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CAPÍTULO I – PATRIMÓNIO, GLOBALIZAÇÃO E DESENVOLVIMENTO LOCAL

1.2 Património e globalização

A globalização é um processo que tem implicações em todos os domínios, desde o económico, o social, o cultural até ao político, pois provoca a desterritorialização cultural e o desenvolvimento de novas identidades (Rodrigues, 2012). Logo, foi necessário abordar esta temática no decurso desta investigação.

A globalização pode definir-se como a “diminuição do espaço geográfico pelo encurtamento do tempo; o que acontece num determinado lugar tem um impacto imediato sobre pessoas e lugares situados a grande distância” (Hall, 2002 in Rodrigues, 2012: 2). Ou seja, tudo é passível de ser partilhado entre todos através dos meios de comunicação e de transporte, apesar da distância, desde ideias a modos de vida e de forma rápida e em tempo real, pondo em causa as delimitações fronteiriças. Assim, são construídas novas identidades com valores e culturas partilhadas.

No seguimento desta ideia, a globalização “provoca um fluxo migratório massivo de pessoas e uma forte dinâmica na produção, circulação e consumo de bens, materiais e

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simbólicos” (Rodrigues, 2012: 2) que promovem a assimilação e constroem novas identidades. Daí que a preocupação com o património seja uma reação local às consequências da globalização (Moreira, 2006), pois a aproximação de diferentes culturas e grupos étnicos também traz consequências ao nível de choques entre culturas (Rodrigues, 2012).

A criação de uma comunidade onde exista livre circulação de ideias e que permita o diálogo entre as demais comunidades, poderá contribuir para o entendimento das diferenças e integração global de todos, de maneira a que se atinja uma compreensão como cidadãos do mundo e se possa mostrar as distinções sem julgamentos. Apesar das diferenças entre povos, esta ideia faz compreender a ideologia criada e defendida por organismos internacionais ligados ao património acerca do “património da humanidade”, pois como cidadãos do mundo, o património é de todos, e com base nisso, proteger o património é algo de escala mundial porque a perda é igualmente de todos. Por estes motivos, existem várias organizações internacionais que unem países com diferentes valores e interesses na defesa e na tentativa de solucionar os problemas patrimoniais, como por exemplo, a constante ameaça de perdas incontornáveis causadas por conflitos mundiais. Saldanha (1997) refere as perdas em guerras como comprovativo da vulnerabilidade dos mesmos. Das instituições internacionais é importante destacar a UNESCO (Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura) e o ICOMOS (Conselho Internacional de Monumentos e Sítios). A UNESCO é um organismo com sede em Paris que, com o objetivo de contribuir para a paz e segurança, promove a colaboração entre nações através da educação, ciência e cultura. Nesse sentido, aprovou, desde a sua fundação em 1945, inúmeras concessões relativas ao património cultural, cartas internacionais e códigos deontológicos. O ICOMOS é uma organização não-governamental criada em 1965 e associada à UNESCO, onde profissionais da área debatem questões, defendendo a conservação, coleção, valorização e divulgação do património histórico resultado da Carta de Veneza.

Na era da globalização, a diversidade cultural demonstra as diferenças entre todos, tendo o património um papel fundamental no evitar da homogeneização. De acordo com o primeiro princípio da Agenda 21 da Cultura (United Cities and Local Governments; Ajuntament de Barcelona, 2004: 1) “a diversidade cultural é o principal património da humanidade”, pois é, por sua vez, o património que permite a diversidade cultural e torna uma comunidade única no mundo.

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Assim, entendemos que o património é também um fator fulcral de desenvolvimento das sociedades expressando a identidade histórica e as vivências de um povo devido ao seu enorme potencial de dinamização do espaço, podendo ser encarado como um rendimento adicional à comunidade, um motivo de autoestima e uma possibilidade de autonomia e de estatuto social. Como elemento unificador de um povo, permite, para além da divulgação, a reflexão da identidade e dos valores locais e regionais, possibilitando o sentimento de orgulho e de pertença. A sua valorização depende da diferenciação comparativamente com os restantes locais/regiões e, enquanto recurso endógeno, permite que se afirme como forma de expressão da cultura das comunidades, através da criação de uma série de símbolos para a sua identificação: local, nacional, internacional, transnacional (Pérez, 2009). No caso de contacto com uma cultura dominante, a resistência da cultura local depende do grau de enraizamento da mesma (Batista, 1997). Ou seja, só se a comunidade local colocar em prática as suas tradições e crenças e estiver consciente das mesmas é que poderá evitar a assimilação cultural em que se assiste a alterações de comportamento e se substituem as características de uma cultura por outra.

Outra problemática a considerar relaciona-se com o turismo enquanto agente de globalização, no paradoxo entre valorização/inovação. Dando como exemplo um produto local como o artesanato ou a gastronomia e que se pretenda promover como símbolo, pode também dar-se o caso da globalização e do consumismo colocarem em causa a autenticidade destas identidades. Nesse sentido, apesar de reconhecida a necessidade do património ser ativamente protegido, sendo um dos modos de valorização o relançamento de produtos tradicionais, estes devem ser geridos de forma cuidadosa e equilibrada para não desvirtuar as suas próprias características com a apresentação de falsos exemplos de autenticidade. Nesta situação, os agentes culturais exercem um papel fundamental no diálogo entre o passado e o futuro. Por outro lado, por vezes, tanto se quer proteger a evolução que se evita a evolução natural. Neste caso, torna-se fundamental aprofundar o conhecimento do património e recuperá-lo e valorizá-lo enquanto memória coletiva.

Durand (2005) considera importante o afastamento de ideias fixistas aquando da promoção de produtos tradicionais. O desenvolvimento de ações experimentais de conceção/produção/lançamento de novas linhas de produtos, aliando tradição e inovação, devem respeitar a identidade do produto e adequar-se aos padrões de consumo atuais. Devem adaptar-se também ao consumidor e deve ser, por isso, apresentado numa dimensão comercial,

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e como resultado da necessidade do público, integrando-se numa estratégia do mercado turístico com efeitos diretos no desenvolvimento local, através do estímulo da economia da região. Desta forma, permite-se a conservação do património cultural de uma comunidade, pois o turismo, enquanto produtor e consumidor de bens simbólicos com significação social (artigos, objetos, imagens e lugares de consumo), torna-se, assim, promotor do desenvolvimento das identidades sociais e dos seus intervenientes.

Esta aposta acentua, no entanto, o quanto é indispensável uma gestão equilibrada. Outro tópico a abordar sobre a temática da globalização são os impactos criados pelo desenvolvimento económico, tornando-se, este, inimigo dos recursos naturais e dos bens comuns da humanidade (United Cities and Local Governments; Ajuntament de Barcelona, 2004). Esta priorização do desenvolvimento económico em relação aos demais fatores levanta questões culturais e ambientais desde há muito comuns na humanidade e frequentemente desvalorizadas, sendo conhecida a capacidade de destruição do homem naqueles aspetos. Além disso, a sustentabilidade é também colocada em risco, ao não se equacionarem todas estas questões. Esta problemática é explicada no ponto 1.3.