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A idéia dos princípios gerais de direito está intimamente ligada às lacunas da lei, porque no século XIX, consoante descrição do item 2.1, o direito e a lei eram sinônimos. Assim, todo o direito se resumia às leis, as quais eram emanadas do Poder Legislativo.

Entretanto, não se tardou a perceber que a lei era insuficiente para fazer frente aos inúmeros problemas que surgiam na sociedade, principalmente pela Revolução Industrial e pelo aumento das demandas sociais. Muitas vezes, as leis não tinham solução para determinada lide e os juízes eram obrigados a utilizar critérios extralegais para o julgamento da causa.

Embora a idéia de um direito fora da lei não fosse nova, tendo em conta que na Grécia, ao lado da lei escrita, havia também leis não escritas (agrafos nomos) derivadas da natureza e das convenções morais e religiosas, e que na Idade Média se admitia a idéia de um direito natural (DÍEZ PICAZO, 1973:202), fato é que, com o advento dos séculos XVIII e XIX, mormente por influência do Iluminismo, a lei, produto da razão humana, passou a ser a única fonte do direito.

A idéia reducionista do direito à lei emanada pelo Estado fez com que o Código Civil francês não previsse nenhuma fonte supletiva em caso de lacuna, impedindo os juízes de usar critérios extralegais no julgamento, o que impossibilitava ao Poder Judiciário atualizar o direito de acordo com os problemas que surgiam na sociedade.

A idéia dos princípios gerais de direito, como fonte para sanar eventual lacuna da lei apareceu em 1811, no Código Civil da Áustria, que, numa tradução livre do espanhol, assim rezava:

Se não se puder decidir a questão jurídica conforme as palavras e tampouco segundo o sentido natural de uma lei, tentar-se-á encontrar o que a lei determina em casos análogos, e, se ainda duvidosa a questão, decidir-se-á de acordo com as circunstâncias cuidadosamente comprovadas e moderadamente sopesadas, segundo os princípios jurídicos gerais

(grifos nossos).

Posteriormente, o Código Civil da Itália de 1865, no seu artigo 13, também numa tradução livre do italiano, prescrevia:

Se uma controvérsia não se puder decidir mediante uma determinada disposição legal, recorrer-se-á às disposições que regulam casos semelhantes e matérias análogas e se o caso for ainda duvidoso, decidir-se- á conforme os princípios gerais de direito (grifos nossos).

A partir de então, os demais Códigos Civis passaram a adotar os princípios gerais de direito como fonte supletiva da lei, quando esta fosse omissa.

O art. 4º da Lei de Introdução ao Código Civil Brasileiro é expresso nesse aspecto: "Quando a lei for omissa, o juiz decidirá o caso de acordo com a analogia, os costumes e os princípios gerais de direito" (grifos nossos).

Também o Tribunal Internacional de Justiça assinalou os fundamentos jurídicos que adotaria em suas decisões, enumerando, no artigo 38 do seu Estatuto, os seguintes:

1. Os convênios internacionais, tanto gerais quanto especiais; 2. o costume internacional como prova de uma prática geralmente aceita como Direito; 3. Os princípios gerais de direito reconhecidos pelas nações civilizadas

(grifos nossos).

Não obstante, o que se entende por princípios gerais de direito é questão bastante controvertida, podendo-se apontar, sem a pretensão de esgotamento do tema, quatro correntes principais de pensamento.

A primeira delas entende que os princípios gerais de direito correspondem ou se identificam com as normas do direito natural, as quais são superiores às do direito positivo e, portanto, precisam ser reveladas.

Os jusnaturalistas têm concepções diversas sobre o direito natural, a gerar três modos diferentes de revelação dos princípios gerais de direito.

O primeiro, chamado de "razão natural" e cujo expoente é Giorgio del Vecchio, sustenta que os princípios gerais de direito são dogmas obtidos pela razão e dela derivados. O segundo, denominado "natureza das coisas", tendo como defensor Legaz y Lacambra, prega que os princípios gerais de direito são imanentes às relações da vida social, ou seja, postulados para a manutenção do equilíbrio da ordem jurídica. O terceiro, intitulado "verdades", pugna que os princípios gerais de direito são derivados da lei divina e, portanto, verdades plantadas por Deus no coração dos homens (DÍEZ PICAZO, 1973:205).

Não concordamos com os jusnaturalistas, porque os princípios gerais de direito fazem parte do direito posto, e o direito natural não. De sorte que não há como os equiparar. De mais a mais, o direito natural não esgota o conteúdo dos princípios gerais de direito, que podem ser formados pela ideologia ou tradição de determinado povo.

A segunda corrente defende que os princípios gerais de direito são normas inspiradas no sentimento de eqüidade. Partidários dessa corrente seriam Maggiore, Osilia, Giorgi, Borsari, Tripicion, Scialoja (DINIZ, 2001:458).

