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3 A Constituição como sistema aberto de princípios e regras e o

3.2 O conceito de sistema

O vocábulo "sistema" é de origem grega ---- synístemi, dando a idéia de estar junto de, de reunião ou construído. O emprego dessa palavra, na Grécia, de maneira geral, estava ligado à idéia de uma totalidade, que apontava para uma ordem qualquer.

Além desse uso genérico, o étimo sistema também teve usos restritos, dentre os quais convém destacar que os estóicos entendiam por sistema a téchne, um conjunto de regras obtidas pela experiência, mas logicamente repensadas para chegar à perfeição (FERRAZ JR., 1997:123).

Ressalte-se, por oportuno, que a palavra "sistema" não fez parte do vocabulário escolar dos gregos e muito menos foi utilizada no latim, que preferiu o conceito análogo de constitutio.

O uso escolar do termo "sistema" foi empregado na teoria da música por Martianus Capella, que lhe atribuiu a conotação científica importante, conhecida por perfectum et absolutum (FERRAZ JR., 1997:124).

O termo sistema, utilizado como um método para entender a realidade, iniciou-se no século XVII, na obra de Bartholomäus Keckermann, denominada System logicae tribus libris adornatum (1600), que definiu

(...) sistema, de um lado, como conjunto de sentenças, verdadeiras, e de outro, como método que visa à perfeição, apoiando-se na definição estóica de arte e ligando-a à teoria das artes liberales (FERRAZ JR., 1997:124)

Posteriormente, Malembranche, com a obra De inquirenda veritate libri sex, discute a idéia de sistema pelo prisma subjetivo, isto é, pela intuição genial se cria o sistema, que é um conceito ideal acerca de dada realidade.

No século XVIII, principalmente com Cristian Wolff, a idéia de sistema ganhou conotação própria, não se confundindo mais com método ou classificação. Sistema, segundo Wolff, é "um conjunto de verdades ligadas entre si e com seus princípios" (apud ABBAGNANO 2003:908).

Essa concepção de sistema, denominada "matemática" ou "mecânica", tem como noção central a relação de identidade entre o todo e a soma das partes, e a relação se estabelece por meio de regras lógicas de dedução, consoante o escólio de Tércio Sampaio Ferraz Jr., que, com base nos ensinamentos de Lambert, asseverou que "sistema é para ele (Lambert) um todo fechado, em que as relações entre as partes e o todo, e entre as partes entre si, estão perfeitamente determinadas, segundo regras próprias" (1997:125).

Kant abandonou o modelo matemático ou mecânico de sistema, substituindo-o pelo orgânico. O sistema, segundo Kant, não constitui uma mera soma de partes que origina o todo, mas uma unidade de idéia que, agindo de forma teleológica, liga as partes e forma o todo.

Nicola Abbagnano, no seu Dicionário de filosofia, em síntese lapidar bem estabeleceu a diferença entre as concepções de sistema de Wolff e Kant:

A noção de S. moldava-se assim na de procedimento matemático. Kant subordinou-a a outra condição: a unidade do princípio, que fundamente o sistema, pois ele entendeu por S. "a unidade de múltiplos conhecimentos, reunidos sob uma única idéia"; afirmou que o S. é um todo organizado finalisticamente (articulatio), e não um amontoado (coacervatio); pode crescer de dentro para fora (per intussusceptionem), mas não de fora para dentro (per appositionem), sendo, pois, semelhante a um corpo animal, cujo crescimento não acrescenta nenhum membro, mas, sem alterar a proporção do conjunto, torna cada um dos membros mais forte e mais apto a seu objetivo (Crít. r. Pura, Doutr. do método, cap. III). Com base nisso, Kant fala de "unidade sistemática do conhecimento, da qual as idéias da razão pura tentam aproximar-se" (Ibid., Dialética, cap. II, seç. I). A unidade do S., ou seja, sua possibilidade de derivar de um único princípio é a característica que determinou o sucesso dessa noção na literatura filosófica romântica

(2003:908-9).

Em resumo, a pluralidade de sentidos da palavra sistema chegou até as dias atuais, a ponto de existirem várias definições para o seu uso, todas colhidas no Novo dicionário da língua portuguesa de Aurélio Buarque de Holanda Ferreira, consoante alguns trechos abaixo transcritos:

Sistema. [Do gr. systema, 'reunião, grupo', pelo lat. systema]. S. m. 1.

