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Entre 1980 e 2000, a contribuição de Porter (1990, 2005) à economia industrial, particularmente para a abordagem estrutura-conduta-desempenho, é de tal forma relevante que ele se posiciona na vanguarda daqueles que influenciaram as pesquisas em gestão estratégica no período.

Pressupõe-se que o desempenho das organizações a partir da “visão da Organização Industrial” está condicionado pela estrutura da indústria. Seguindo essa visão, as organizações são homogêneas, não fazendo muito sentido o estudo de suas peculiaridades internas. Porter é

o autor basilar das teorias de estratégia que seguem essa visão. Suas contribuições estão relacionadas à análise da indústria, tendo por base o ambiente externo e as forças que dirigem a concorrência entre as organizações.

Porter (2005) refere-se aos segmentos produtivos por tipo de ramo de atividade econômica. A análise estrutural das indústrias é feita a partir do que ele chama de “forças competitivas”. Cinco variáveis são identificadas: ameaça de novas empresas, ameaça de novos produtos e serviços, poder de barganha dos fornecedores, poder de barganha dos compradores e rivalidade entre os competidores. A intensidade dessas forças varia conforme a indústria e determina sua lucratividade no longo prazo, porque fixa os preços que as empresas podem cobrar, os custos a serem suportados e o investimento necessário para competir.

Há, contudo, muitas críticas à visão da Organização Industrial. A principal delas relaciona-se à observação de que a estrutura da indústria não é o único determinante do desempenho de uma organização, pois é possível que algumas organizações obtenham performances persistentemente superiores ao combinarem seus recursos internos para a realização daquilo a que elas se propõem a fazer.

Outra possibilidade de estudo no campo das estratégicas organizacionais é a perspectiva denominada “Resource-based View” (RBV), ou “Escola de Recursos”, conforme denominam Ramos e Joia (2007). Em essência, a RBV é uma lente teórica que se desenvolveu a partir das perspectivas econômicas de Penrose (1959), das quais se vislumbrou a possibilidade de distinção de uma empresa como algo determinado pela heterogeneidade dos produtos e serviços disponíveis ou potencialmente disponíveis a partir de seus recursos. Nessa perspectiva, uma organização é um conjunto amplo de recursos.

Penrose (1959) enfatiza que, muito além de uma entidade administrativa, a organização constitui-se em um conjunto de recursos produtivos, cuja disposição entre diversos usos e por meio do tempo é determinada por decisões administrativas. A autora ressalta, ainda, que os serviços que os recursos podem prestar, e não os recursos em si, constituem os insumos do processo produtivo da organização, pela sua possibilidade de uso para fins diversos, pela combinação com outros recursos e modos diferentes de utilização.

Para ratificar a importância da RBV para a pesquisa nesse campo, Ramos-Rodriguez e Ruiz-Navarro (2004), em seu estudo sobre as mudanças na estrutura intelectual da pesquisa em gestão estratégica, enfatizam que esta perspectiva tem obtido destaque e alcançado relevância no referido campo, ao ser reconhecida como a mais importante contribuição para a disciplina, especialmente a partir da década de 1990, quando obteve amplo reconhecimento entre os pesquisadores da área.

Os dois textos mais influentes sobre essa abordagem foram escritos por Wernerfelt (1984) e por Barney (1991). Enquanto o primeiro foi o pioneiro da visão baseada em recursos da empresa, o último avançou ao desenvolver um modelo para identificar as características dos recursos estratégicos e, portanto, para a definição daqueles recursos que se constituiriam em uma fonte de vantagem competitiva. Não há dúvidas, conforme constataram Ramos- Rodriguez e Ruiz-Navarro (2004), quanto à influência e à relevância desses dois artigos no desenvolvimento da RBV. Contudo, as contribuições de outros estudos também merecem destaque.

