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Históriapapel do homem no processo de transformação da natureza, assim como dimensionar,

para além do tempo presente, os limites e o poder das ações humanas (PCNEM, 1999, p. 303).

Mas, apesar da existência do conceito relativamente recente de humanidade (cf. o antropólogo Claude Lévi-Strauss), com um passado e um futuro comuns, as diversidades culturais e históricas permanecem e, com elas, as múltiplas concepções de tempo. O tempo é apreendido pelas pessoas por meio das suas vivências pessoais, da convivência social e das relações com e nos ambientes. “Dentre os aspectos importantes decorrentes da abordagem dessas temporalidades, destaca- se a reciprocidade das transformações promovidas pela natureza sobre a vida dos homens e como estes mudam os ritmos de tempo da natureza.”

Ao se repensar o tempo histórico tendo como referência as relações homem–natureza, pode-se ainda avançar na compreensão das diversas temporalidades vividas pela sociedade e nas formulações das periodizações e dos marcos de rupturas. Assim como defendia Lévi-Strauss, as grandes transformações irreversíveis da sociedade podem ser basicamente divididas em dois grandes períodos. O primeiro momento desse longo processo foi a revolução agrícola, com a criação da agricultura, responsável por mudanças significativas nas relações entre os homens, a terra e as plantas e animais. O segundo grande momento foi o da revolução industrial dos séculos XVIII e XIX, que introduziu relações entre o homem e os recursos naturais em escala sem precedentes, impondo novo ritmo nos processos de transformações e de permanências. Esses dois momentos correspondem à constituição de novas formas de os homens organizarem o tempo, com novos ritmos, e de se organizarem no seu tempo cotidiano: ao longo desse processo, o tempo da natureza foi sendo substituído pelo tempo da fábrica (PCNEM, 1999, pp. 303-304).

Se as diferentes formas de organização do tempo cotidiano no âmbito das relações de produção e no âmbito das relações sociais, de um modo geral, influenciam a apreensão do tempo por parte dos seres humanos imersos em diferentes culturas, influenciam também os “sentidos” do passado. Se, como dissemos na abertura desse texto, o passado é uma dimensão permanente da consciência humana, que situa o indivíduo em relação à sociedade e fornece a ela os valores e padrões de suas instituições, o “problema para os historiadores é analisar a natureza desse ‘sentido do passado’ na sociedade e localizar suas mudanças e transformações” (Hobsbawn, 1998, p. 22).

É claro que não devemos encarar os estudantes de História do ensino médio como futuros historiadores. Mas devemos estimulá-los a perceber diferenças e semelhanças entre os múltiplos sentidos que o passado pode ter em nossa sociedade, e as variadas intenções com que é invocado para referendar este ou aquele projeto político ou valorizar esta ou aquela inovação tecnológica, por exemplo. E, ainda, à título de exemplo, podemos diferenciar um sentido de passado, como padrão ou modelo para o presente.

Nesse sentido, as sociedades ou grupos sociais procuram reproduzir valores e comportamentos ou formas de organização social, utilizando-as, em alguns casos,

como estratégias de recusa ou resistência à dominação. Em outros casos, o passado pode ser um repertório de experiências e preceitos morais, ao qual se recorre em casos de dúvida sobre como agir. Como memória de conquistas e glórias e depósito de monumentos e medalhas, pode ser chamado para reforçar ou criar uma unidade social em torno de um objetivo que passa a ser coletivo. Como memória de sofrimentos e espoliações e depósito de lágrimas e correntes, pode ser chamado para apoiar a unidade na luta por dignidade e liberdade.

Nem sempre a cronologia é relevante. Num sentido mítico do passado, às vezes basta a consciência de que antes as coisas eram assim e depois ficaram assadas. Um sentido do passado que desconsidera a cronologia pode ser encontrados nas mitologias de diferentes povos ou nos mitos da criação presentes em diversos discursos religiosos. E nem sempre a cronologia é suficiente quando, estudamos, por exemplo, os processos revolucionários. Nesse caso precisamos da noção de duração para compreendê-las como processos de ruptura, que podem levar a processos de transformação com velocidades diferentes em cada uma das dimensões da realidade social, gerando mudanças que convivem com per- manências. Por exemplo, revoluções no pensamento científico podem não eliminar crenças religiosas arraigadas, ou revoluções tecnológicas podem conviver com antigos valores morais reguladores das relações sexuais.

Diferentes concepções do tempo e diferentes sentidos do passado coexistem com a cronologia, o que é fundamental para a compreensão do passado como mudança histórica. Essas diferentes concepções, expressas em mitos, rituais, calendários e inscritas nas memórias coletivas e individuais, podem ser recriadas em diferentes tipos de narrativas. Os sentidos do passado também aparecem nessas diferentes fontes, o que amplia consideravelmente as possibilidades de trabalho com os alunos. As narrativas não são apenas textuais, mas também orais e cinematográficas. A comunicação entre os homens não é só escrita, é oral, é gestual, é pictórica. Os seres humanos transmitem mensagens e suas visões de mundo em forma de verso ou de música; na forma como se vestem ou se alimentam; no modo como constroem os edifícios e organizam aldeamentos, vilas e cidades. Em cada uma dessas formas de expressão e em suas diferentes linguagens há reflexos das problemáticas essenciais vividas pelos seres humanos em diferentes sociedades ou épocas e espaços. Assim como “cada indivíduo singular contém de maneira ‘hologrâmica’ o todo do qual faz parte e que ao mesmo tempo faz parte dele” (Morin, 2002, p. 38).

Introduzir na sala de aula o debate sobre o significado de festas e monumentos comemorativos, de museus, arquivos e áreas preservadas, permeia a compreensão do papel da memória na vida da população, dos vínculos que cada geração estabelece com outras gerações, das raízes culturais e históricas que caracterizam a sociedade humana. Retirar os alunos da sala de aula e proporcionar-lhes o contato ativo e crítico com ruas, praças, edifícios públicos e monumentos constitui excelente oportunidade para o desenvolvimento de uma aprendizagem significativa (PCNEM, 1999, p. 306).

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