Afastamo-nos desse entendimento porque a eqüidade visa a conferir concretude ao princípio da igualdade, que, por óbvio, não esgota todos os princípios gerais de direito.

Uma terceira corrente considera os princípios gerais de direito princípios universais, ditados pela ciência e pela filosofia, aos quais se chega mediante induções ou generalizações. Não se trata de princípios do direito nacional, mas dos elementos que fundamentam a cultura jurídica humana, sendo adeptos deste entendimento Clóvis Bevilácqua, Bianchi e Pachioni (RÁO, 1997:273).

O equívoco dessa corrente é confundir os princípios gerais de direito, que visam suprimir eventual lacuna da lei, com princípios teoréticos da ciência do direito, que são formulados no âmbito da teoria geral do direito.

Finalmente, temos a quarta e última corrente, chamada positivista, a qual entende que os princípios gerais de direito são normas do sistema legal positivado por determinado Estado.

Aqui também reina enorme controvérsia entre os seus adeptos, uma vez que alguns, entre eles Savigny, sustentam que os princípios são as idéias fundamentais, inspiradoras das normas jurídicas, enquanto outros, dentre eles Esser, asseveram que tais princípios são normas extraídas do próprio sistema, mercê do processo de decantação e abstração das várias leis que compõem o ordenamento jurídico de dado Estado soberano.

Essas duas formas positivistas de analisar os princípios gerais de direito acabam sendo antagônicas, porque, adotando Savigny, o fundamento de uma norma significa descobrir o valor por ela tutelado, o que seria objeto da ciência do direito; portanto, os citados princípios seriam proposições descritivas. Em contrapartida, Esser entende que encontrar uma nova norma implícita dentro do sistema significa reconhecer a sua imperatividade e, por consegüinte, autorização para que seja exigida; logo, os princípios seriam proposições imperativas.

Há autores a sustentar que os princípios jurídicos constitucionais "outra coisa não representam senão os princípios gerais de Direito, ao

darem estes o passo decisivo de sua peregrinação normativa que, inaugurada nos Códigos, acaba nas Constituições" (BONAVIES, 2003:291).

Aliás, em termos históricos, os princípios gerais de direito foram inseridos no artigo 113, n. 37, da Constituição brasileira, de 1934, que prescrevia:

Nenhum juiz deixará de sentenciar por motivo de omissão da lei. Em tal caso deverá decidir por analogia, pelos princípios gerais de Direito ou por eqüidade (grifos nossos).

Não obstante se reconheça que vários princípios gerais de direito foram convertidos em princípios jurídicos constitucionais, forçoso admitir que há diferença entre eles.

Os princípios gerais de direito fazem parte da linguagem da ciência do direito, ou seja, são proposições descritivas. Já os princípios jurídicos, entendidos como normas, são prescrições (comandos) de comportamento que usam a linguagem do direito (GRAU, 1998:77).

Ressalte-se, por oportuno, que entender os princípios gerais de direito como pertencentes à proposição descritiva não significa encará-los como princípios universais, ditados pela ciência e pela filosofia, pois isso seria um retorno à visão de Beviláqua, que acima foi criticada.

O enfoque é bem diverso, ou seja, trata-se de princípios de determinado sistema legal e, assim, não têm caráter universal. O "princípio geral de direito é princípio ainda não 'positivado', mas que pode ser formulado ou (re)formulado pela jurisprudência" (GRAU, 1998:77).

A confusão que se estabelece entre princípios jurídicos e princípios gerais de direito ocorre porque os primeiros derivam dos últimos; todavia,

assim como o filho, por mais parecido que seja, é distinto do pai, não há por que misturar os dois termos.

Os princípios gerais de direito são proposições jurídicas formuladas pela ciência do direito, tendo em vista determinado sistema normativo. Em compensação, os princípios jurídicos são normas impostas por autoridades legitimamente constituídas dentro do Estado.

A distinção acima foi cunhada nos ensinamentos de Eros Roberto Grau, que se valeu das posições de Antoine Jeammaud e Jerzy Wróblewski:

Se tomarmos da classificação proposta por Wróblewski, teremos que os

princípios positivos que constituem regras jurídicas correspondem aos princípios positivos do direito; trata-se de normas explicitamente formuladas

no texto do direito positivo. Já entre os princípios gerais do direito encontraremos os princípios explícitos do direito, os princípios extra-

sistêmicos do direito, os princípios nominais do direito e os princípios- construção do direito (1998:78).

Em síntese e sem a pretensão de qualquer inovação, os princípios jurídicos são normas positivadas expressamente pelo Estado, enquanto os princípios gerais de direito são proposições descritivas da ciência jurídica que podem servir de fundamento para a decisão em um caso concreto, como uma norma posta pelo juiz.