Wernerfelt, em seu texto publicado em 1984, partiu da ideia de que o portifólio de posições de mercado de produtos que uma empresa possui reflete no portifólio de recursos que controla. Nesse sentido, para todo conceito capaz de analisar a competitividade do mercado de produto de uma empresa deve existir um conceito complementar capaz de analisar o nível de competitividade entre os recursos controlados pelas diferentes empresas (BARNEY; CLARK, 2007).

Wernerfelt, na referida publicação, reconheceu que a competição por recursos entre as empresas, baseada em seus perfis de recursos, poderia ter importantes implicações para a habilidade das empresas ganharem vantagens na implementação das estratégias de mercado de produto. Dessa maneira, Wernerfelt antecipou alguns dos elementos críticos da teoria baseada em recursos desenvolvida na década de 1990 (BARNEY; CLARK, 2007).

Wernerfelt (1984) apresentou a visão da organização como um agrupamento de recursos que permitem avaliar suas forças e fraquezas. Embora as cinco forças competitivas de Porter tenham sido originalmente utilizadas como ferramentas para a análise de produtos, Wernerfelt percebeu nelas uma possibilidade para analisar os recursos. Essa perspectiva possibilita às organizações elaborar opções estratégicas diferentes, envolvendo, por exemplo, a busca pelo equilíbrio entre a exploração dos recursos existentes e o desenvolvimento de novos.

Também em 1984, Rumelt publicou um artigo no qual começou a descrever uma teoria estratégica das empresas para explicar porque elas existem, concentrando-se na capacidade de umas gerarem rendas econômicas mais eficientes do que outras. Dentre as várias contribuições dadas por Rumelt (1984), destaca-se que ele definiu as empresas como um conjunto de recursos produtivos e sugeriu que o valor econômico desses recursos varia de acordo com o contexto no qual eles são aplicados. Além disso, ele sugeriu que a imitabilidade desses recursos depende da medida em que são protegidos por mecanismos de isolamento. Rumelt chegou a desenvolver uma lista desses mecanismos de isolamento e começou a

discutir os atributos dos recursos que podem fortalecer sua inimitabilidade (BARNEY; CLARK, 2007).

Destaca-se uma terceira publicação sobre o tema: Barney (1986). Similarmente à Wernerfelt (1984), Barney sugere que é possível desenvolver uma teoria sobre o desempenho persistentemente superior de uma empresa com base nos atributos dos recursos que ela controla. Entretanto, Barney (1986) vai além de Wernerfelt (1984) ao argumentar que tal teoria pode ter implicações muito diferentes das teorias de vantagem competitiva com base nas posições de mercado de produtos das empresas. Nesse estudo, Barney inicia a construção do que chamará mais tarde de Resource-based View.

Barney (1986) introduz o conceito de mercados de fatores estratégicos como o mercado onde as empresas adquirem ou desenvolvem recursos necessários para implementar suas estratégias. Barney esclarece que se os mercados de fatores estratégicos são perfeitamente competitivos, a aquisição de recursos nesses mercados antecipa o desempenho que esses recursos terão quando usados para implementar as sua estratégias. Isso sugere que, se os mercados de fatores estratégicos são perfeitamente competitivos, mesmo que as empresas tenham sucesso na implementação de estratégias que criam mercados de produtos imperfeitamente competitivos, aquelas estratégias não serão uma fonte de rendas econômicas. Na contramão de Porter, Barney argumenta que, se os mercados de fatores estratégicos forem sempre perfeitamente competitivos, não será possível que as empresas ganhem rendas econômicas (BARNEY; CLARK, 2007).

Considerando que os mercados de fatores estratégicos não são sempre perfeitamente competitivos, Barney (1986) apontou duas justificativas: primeiro, em face das incertezas, as empresas podem ter sorte e, segundo, uma empresa particular possui ideias incomuns sobre o valor futuro dos recursos que ela adquire ou desenvolve no mercado de fator estratégico. Barney sugere, em conseguinte, que os recursos que uma empresa já controla são mais prováveis de serem fontes de rendas econômicas do que os recursos que ela adquire em fontes externas.

