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PODERES DISCRICIONÁRIOS DO JULGADOR NA APRECIAÇÃO DA

CAPÍTULO V: A PROVA NO ATUAL CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL EM FACE ÀS

4. PODERES DISCRICIONÁRIOS DO JULGADOR NA APRECIAÇÃO DA

Com o advento da Constituição de 1988, o judiciário brasileiro se viu às voltas com a missão da pacificação social, combinada com a função já

147ARENHART, Sérgio Cruz. In: A verdade e a prova no processo civil. Disponível em

<http://www.abdpc.org.br/abdpc/artigos/S%C3%A9rgio%20Cruz%20Arenhart%282%29%20- %20formatado.pdf>

desempenhada de compor os conflitos de interesses dos indivíduos, em suas relações societárias. Surge a necessidade de um juiz mais afinado com os ditames constitucionais, capaz de exercer sua função sob a batuta de um ordenamento constitucional voltado para o bem comum e o desenvolvimento social. Em decorrência das novas áreas de atuação, houve a consequente ampliação dos poderes dos juízes, equivalendo dizer que o poder discricionário dos juízes não se assemelha à arbitrariedade, e sim, a uma atividade valorativa.

O vocábulo discricionariedade deriva do latim discernere, que significa discernir, distinguir148. O poder discricionário é o que se põe nas mãos do magistrado, decorrente de sua função, para atuar na direção do processo judicial, analisando os fatos sobre os quais estão fundadas as argumentações das partes contendoras.

É que as transformações sociais reclamam uma atuação do Poder Judiciário na composição dos conflitos, e exatamente por isso, o legislador deixou essa margem de discricionariedade para que o juiz realize a análise do processo, especialmente no que concerne à valoração probatória, como base nos princípios constitucionais garantidores de um devido processo legal efetivo, e possa prolatar sua decisão motivada e fundamentada.

Um dos maiores embates acerca da discricionariedade deu-se entre Herbert Hart e Ronald Dworkin. Para Hart,

O conflito directo mais agudo entre a teoria jurídica deste livro e a teoria de Dworkin é suscitado pela minha afirmação de que, em qualquer sistema jurídico, haverá sempre certos casos juridicamente não regulados em que, relativamente a determinado ponto, nenhuma decisão em qualquer dos sentidos é ditada pelo direito e, nessa conformidade, o direito apresenta-se como parcialmente indeterminado ou incompleto. Se, em tais casos, o juiz tiver de proferir uma decisão, em vez de, como Bentham chegou a advogar em tempos, se declarar privado de jurisdição, ou remeter os pontos não regulados pelo direito existente para a decisão do órgão legislativo, então deve

exercer o seu poder discricionário e criar direito para o caso, em vez de aplicar meramente o direito estabelecido preexistente. Assim, em tais casos juridicamente não previstos ou não regulados, o juiz cria direito novo e aplica o direito estabelecido que não só confere, mas também restringe, os seus poderes de criação do direito.”149

Segundo o entendimento de Hart, o juiz deve utilizar a discricionariedade para solucionar os casos difíceis (juridicamente não previstos ou não regulados), uma vez que o direito não poderia oferecer resposta para todos os casos.

Dworkin, em antítese, admite existir uma resposta para os casos difíceis. Ciente das regras e princípios, a figura do juiz Hércules, descrita por Dworkin, deverá encontrar a melhor interpretação para os hard cases, pois,

O direito é estruturado por um conjunto coerente de princípios sobre a justiça, a equidade e o devido processo legal adjetivo, e pede-lhes que os apliquem nos novos casos que se lhes apresentem, de tal modo que a situação de cada pessoa seja justa e equitativa segundo as mesmas normas.150

No modelo atual do processo civil, ao revés do que ocorria no processo civil clássico, a atividade do juiz não se limita à aplicação da norma, numa atividade de silogismo, cabendo-lhe, hodiernamente, a tarefa dúplice de interpretá-la e aplicá-la.

A figura e o comportamento do juiz na atual fase do processo assumiu nova feição. O antigo juiz la bouche de la loi, preconizado por Montesquieu151, deu lugar ao juiz criativo, preocupado com a distribuição de uma jurisdição calcada na eticidade, em valores sociais e, muito especialmente, na justiça e democracia. Significa dizer que o magistrado atual deve utilizar não apenas os argumentos de lógica, ou a linguística, mas,

149 HART, Herbert. O Conceito de Direito. 2. ed. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1994. Pág. 335. 150 DWORKIN, Ronald. O Império do Direito. 3.ed. São Paulo: Martins Fontes, 2014. Pág. 291.

