• Nenhum resultado encontrado

3 A Constituição como sistema aberto de princípios e regras e o

4.1 O mundo dos valores

O conceito de norma já foi definido neste trabalho. Não se fez referência ao valor que nela é expresso, sendo agora o momento de se debruçar sobre o tema dos valores.

Não há como estudar os valores sem fazer uma incursão, ainda que superficial, no campo da filosofia, porque necessário delimitar a que tipo de realidade pertence os valores.

A realidade, numa primeira aproximação, circunscreve-se àquilo que pode ser apreendido pelos sentidos; por isso, para muitas pessoas, é real aquilo que vemos, tocamos, cheiramos, ouvimos ou experimentamos. Sucede que a realidade não é apenas o mundo tangível, pois os pensamentos também podem ser considerados parte do real. Afinal, por meio deles se podem construir conceitos representados por idéias, expressas por símbolos. Os próprios sentimentos também fazem parte da realidade, uma vez que não é possível pensar o ser humano desprovido de amor, ódio, inveja, paixão etc.

Diante dessas constatações, fácil concluir que a realidade "é muito mais complexa e rica, desdobrando-se em infinitas formas de conhecimento" (REALE, 1989:136). Nessa linha de raciocínio, mister procurar delimitar se os valores fazem parte da realidade e, em caso positivo, de que tipo de realidade se trata.

Entende-se por realidade tudo aquilo que pode ser conhecido pelo intelecto e exposto por meio de um juízo lógico. Assim, podemos classificar as realidades em naturais e ideais.

Nesse sentido, têm-se os objetos físicos, ou seja, os seres reais, os quais existem independentemente do raciocínio. Pelos sentidos se conhecem os objetos físicos, que se sucedem no tempo porque têm começo, meio e fim. Ademais, tais objetos regem-se pela lei da causalidade. Finalmente, os objetos físicos possuem uma localização no espaço, uma vez que inseridos ao redor do sujeito cognoscente.

Todavia, fechando os olhos para a realidade e perscrutando o mundo interior do ser humano, chega-se aos vários sentimentos que nos guiam as decisões. Esses sentimentos são chamados de "objetos psíquicos".

As paixões, as emoções, os desejos também fazem parte da realidade como entes autônomos, porém se projetam dentro do ser humano. Para conhecê-los não é necessário o puro raciocínio, mas apenas as sensações. Os sentimentos também se sucedem no tempo e são regidos pela lei da causalidade; logo, os objetos psíquicos também são parte do mundo natural.

Acontece que os objetos psíquicos diferenciam-se dos naturais porque os primeiros não podem ser concebidos no espaço, já que não se consegue percebê-los fora do sujeito cognoscente por serem interiores, ou seja, vivem no tempo, mas não se projetam no espaço como entes autônomos.

Assim sendo, os objetos físicos, também chamados "reais", e os psíquicos fazem parte do mundo natural, porque são elementos que existem, isto é, foram dados, independentemente de uma criação da inteligência ou da vontade.

Entretanto, ao lado do mundo natural, composto por objetos físicos e psíquicos, percebem-se realidades que somente existem enquanto pensadas pelo sujeito cognoscente. Essa realidade não existe fora do pensamento,

embora possa ser externada por símbolos. As idéias fazem parte desse mundo, e por isso seu objeto é chamado ideal.

Os objetos ideais não existem no tempo, e menos ainda no espaço, porque são apenas pensados, vale dizer, existem como realidade do raciocínio ou do intelecto.

São três os objetos ideais conhecidos pela filosofia, a saber: as relações, a matemática e, finalmente, a essência (MORENTE, 1980:292).

Tanto a realidade natural quanto a ideal tratam de objetos que são considerados do mundo do "ser", porque conhecidos pelas sensações ou pelo intelecto, independentemente de qualquer referência a outro objeto.

Não obstante, os valores não se encaixam como parte do mundo do "ser" ideal, em que pese só existirem enquanto pensados. O fato de os valores existirem apenas enquanto pensados não os insere no mundo ideal, porque o "ser" do mundo ideal tem existência própria; já os "valores" só se concebem quando projetados em um ser previamente existente.

Um exemplo irá ilustrar melhor o raciocínio: o triângulo é um ser ideal porque existe dentro do nosso pensamento como realidade já formada; entretanto, o "belo" necessita ter relação com algum objeto para que se se possa concebê-lo. Uma moça bela, ou um carro belo. Note-se que o belo, para ser concebido, tem de se referir a um objeto (moça, carro) que já existe.

O professor Armando Câmara, embora reconhecendo que o valor não pertença ao mundo real ou ideal, acabou inserido o valor no mundo do ser por uma questão de realismo e explicou:

Não sendo o valor um ser real nem um ser ideal, é, no entanto, uma expressão do ser que está em todo o plano ontológico ---- no ser real e no ser ideal. Numa posição de realismo, inserimos então o valor no ser. Não identificamos valor e ser, não opomos valor e ser, não separamos o valor do ser, nem confundimos os dois. O valor é o ser, que se apresenta sob determinada forma (MENDONÇA, 1999:150)

Acontece que o valor não tem substantividade própria, e por isso não faz parte do mundo do ser. O valor adere a um ser, é uma qualidade, característica ou modo que se lhe agrega, motivo pelo qual o valor pertence ao mundo do dever ser.

E isso fica bem claro se tivermos em mente que o valor não se altera com a mudança dos objetos reais ou psíquicos que o portam. De sorte que um carro, com o tempo, pode deixar de ser belo; todavia, o valor beleza continua existindo em toda a sua plenitude, já que os valores são permanentes.

Não se desconhece que os valores somente podem se manifestar por meio da realidade; porém, não há como reduzi-los aos objetos reais ou psíquicos que os encarnam, uma vez que os valores têm uma realidade própria que pode ser pensada ou sentida pelo homem.

Lotze é apontado como o pai da moderna filosofia dos valores, porque foi o primeiro a contrapor o mundo dos valores, que se descobre pelo sentir espiritual, ao mundo do ser que se revela pela inteligência (HESSEN 1946:24).

Pode-se concluir que os valores fazem parte da nossa realidade como objetos do mundo do dever ser, que engloba a Ética, a Estética e a Filosofia religiosa.

O Direito, consoante será visto no momento oportuno, faz parte da Ética, e, por isso, embora os valores façam parte dele (Direito), com ele não se confundem.