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Antes de relacionar alguns dos conceitos estruturadores da disciplina, é importante mencionar a historicidade desses conceitos, entendidos como instrumentos ou, usando uma imagem, como “lentes” através das quais estudamos e nos posicionamos em relação ao passado e ao presente.

O passado pode ser definido como uma série de eventos que tiveram lugar num momento anterior àquele que a consciência das pessoas identifica como momento presente. O passado é, portanto, aquilo que não está, aquilo que não existe mais, mas “sabe-se” que um dia existiu. Conforme um historiador:

Todo ser humano tem consciência do passado […] em virtude de viver com pessoas mais velhas. Provavelmente todas as sociedades que interessam ao historiador tenham um passado, pois mesmo as colônias mais inovadoras são povoadas por pessoas oriundas de alguma sociedade que já conta com uma longa história. Ser membro de uma comunidade humana é situar-se em relação ao seu passado (ou da comunidade), ainda que para rejeitá-lo. O passado é, portanto, uma dimensão permanente da consciência humana, um componente inevitável das instituições, valores e outros padrões da sociedade humana (Hobsbawn, 1998, p. 22).

O passado pode ser utilizado como padrão para determinadas sociedades que procuram reproduzir ou conservar em seu cotidiano as “velhas formas do viver”; e pode também ser usado como um guia de orientação para sociedades que enfrentam pequenas ou grandes mudanças e necessitam de modelos ou exemplos. O passado pode ainda ser invocado para justificar ou apoiar determinadas reivindicações ou para explicar algumas mudanças ou a necessidade delas. De qualquer modo, o passado está intrinsecamente relacionado com o presente, e é nele que os historiadores, na prática de seu ofício de reconstituir o passado ou construir o conhecimento histórico, encontram as “lentes” com que olham para o passado.

A produção historiográfica, no momento, busca estabelecer diálogos com o seu tempo, reafirmando o adágio que “toda história é filha do seu tempo”, mas sem ignorar ser fruto de muitas tradições do pensamento (PCNEM, 1999, p. 300).

da vida social, e a nossa experiência coletiva é a da convivência e adaptação aos ritmos variáveis das transformações sociais. O passado que explica e confere legitimidade ao presente é aquele visto como um processo de mudanças, ou seja, um passado que não se apresenta como algo dado e estático, encerrado em si mesmo, mas como um movimento de mudança direcional, de desenvolvimento rumo ao presente.

O passado visto como processo histórico nos permite organizar as experiências humanas em formações sociais distintas, identificando as diferentes velocidades das transformações e as várias temporalidades inseridas nos acontecimentos. Na história, vista como um processo, os acontecimentos sociais são resultantes de um conjunto de ações humanas interligadas, de duração variável, sucessivas e simultâneas, em vários espaços do convívio social, motivadas por desejos ou necessidades de mudança ou de resistência, pela busca de soluções para problemas, por disputas e confrontos entre agrupamentos de indivíduos, o que gera tensões, conflitos e rupturas e delineia os movimentos da transformação histórica.

Sob essa perspectiva, quando nos referimos ao passado, não estamos nos referindo de modo impreciso a todas as coisas que aconteceram antes do momento presente, e sim ao passado construído pelas ações humanas em diferentes épocas e espaços, valorizando, portanto, o papel dos indivíduos como criadores de realidades e agentes das transformações a partir das relações sociais que constroem entre si. É esse conjunto, portanto, que constitui o objeto da História.

As produções historiográficas tradicionais, em suas variadas correntes e tendências, têm sido questionadas exatamente por fazerem desaparecer os sujeitos da história, ao destacarem as estruturas econômicas de longa duração com seus movimentos de transformação provocados por contradições internas, ou por fixarem-se na ação política, diplomática ou militar de “grandes personagens”, ordenando os “grandes eventos” num processo de mudança regido pela lógica da ordem e da linearidade, ou, ainda, por considerarem que a história é apenas uma projeção do pensamento contemporâneo sobre o passado, podendo haver tantas versões para ela quantos forem os diferentes sujeitos que se dispuserem a estudá-la, negando, desse modo, a realidade objetiva do processo histórico.

A produção historiográfica atual tem procurado superar essas dificuldades integrando-se a outras disciplinas da área de Ciências Humanas “redimensionando aspectos da vida em sociedade e o papel do indivíduo nas transformações do processo histórico, completando a compreensão das relações entre a liberdade (ação do indivíduo que é sujeito da história) e a necessidade (ações determinadas pela sociedade, que é produto de uma história)” (PCNEM, 1999, p. 299).

O desaparecimento ou o ocultamento dos sujeitos históricos pelo movimento das grandes estruturas, pelos grandes personagens ou pelo sujeito que se debruça sobre o passado, é resultado, de certo modo, do próprio processo de construção do conhecimento no qual operamos abstrações. Abstrair significa extrair ou separar algo de seu contexto e, comumente, separamos aquilo é considerado como geral, universal ou essencial, daquilo que é considerado individual, singular, particular. Assim, para “descobrir” os sujeitos históricos é preciso efetuar a operação inversa, isto é, contextualizar as ações dos sujeitos nos diferentes espaços de ação no cotidiano em

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