• Nenhum resultado encontrado

CAPÍTULO II: OBJETIVIDADE NA DISCIPLINA JURÍDICA DA PROVA AFINAL, O

3. EVOLUÇÃO HISTÓRICA DA PROVA

A prova jurídica, no seu modelo atual, é fruto de um processo evolutivo, que congregou valores e também orientações de cunho lógico da nossa realidade cultural. A análise histórica da prova é fundamental para a compreensão do instituto, pois nos faz perceber quanto foi duro o caminho percorrido pelo direito probatório até os dias atuais.

No latim, o vocábulo masculino probus, significa aquilo que é bom, reto, correto, honrado, indicando, assim uma ideia de autenticidade. Todo esse conteúdo parece ter sido arrastado para a forma feminina do mesmo adjetivo (proba). Não fosse assim, e os latinos jamais teriam formulado a parêmia

allegare sine probare et non allegare paria sunt (alegar sem provar e não alegar é a mesma coisa).

No direito romano a evolução da prova passou por três períodos: a) o período arcaico ou antigo (iniciado desde a presumida fundação de Roma em 753 a. C., até a segunda metade do século II a. C.); b) o período clássico (que teve seu início a partir do advento da Lex Aebutia, editada no período compreendido entre os anos de 149 e 125 a. C., até o século III d. C.), e, c) o período tardio ou pós-clássico, iniciado no ano aproximado da morte de Modestino, em 240 d. C.

O direito romano antigo desenvolveu-se numa sociedade eminentemente voltada para as atividades agrárias, com especial culto da religiosidade, sem esquecer o caráter místico que influenciava as relações cotidianas. A prova obtida com base em elementos místicos (tais como maldições, adivinhações, encantamentos, sinais, esconjurações) foi largamente utilizada pelos primórdios do direito romano.

59Disponível no sítio eletrônico

<http://www.abdpc.org.br/abdpc/artigos/S%C3%A9rgio%20Cruz%20Arenhart(2)%20- %20formatado.pdf>

No primeiro período preponderavam as ações da lei ou legis actiones; o segundo período foi conhecido como processo formular, ou per formulas, enquanto que o terceiro período foi conhecido pelo nome de cognitio extra ordinem ou cognitio extraordinaria.

Considerando-se a evolução probatória no direito processual civil romano nesses períodos, destacam-se algumas peculiaridades:

Nos períodos das legis actiones e do processo formular, a atividade instrutória tomava lugar na fase in iudicium, e a tarefa do juiz (em tal estágio do ordo iudiciorum privatorum) era a de saber se os fatos com base nos quais as partes se sentiam impelidas a fazer as suas alegações haviam existido e se efetivamente justificavam as suas conclusões relacionadas à actio intentada.60

Quando vigiam as legis actiones o juramento, a confissão e o testemunho eram os meios de prova admitidos, sendo este último considerado o mais importante. Já a prova documental passou a ser admitida desde o advento do período formulário, ganhando, juntamente com a prova testemunhal, ares de superioridade. O período da cognitio extraordinaria reforçou ainda mais a importância da prova documental.

Durante a vigência das legis actiones não havia o confronto de duas teses, pois a formação do convencimento judicial era realizado a partir de sinais divinos ou procedimentos similares. Inexistente qualquer traço de racionalidade, as decisões eram completamente desprovidas de logicidade, não havendo relação causal ou motivacional entre as provas e as decisões.

Por ocasião do período formulário houve a forte influência da retórica sobre o direito probatório, e o completo abandono do sistema anterior de provas e decisões desprovidas de racionalidade. Houve então a união da prova e da argumentação, numa relação em que a prova seria o conteúdo e a argumentação, por mais ampla, seria o continente.

Como resultado dessa transformação destaca-se o enfoque dado à prova testemunhal, “que passa a ser examinada a partir de alguns princípios fundamentais: a existência de normas de exclusão, a sujeição ao contraditório

60 REICHELT, Luis Alberto. A Prova no Processo Civil. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2009, pág. 22

na condução dos questionamentos (em um modelo próximo ao do cross- examination anglo-saxônico) e a livre valoração da prova. 61

No período pós-clássico surge, então, a ideia do ônus da prova, baseada no conceito de que o “valor vigente como princípio integrante da educação do jurista à luz de uma lógica da argumentação – revela de forma única o significado do influxo da retórica ao longo da história do processo civil romano, com especial força no período justinianeu.” 62

Advindo a última fase da evolução do direito processual civil romano, surgiram de forma embrionária dois sistemas de prova: a valoração preventiva da prova pelo legislador e os limites para a admissibilidade das provas.

Com a queda do Império Romano do Ocidente e com o advento da Lex Salica (486 e 496 d. C.) surge um novo modelo de processo em que havia a prevalência da rigidez dos atos processuais, cabendo ao juiz, a fiscalização da atividade realizada pelas partes.

Tal modelo, de forte teor germânico, surge como consequência de uma lenta e gradual sobreposição de valores, advindas decorrentes das diversas invasões bárbaras que derrotaram os romanos. Dessa forma, o modelo prevalente durante toda a alta Idade Média, foi o modelo germânico, em que havia em um primeiro momento, a fixação do tipo de prova, do modo e lugar onde ela seria produzida, bem como eram estabelecidos os efeitos do sucesso ou do insucesso da sua produção.

Para Luis Alberto Reichelt, “havia, ainda um conteúdo ético inserido na idéia da existência de uma demanda em juízo, de maneira que a atividade probatória também tinha como finalidade o reestabelecimento da honra daquele que era considerado como sendo pessoalmente ferido nesse princípio ético, de maneira a afastar a reprimenda que lhe havia sido dirigida pelo demandante.”63 Nesse modelo as partes concentravam seus esforços para garantir o direito à produção da prova, enquanto que ao magistrado cabia dizer

61 REICHELT, Luis Alberto. A Prova no Direito processual Civil. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2009, pág. 24.

62 REICHELT, Luis Alberto. Op cit. Pág. 24

63 REICHELT, Luis Alberto. A Prova do Direito Processual Civil. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2009, pág. 26

a qual das alegações feitas pelas partes contendoras correspondia o direito à referida produção.

Na primeira metade da Idade Média, o processo civil italiano adotava medidas tais como: a prova em segredo e a obediência às rígidas regras em matéria probatória.

Impõe-se o registro quanto à importância do pensamento lógico, dentre o qual se insere a retórica, mantida mesmo depois da queda do Império Romano; bem como o pensamento de Santo Agostinho, que, aliado ao pensamento de Platão, concebia a existência de duas espécies de retórica: a verdadeira eloquência e a arte da persuasão. A importância e os limites da prova naquele momento histórico somente poderiam ser aferidos a partir da consciência de que a arte da persuasão não deveria ser relacionada a questões divinas, mas ao exame das coisas humanas, por aquele tratado como “contingente possível”.

Colhe ainda a observação de que, na primeira etapa da era medieval, a realidade germânica considerava necessária a produção de provas somente em relação a fatos tidos por controversos, sendo desnecessária a prova dos fatos alegados por uma parte e confirmados pela outra. E no final do século XV, a livre apreciação das provas apresentava-se como uma das principais marcas do processo civil germânico.

4. Conceito, objeto e finalidade da prova na atividade judicante