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CAPÍTULO I – PATRIMÓNIO, GLOBALIZAÇÃO E DESENVOLVIMENTO LOCAL

1.1 Conceito de património e sua evolução

A preservação do património é o resultado do tomar de consciência da sua importância e consequente risco de perda da identidade dos povos e/ou das suas comunidades.

De acordo com a UNESCO, o património “é o legado que recebemos do passado, vivemos no presente e transmitimos às gerações futuras”

(http://www.unesco.org/new/pt/brasilia/culture/world-heritage/heritage-legacy-from-past-to-the- future - consultado em 05/01/2014), levando, por isso, a concluir que é resultado da identidade dos povos e tem a sua riqueza na capacidade em acumular tradições, passado e história. A sua origem no latim patrimonium é sinónimo de herança paterna e sugere algo que é deixado a novas gerações pelos antepassados. Desta forma, damos continuidade a um passado e para além de criar um sentimento de pertença, criamos também uma relação entre o tempo passado, presente e futuro. Embora faça sentido, esta definição de património é ainda pouco objetiva para a complexidade de temáticas que pretendemos abranger no nosso estudo.

Durand (2006) afirma que o património começou a ser identificado, protegido e valorizado durante o século XIX, dada a necessidade de atuar em favor da preservação das características identitárias de cada região, pois o desaparecimento e vandalização de locais ou produtos locais conduziram a inúmeras situações particularmente graves de perda de tradições e

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costumes. Com base nesta perceção, percebe-se que o património colecione elementos únicos e insubstituíveis que devem ser protegidos.

À medida que a tecnologia e a sociedade foi evoluindo, o conceito também se foi desenvolvendo (Moreira, 2006) com vista a uma proteção mais abrangente dos diferentes níveis patrimoniais (arquitetural, industrial, artesanal e imaterial). Atualmente, numa era de globalização que promove a assimilação cultural e, consequentemente, perde símbolos de cultura de uma nação ou comunidade, os governos locais chegam a reconhecer os direitos culturais como parte integrante dos direitos humanos. Existe mesmo a possibilidade de criar e inovar símbolos, sendo descartados quaisquer padrões rígidos relativamente aos elementos patrimoniais (United Cities and Local Governments; Ajuntament de Barcelona, 2004).

No entanto, apesar do património ser algo herdado do passado, é, de alguma forma, relativo, porque “toda a construção patrimonial é uma representação simbólica de uma dada versão da identidade” (Moreira, 2006: 129). Isto significa que o que é herdado implica sempre uma escolha cultural, social e política subjacente à vontade de legar o património às gerações futuras. Os diferentes elementos só são definidos como património quando lhes é atribuído um valor social e histórico, dependendo de circunstâncias históricas e de referências sociais e culturais dominantes. Ou seja, “através do património, o indivíduo retira um pedaço do passado, sob a forma de símbolos” (Moreira, 2006: 129) e o que faz desse elemento património, é a capacidade em representar uma identidade, possibilitando à comunidade estar vinculada ao passado. O passado permite sentido de identidade e de pertença, e consciência da continuidade através do tempo. Deste modo, o património compila todos os elementos que fundam a identidade de um grupo e o distinguem dos demais, mas sem deixar de ser ao mesmo tempo apenas uma representação simbólica de uma dada versão de uma identidade idealizada (Moreira, 2006).

Com base no que foi apresentado, surgem outros conceitos que interessa referenciar, tais como o valor histórico dado ao elemento patrimonial. Riegl (1987) defende que o valor histórico é tudo o que existiu um dia mas que já não existe. Isto significa que existe uma cadeia evolutiva que é resultado de um passado imprescindível e que pressupõe a existência de algo anterior. Deste modo, tudo o que nos foi deixado pelos nossos antepassados tem valor histórico. Riegl (1987) refere ainda o facto de não nos ser possível preservar tudo, sendo mais importante

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estudar e documentar o que não pode ser protegido e dirigir as nossas ações para o que representa essa mesma evolução.

A evolução da noção de património trouxe também novas formas de atuação e de lidar com o mesmo. De acordo com Moreira (2006), é com o Renascimento e com personalidades como André de Resende e Francisco D’Holanda no século XVI, que surge a necessidade de preservar o património em Portugal. Mas foi com o Romantismo, a partir do século XIX, com textos de Alexandre Herculano, redator principal da revista “O Panorama”, que se fizeram notar propostas mais amplas e efetiva proteção do património. Com a República, sendo Portugal um país democrático, o Estado passou a ter a responsabilidade da preservação e da valorização dos bens comuns do povo português, tendo para isso se baseado em ideias da elite pensante para criar políticas nacionais para o património. Assim, as efetivas ações, resultado das preocupações com o património, surgem no início da República, são seguidas pela Ditadura Militar e Estado Novo, que o usa como forma de propaganda nacionalista e, na verdade, isto não se distingue muito do panorama europeu da época (Moreira, 2006). Assim, foi inevitável legislação relativa aos bens culturais e a definição de uma nova política para o património nacional com o fim do Estado Novo em 1974. Isto acontece porque, de acordo com Ferro (1997), o património nacional é cada vez mais uma referência fundamental que devemos deixar às gerações futuras, sendo a principal prioridade de quem guarda o património, a sua conservação, pois qualquer “obra de arte” móvel ou monumental está sujeita à degradação a partir do momento que é criada. Nesse sentido, importa referenciar a evolução da legislação em Portugal, que desde o início do século XX se baseia também na legislação internacional.

Desta evolução, destaca-se a atual Lei de Bases do Património Cultural (Lei n.º 107/8 de setembro de 2001), aprovada em Assembleia da República, e que estabelece as bases da política e do regime de proteção e valorização do património cultural de bens que, pelo seu valor histórico, científico, social e técnico, integrem o património cultural arquitetónico e arqueológico classificado do país, referindo-se assim a uma enorme diversidade de conceitos patrimoniais.

Importa ainda referir que, atualmente, com a entrada em vigor, no dia 1 de junho de 2012, do Decreto-Lei n.º 115/2012 relativo à orgânica da nova Direção-Geral do Património Cultural, iniciou-se uma fase transitória de fusão do IGESPAR IP (Instituto de Gestão do Património Arquitetónico e Arqueológico), do IMC IP (Instituto dos Museus e Conservação) e da DRCLVT (Direção Regional de Cultura de Lisboa e Vale do Tejo) que levaram à recém-criada

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Direção-Geral do Património Cultural (DGPC). Este organismo tem por missão a gestão, salvaguarda, conservação e restauro dos bens que integrem o património cultural imóvel, móvel e imaterial do país, bem como desenvolver e executar a política museológica nacional (http://www.imc-ip.pt/ - acedido a 07/01/2014).

A proteção do património pode ser feita através de instrumentos legais como convenções e cartas internacionais (pela UNESCO e pela União Europeia) e também pela legislação portuguesa (Lei de Bases do Património Cultural), assim como através da inventariação, registo e classificação. Para isso atuam os organismos do Estado (Direção Geral do Património Cultural) e agentes locais como museus, autarquias e organismos privados como associações de defesa do património.

No presente projeto usámos os conceitos das diferentes tipologias patrimoniais de acordo com o que é definido pela UNESCO, devido a ser um organismo de referência a nível mundial na área e à sua preocupação em adaptar os conceitos com base na evolução da noção de património. No nosso entender, a prioridade atual na área patrimonial é a sua preservação e criação de vínculo em relação à comunidade onde se insere.