151

Mas os juízes da nação são apenas, como já dissemos, a boca que pronuncia as palavras da lei; são se- res inanimados que não podem moderar nem sua força, nem seu rigor. In: “O Espírito das Leis”. Livro 11, capítulo VI. <file:////Lenin/Rede Local/Equipe/Michele/MONTESQUIEU - O Espírito das Leis2.txt>

especialmente, elementos da história, economia, política, ética, sociologia, para solução dos conflitos.

O juiz realiza sua tarefa julgadora atrelado ao princípio da legalidade. É certo que diante dos casos de menor complexidade, haverá a aplicação da norma ao fato. Entretanto, as transformações que ocorrem numa velocidade indescritivelmente rápida requerem uma postura mais criativa do julgador, considerando-se que não mais é suficiente para a tarefa de compor os conflitos atuais, diante dos conceitos vagos ou imprecisos que surgem diuturnamente, a atividade subsuntiva. São conceitos indeterminados como “boa fé”, “relevância do fundamento”, que reclamam a atividade criadora do juiz. Até mesmo em determinadas situações em que se admite a aplicação da subsunção, a despeito da regra de que in claris cessat interpretativo, deverá o julgador, em respeito à observância da segurança jurídica que deve permear as decisões jurídicas, realizar a perfeita interpretação conforme a Constituição. A sociedade reclama por um processo célere e efetivo, que desempenhe sua função precípua de compor a crise de direito material com celeridade, sem esquecer, entretanto, a tão desejada segurança jurídica.

O ato de julgar é um ato que reclama uma carga de subjetividade, pois é um ato de inteligência. Para Watanabe,

a cognição é prevalentemente um ato de inteligência, consistente em considerar, analisar e valorar as alegações e as provas produzidas pelas partes, vale dizer, as questões de fato e as de direito que são deduzidas no processo e cujo resultado é o alicerce, o fundamento do judicium, do julgamento do objeto litigioso do processo.152

A discricionariedade reside no dever do magistrado de argumentar e motivar suas decisões utilizando sua liberdade criativa. É uma faculdade conferida ao juiz de criar a norma para a solução do caso que lhe foi posto à apreciação, nas situações em que não existe norma legal para disciplinar o litígio. São os hard cases apontados por Dworkin

Essa atividade discricionária do juiz encontra limites, - repita-se – com base na legalidade, e na finalidade que será obtida através da escolha.

Considere-se, também, a proporcionalidade como limite à atividade discricionária do magistrado. A decisão, além de pautar-se na legalidade, deve atender ao critério da proporcionalidade, pois o magistrado, diante das várias possibilidades, deverá utilizar a mais adequada para a composição da lide. Outro limite ao poder discricionário do juiz é o dever de motivação das decisões judiciais, pois com a fundamentação, o julgador expõe o motivo de seu convencimento, justificando as escolhas realizadas, tudo em consonância com os limites legais impostos, e de forma a prestar a tutela jurisdicional mais adequada.

Registramos, por oportuno, que a atividade discricionária não se confunde com a hermenêutica. Na discricionariedade, o julgador possui escolhas para adequar ao caso concreto, até mesmo porque a complexidade das relações sociais e a rapidez com que elas surgem e se estabelecem, abrem espaço para essa atividade discricionária. Entretanto, essa não é uma atividade realizada sem limites, razão pela qual elencamos alguns freios que devem ser utilizados nesta tarefa: a razoabilidade, proporcionalidade e adequação.

A hermenêutica, como técnica de interpretação, proporciona ao julgador uma melhor compreensão das situações de dúvida, diante de um hard case. Não significa que o magistrado não se valerá da hermenêutica sem o imperativo dever de pautar sua decisão nos limites da legalidade, mas significa, pincipalmente, que o hermeneuta (neste caso, o juiz), agirá discricionariamente na escolha da solução mais condizente para a composição da lide.

5.Tutelas Provisórias de urgência e evidência no CPC/2015 e a questão da