Conjunto de elementos, materiais ou ideais, entre os quais se possa encontrar ou definir alguma relação (5). 2. Disposição das partes ou dos elementos de um todo, coordenados entre si, que funcionam como estrutura organizada: sistema penitenciário; sistema de refrigeração. 3. Reunião de elementos naturais da mesma espécie que constituem um conjunto intimamente relacionado: sistema fluvial; sistema cristalino. 4. O conjunto das instituições políticas e/ou sociais, e dos métodos por elas adotados, encarados quer do ponto de vista teórico, quer do de sua aplicação prática:

sistema parlamentar, sistema de ensino. 5. Reunião coordenada e lógica de

princípios ou idéias relacionadas de modo que abranjam um campo do conhecimento: o sistema de Kant; o sistema de Ptolomeu. 6. Conjunto ordenado de meios de ação ou de idéias tendente a um resultado; plano, método: sistema de vida; sistema de trabalho, sistema de defesa. 7. Técnica ou método empregado para um fim precípuo: sistema Taylor (de Frederick W. Taylor - 1856-1915); sistema Braile (de Louis Braille - 1809-1852). 8. Modo, maneira, forma, jeito: Adotou um novo sistema de pentear os cabelos. 9. Complexo de regras ou normas: um sistema de futebol; um sistema de corte

e costura. 10. Qualquer método ou plano especialmente destinado a marcar,

medir ou classificar alguma coisa: sistema métrico; sistema decimal. 11. Hábito particular; costume, uso: A cozinheira tinha o sistema de preparar as

Analisando os vários conceitos de sistema acima expostos, percebe-se que estão sempre presentes os seguintes requisitos: a) conjunto de elementos; b) relação entre os elementos do conjunto para obter uma unidade.

Pois bem, um conjunto de elementos, por si só, forma uma ordem, mas não um sistema. Isto porque a ordem representa a reunião ou o agrupamento de elementos, sem ter necessariamente uma organização. Dessa forma, para que se possa falar em sistema, ao lado do conjunto de elementos mister a existência de uma organização que dê unidade à multiplicidade deles.

Essa a razão porque a idéia de sistema pressupõe duas características básicas: a ordenação e a unidade (CANARIS, 2002:12).

A ordenação significa o repertório do sistema, ou seja, os elementos que estão agrupados. A unidade representa a estrutura do sistema, a saber, os modos de relacionamento entre os diversos elementos (FERRAZ JR., 2003:176).

Neste diapasão e seguindo agora as lições de Marcelo Neves, pode-se afirmar que:

(...) todo sistema implica elementos (reais ou proposicionais), relações e também unidade, que pode decorrer de uma fundamentação unitária (sistema proposicional) ou da forma em que se apresentam ao sujeito cognoscente os modos de se relacionarem os seus elementos (sistema real ou empírico) (1988:02).

Esse também é o magistério de Lourival Vilanova, segundo o qual o sistema implica ordem, isto é, uma ordenação das partes constituintes, relações entre as partes ou elementos. As relações não são elementos do sistema. Fixam, antes, sua forma de composição interior, sua modalidade de ser estrutura (1997:173).

Também não se deve olvidar que a idéia de sistema é muito antiga, sendo utilizada pelos vários ramos do conhecimento humano, tendo em conta que constitui uma forma de recortar um trecho da realidade para procurar conhecê-lo e explicá-lo de forma racional.

Daí por que se deve diferenciar o sistema de conhecimento, chamado de lógico ou científico, do sistema dos objetos sobre os quais recairá o conhecimento, denominado real ou empírico (CANARIS, 2002:13).

O sistema empírico ou real parte dos fenômenos físicos, psíquicos ou sociais, cujas relações de causalidade são apreendidas pela experiência e observação e estruturadas racionalmente pelo sujeito cognoscente.

É um sistema empírico-causal no que tange aos fenômenos físicos e empírico-cultural quanto aos sociais. A unidade desses sistema é dialética porque pressupõe a interação de forças antagônicas.

A seu turno, o sistema científico ou lógico objetiva racionalizar o conhecimento, mediante esquemas de raciocínio. Divide-se em nomológico e nomoempírico: os primeiros se desenvolvem a partir de axiomas, mediante um processo de dedução, sendo irrelevantes os dados da experiência (e.g., matemática); já os últimos se referem a objetos reais e, portanto, são condicionados pela experiência (v.g., direito) (NEVES, 1988:6).

Os sistemas nomoempíricos distinguem-se, pela sua função, em teoréticos e prescritivos, ou seja, em sistema da ciência jurídica e sistema do direito positivo, para se utilizar a terminologia de Lourival Vilanova (1997:169).

Os sistemas teoréticos visam conhecer e descrever as maneiras pelas quais se relacionam os dados reais ou as proposições prescritivas. A coerência do sistema é uma condição necessária, pois as asserções teoréticas têm a pretensão de ser verdadeiras.

Em compensação, "os sistemas prescritivos (ou normativos) têm por função direcionar a conduta humana em um determinado sentido, incluindo-se no 'mundo' da praxis." (NEVES, 1988:7). As proposições desse sistema visam ser válidas para que possam ser exigidas e, portanto, reconhecidas como normas.

Impõe-se agora descobrir, historicamente, como a idéia de sistema passou a permear a ciência jurídica e também o próprio direito positivo.