• Nenhum resultado encontrado

2.5 Princípios e regras – critérios diferenciadores

2.5.8 Gradualidade-qualitativa

2.5.8.3 Origem histórica da proporcionalidade

A palavra "proporcionalidade" evoca a idéia de simetria harmônica entre diferentes grandezas. Essa idéia, transposta para o direito, cria a noção de uma justiça distributiva, isto é, dar a cada um o que é seu, na medida de sua necessidade e esforço.

Como a balança é o símbolo da Justiça, a proporcionalidade seria o equilíbrio dos pratos da balança que portava a deusa Diké, na concepção grega, ou Iustitia, de índole romana. Assim, "a idéia de proporção nos arquétipos do pensamento jurídico ocidental, é a de que essa praticamente se confunde com a própria idéia do 'direito'" (GUERRA FILHO, 2002:73).

Contudo, com o surgimento do Estado Moderno, mormente tendo em vista a idéia de soberania como relação de poder impessoal e abstrata, o direito foi reduzido à lei, a qual tinha por escopo restringir a liberdade da pessoa em benefício da coletividade.

Não se demorou a perceber que as restrições impostas pelo Estado acabavam por ofender direitos fundamentais básicos da pessoa humana, gerando uma relação desproporcional entre os direitos individuais das pessoas e o poder estatal.

Em um primeiro momento, buscando reestabelecer o equilíbrio entre as restrições legais impostas pelo Estado e os direitos fundamentais da pessoa, empregou-se o jusnaturalismo, de cunho racional, que sustentava ser o homem portador de direitos inalienáveis decorrentes de sua natureza humana, por isso eventuais leis que restringissem tais direitos, a ponto de suprimi-los, não deveriam ser cumpridas.

Ocorre que, ante o declínio do direito natural e a supremacia do positivismo jurídico, houve a necessidade de buscar, dentro do próprio sistema legal, fundamento para evitar abusos do poder soberano do Estado.

Então, os estudiosos do direito administrativo, primeiro na Prússia e depois no restante da Europa, formularam o princípio geral da "proibição de excesso", porque a atuação do Estado, mormente quando exercia seu poder de polícia, podia limitar a liberdade dos indivíduos, asfixiando-a de modo insuportável. De sorte que a "proibição de excesso" visa disciplinar o poder de polícia, o qual deve ser exercido na medida necessária para buscar a segurança da coletividade.

Convém deixar assentado que a proibição de excesso era destinada, a princípio, a conter o poder de polícia do Estado-Administração; contudo, posteriormente, constatou-se que o exercício do poder de polícia impunha, não raras

vezes, o emprego de certa discricionariedade por parte do Estado, e, então, a proibição de excesso também acabou sendo utilizada para o controle da discricionariedade.

Nos seus primórdios, a "proibição de excesso" era restrita ao Poder Executivo, representante do Estado-Administração. Não obstante, rapidamente se atinou para a situação de que o poder discricionário também estava presente quando o órgão judicial aplicava as leis aos casos concretos ou quando o legislador produzia uma nova lei. Assim, a "proibição de excesso" passou a ser aplicada também ao Estado-Legislador e ao Estado-Juiz.

Coube ao Tribunal Constitucional da Alemanha Ocidental reconhecer o caráter constitucional do princípio geral da proibição de excesso, deslocando-o do campo do direito administrativo para o plano constitucional e aplicando-o a todos os atos do Estado.

Isso aconteceu porque, após o advento da Segunda Guerra Mundial, a economia da Europa estava arrasada, principalmente a da Alemanha, derrotada pelos aliados.

A Constituição alemã que emergiu do pós-guerra trouxe uma inovação: ao lado da legalidade, fundamento do positivismo jurídico, dever-se-iam respeitar os direitos fundamentais da pessoa humana, visando a preservar sua dignidade, devastada pelos horrores do regime nazista.

Nesse rumo de idéias, as declarações solenes de direitos humanos previstas na Constituição de Alemanha Ocidental deixaram de ser vistas como simples declarações filosóficas, sem cunho de juridicidade.

A grande revolução do pensamento constitucional alemão consistiu em entender que as declarações de direitos da pessoa humana postas, implícita ou explicitamente, no texto constitucional eram atos de legislação, dotados de caráter vinculante; logo, tais direitos passaram a servir de parâmetro para controlar a constitucionalidade dos atos do Poder Público, nas suas três funções básicas (Executivo, Legislativo e Judiciário).

Esse controle de constitucionalidade feito pelo Poder Judiciário, para não cair no puro arbítrio, teria de ser realizado respeitando os valores previstos na Constituição e a separação dos Poderes do Estado.

Houve, pois, a exigência de se criar um procedimento que evitasse abusos por parte do Poder Judiciário. Construiu-se uma doutrina que visava estabelecer critérios mínimos para se decretar a ocorrência de excessos por parte do Estado em detrimento dos direitos fundamentais.

A construção dessa nova doutrina, no início, apresentou grande variação terminológica, pois várias expressões foram utilizadas nos acórdãos do Tribunal Constitucional alemão para procurar tonificar o correto entendimento da expressão "vedação de excesso", transposta do direito administrativo para o constitucional.

