas partes devem somar-se à postura ativa do juiz no comando do processo probatório, em busca da verdade possível. Vê-se, que não mais existe a preocupação com a reconstrução dos fatos que ficaram no passado, mas com a efetivação do diálogo argumentativo. Argumentação e persuasão devem ser utilizadas na obtenção da versão mais provável, ou mais aproximada da verdade.

Sempre se afirmou que o destinatário da prova era o julgador. Entretanto, com o advento da Lei nº 13.105/2015, esse entendimento modificou-se. Fala-se que a prova deve servir para o convencimento do juiz e das partes.

80 DIDIER JR, Fredie; BRAGA, Paula Sarno e OLIVEIRA, Rafael Alexandria. Curso de Direito Proces-