Dierickx e Cool (1989) destacaram-se por focarem precisamente aqueles tipos de recursos e capacidades que são de interesse central para a RBV: os ativos não negociáveis desenvolvidos e acumulados dentro da empresa. Tais ativos tendem a desafiar a imitação, porque eles têm uma dimensão tácita forte, são socialmente complexos e nascem da habilidade organizacional e do aprendizado corporativo. Os ativos dessa natureza são imóveis, não são facilmente transferíveis para outras organizações e, portanto, estão vinculados

diretamente à empresa. A imobilidade ou a imperfeita mobilidade constituem um fator relevante para obter-se vantagem competitiva sustentável.

Em conjunto com os textos de Wernerfelt (1984) e de Barney (1986), os textos de Rumelt (1984) e de Dierickx e Cool (1989) descreveram alguns dos princípios da teoria baseada em recursos. Esses autores concluiram que é possível desenvolver uma teoria do desempenho persistentemente superior da empresa usando os recursos controlados por ela como uma unidade de análise.

Alguns dos atributos que os recursos devem possuir para que eles se tornem fonte sustentável de desempenho superior da empresa foram descritos nos conceitos de valor e de mecanismos de isolamento de Rumelt (1984) e na noção de Barney (1986) de que os recursos já controlados por uma empresa são mais prováveis de serem fontes de rendas econômicas do que outros tipos de recursos. Além disso, eles sugeriram que é o conjunto de recursos exclusivos possuídos por uma empresa que pode ser capaz de fazê-la ganhar e sustentar seu desempenho superior (BARNEY; CLARK, 2007).

Peteraf (1993), assim como Wernerfelt (1984), deu contribuições importantes para a identificação da proposição central da RBV: a fonte da vantagem competitiva encontra-se primeiramente nos recursos e competências desenvolvidos e controlados pelas empresas e apenas secundariamente na estrutura das indústrias nas quais elas se posicionam.

Peteraf (1993) sugere que os recursos e as competências que podem gerar vantagens competitivas sustentáveis devem apresentar as condições que se seguem:

a) Condição de heterogeneidade – significa que, em termos de seus recursos e competências, as organizações devem ser, fundamentalmente, diferentes. A noção de que as empresas são heterogêneas tem, ao longo do tempo, se tornado a essência do campo da gestão estratégica. A heterogeneidade é a condição sem a qual não pode haver vantagem competitiva ou vantagem competitiva sustentável. A abordagem clássica para a formulação de estratégias, por exemplo, começa com uma avaliação das competências e dos recursos organizacionais. Aqueles que são identificados como distintos ou superiores, quando comparados com os dos concorrentes, devem se tornar a base para uma vantagem competitiva se eles são desenvolvidos apropriadamente para as oportunidades percebidas no ambiente. O modelo de Peteraf (1993) defende que a heterogeneidade é uma condição necessária para se obter vantagem competitiva sustentável, mas não suficiente.

b) Condição de existência de dois fatores críticos que limitam a competição ex-post: imitabilidade imperfeita e substitutibilidade imperfeita – as organizações devem preservar seus recursos valiosos por meio das condições de imperfeitas imitabilidade e

substitutibilidade, estabelecendo limites ex-post à concorrência, para que a lucratividade seja sustentável. A heterogeneidade constitui a base desta condição. Com heterogeneidade, mas sem limites ex-post, as organizações terão diferenças facilmente imitáveis.