Paulo Bonavides, escudado em Hans Schneider e em Hirschberg, apontou as seguintes expressões empregadas pelo Tribunal Alemão: "inadequado", "racional", "materialmente justo e legítimo", "necessário", "indispensável", "absolutamente necessário", "vedação de arbítrio", "princípio de avaliação de bens jurídicos", "princípio de avaliação de interesses" e "princípio da justiça" (BONAVIDES, 2003:404).

A variada nomenclatura empregada pelo Tribunal Constitucional alemão refletia a vacilante doutrina da época em que foi sistematizada, como

princípio da proporcionalidade, por Rupprecht von Krauss, em 1955, na obra Der Grundsatz der Verhältnismäbigkeit (traduzida livremente como O princípio da proporcionalidade).

O mérito de Rupprecht von Krauss, segundo Paulo Bonavides, foi perceber a diferença entre o princípio da proporcionalidade e o da necessidade, que, até então, eram vistos como sinônimos; todavia, von Krauss manteve-se fiel à tradição e continuou a equiparar proporcionalidade e necessidade como conceitos idênticos.

Foi somente com a obra de Peter Lercher, de 1961, intitulada Übermass und Verfassungrecht, Zur Bindung des Gesetzgebers na die Grundsätze der Verhältnismässigkeit und Erforderlichkeit (traduzida livremente como Excesso e direito constitucional, a vinculação do legislador aos princípios da proporcionalidade e da necessidade), que houve a distinção entre proporcionalidade e necessidade, inseridos como requisitos da "proibição de excesso".

As expressões "proibição de excesso" e "princípio da proporcionalidade" passaram a ser empregadas indistintamente, expressando um juízo de ponderação de bens jurídicos em conflito com o poder de império do Estado. É esse o posicionamento da quase totalidade da doutrina brasileira.

Não obstante, algumas decisões do Tribunal Constitucional alemão faziam referência a "proibição de excesso" e ao "princípio da proporcionalidade" como realidades distintas, tendo plano de atuação diverso.

Concorda-se com o posicionamento expresso no parágrafo acima, uma vez que a proibição de excesso tem significado e aplicação próprios, que não podem ser equiparados ao postulado normativo da proporcionalidade (ÁVILA, 2004:100).

A proibição de excesso seria um critério para valorar se a restrição de um direito fundamental é de tal magnitude que, praticamente, perdeu seu núcleo essencial.

Por esse critério, avalia-se o limite máximo em que é possível restringir um direito fundamental, sem ofender o seu núcleo rígido. Aqui não há a preocupação de fazer uma relação de ponderação entre a restrição do direito e o fim a ser alcançado.

Tanto é verdadeira a assertiva acima que o oposto da proibição de excesso é o chamado "defeito de proteção", ou seja, a ausência ou insuficiência de medidas protetivas por parte do Estado para preservar o núcleo essencial de um direito fundamental (CANOTILHO, 1998:265).

Assim, tanto a "proibição de excesso" quanto o "defeito de proteção" buscam proteger a essência de dado direito humano fundamental, isoladamente considerado. Não há conflito ou colisão de direitos que visem dada finalidade.

Em se tratando de "proibição de excesso", avalia-se o comportamento comissivo do Estado, isto é, uma atividade estatal cuja aplicação acaba por extinguir certo direito fundamental; já no "defeito de proteção" se verifica se há a omissão do Estado, vale dizer, um não agir que coloca em risco a essência de um direito humano básico, como, por exemplo, se a proteção do direito a vida do feto pode prescindir da criminalização do aborto (CANOTILHO, 1998:265).

Em contrapartida, o "princípio da proporcionalidade" é um método para avaliar a constitucionalidade da restrição de um direito fundamental para alcançar determinado fim tido como proveitoso para toda a coletividade.

Atente-se para o fato de que agora o núcleo essencial do direito fundamental restringido está preservado; apenas se discute se o meio utilizado para a restrição é o menos gravoso.

Em conclusão, o postulado normativo da proporcionalidade e a proibição de excesso não devem ser aplicados como sinônimos, porque são utilizados para avaliar situações diversas; portanto, tecnicamente, não podem ser confundidos.

O Tribunal Constitucional Federal da Alemanha, em decisão proferida em 16 de março de 1971, sobre a armazenagem de petróleo, forneceu o seu entendimento sobre a essência do "princípio da proporcionalidade", estremando- o da "proibição de excesso":

O meio empregado pelo legislador deve ser adequado e necessário para alcançar o objetivo procurado. O meio é adequado quando com seu auxílio se pode alcançar o resultado desejado; é necessário, quando o legislador não poderia ter escolhido um outro meio, igualmente eficaz, mas que não limitasse ou limitasse da maneira menos sensível o direito fundamental

(apud BONAVIDES, 2003:409-10).

A partir dessa decisão emblemática, o "princípio da proporcionalidade", chamado por nós de "postulado normativo da proporcionalidade", ganhou uma estrutura mínima, decomposta em três requisitos básicos, a saber: a adequação, a necessidade e a proporcionalidade em sentido estrito.

Impõe-se, portanto, o estudo desses requisitos, os quais servirão de norte ao julgador para que realize a escolha do princípio a ser adotado no caso de colisão entre eles porque estamos em face de uma antinomia real e nenhum dos princípios deve ser arbitrariamente sacrificado em prol do outro.