c) Condição de imobilidade dos recursos – os recursos devem ser perfeitamente imóveis – ou seja, não negociáveis – para assumirem esta condição. Esses recursos são idiossincráticos, na medida em que eles não têm outra utilização fora da empresa. A heterogeneidade constitui também a base da condição de mobilidade imperfeita. Novamente, os recursos heterogêneos não precisam ser imperfeitamente móveis, mas é difícil imaginar quaisquer recursos imperfeitamente móveis que não sejam, também, heterogêneos por natureza. Os recursos que são imóveis por sua natureza idiossincrática ou por pertencer a empresas específicas são certamente heterogêneos.

d) Condição de limites ex-ante à circunstância de competição – refere-se à aquisição, ou desenvolvimento, por parte da empresa de recursos que virão a ser raros ou superiores, por possuírem informações privilegiadas acerca das condições do mercado. Uma localização superior pode ser uma fonte de retornos acima do normal – por exemplo, quando a empresa teve a clarividência de adquirir esse recurso na ausência de competição. Este ponto é trazido por Barney (1986) ao argumentar que o desempenho econômico das empresas depende não apenas do retorno de suas estratégias, mas também do custo de implementação dessas estratégias. Nesta situação, a lucratividade origina-se da incerteza ex-ante.

Kraaijenbrink, Spender e Groen (2010), autores que apresentaram contribuições importantes à RBV, ressaltam que as fontes de vantagem competitiva sustentável ex-ante são preferenciais e detentoras de assimetria de informação sobre o valor futuro dos recursos disponíveis. Quando os gestores de uma empresa conseguem estimar o valor futuro de um recurso melhor do que seus concorrentes, isso proporciona à sua empresa fontes ex-ante de vantagem competitiva sustentável. Tal vantagem, no entanto, pode ser de natureza estática e não se prestar à criação de futuras oportunidades de geração de renda.

O modelo de Peteraf (1993) destaca a importância de cada uma dessas condições e, em particular, explica o papel que cada uma delas desempenha na criação e manutenção da lucratividade. No entanto, essas quatro condições são relacionáveis e não interdependentes. É importante reconhecer, também, que a produtividade superior dos recursos depende da natureza do seu trabalho e da habilidade com que uma estratégia baseada na superioridade dos recursos é implementada.

A grande contribuição, identificada por Peteraf (1993), do modelo baseado em recursos é que ele explica as diferenças duradouras na rentabilidade das empresas, diferenças

essas que não podem ser atribuídas às heterogeneidades nas condições da indústria. A autora cita estudos que evidenciam que tais diferenças não estão bem explicadas pela participação na indústria (Schmalensee, 1985; Mueller, 1986; Wernerfelt e Montgomery, 1988; Hansen e Wernerfelt, 1989; Rumelt, 1991), mas pelos efeitos internos das empresas (Mueller, 1986; Hansen e Wernerfelt, 1989; Rumelt, 1991).

A RBV define que os recursos específicos (ou internos) da organização são aqueles de importância determinante para estabelecer a vantagem competitiva, por possuírem natureza e características únicas e por não poderem ser livremente comprados e vendidos no mercado. Todas os estudos citados convergem para o entendimento de que as organizações são compostas por um conjunto específico de recursos e atributos e por um conjunto de competências e habilidades.

As ideias e os conceitos citados foram essenciais para o início da RBV e para sua evolução, conforme será explicado adiante. A partir desses conceitos basilares desenvolveu-se a seguinte proposição:

Os recursos e as competências organizacionais superiores desenvolvidos internamente e controlados externamente pelas IEBTs são críticos para o estabelecimento das vantagens competitivas dessas organizações.

É importante ressaltar desde esse ponto que esta pesquisa fará uma extensão à formulação tradicional da RBV, porque é necessário considerar, além de outras questões que serão apresentadas no decorrer deste texto, que as IEBTs controlam recursos e competências acessados externamente, além daqueles desenvolvidos em seu interior. Devido à natureza dessas organizações, além dos recursos e das competências internos, os controlados externamente tendem a ser valiosos para o alcance de seus objetivos, e ambos propendem a contribuir de forma integrada para a formação de vantagens competitivas.