• Nenhum resultado encontrado

Históriasuas esferas públicas e privadas e nas suas múltiplas dimensões – econômica, política,

social e cultural – em que as estruturas e as conjunturas estão presentes.

A pesquisa histórica esforça-se atualmente por situar as articulações entre a micro e a macro-história, buscando nas singularidades dos acontecimentos as generalizações necessárias para a compreensão do processo histórico. Na articulação do singular e do geral recuperam-se as formas diversas de registro e ações humanas tantos nos espaços considerados tradicionalmente os de poder, como o do Estado e das instituições oficiais, quanto nos espaços privados das fábricas e oficinas, das casas e das ruas, das festas e sublevações, das guerras entre as nações e dos conflitos diários para a sobrevivência, das mentalidades em suas permanências de valores e crenças e das transformações advindas com a modernidade da vida urbana em seu aparato tecnológico. (PCNEM, 1999, p. 300) A compreensão das sociedades como uma das unidades específicas, constituídas pelas inter-relações estabelecidas por conjuntos de pessoas também pode ajudar a nos situar na complexa trama da história, em que, mal comparando, somos como o inseto que produz a teia e, ao mesmo tempo, o que por ela está enredado.

O reconhecimento de que muitas das sociedades contemporâneas não mais se fundam em relações de parentesco levou ao desenvolvimento de pesquisas que buscam compreender a formação de grupamentos sociais de diversas naturezas – étnica, religiosa, cultural, política, econômica – bem como seus fluxos e transformações. A tendência atual é estudar os grupos sociais sob a ótica de um sistema de relações e comportamentos, considerando todos os aspectos da existência social, materiais e simbólicos. A história da luta de classes, por exemplo, de forte inspiração marxista e baseada no estudo das grandes estruturas econômicas, passou a incorporar pesquisas e reflexões sobre o conteúdo simbólico e os valores presentes na linguagem, nos discursos e nas manifestações culturais, com que as classes sociais expressam sua consciência de pertencimento e suas relações com as demais.

As pesquisas atuais consideram que relações de produção específicas não geram um grupo de pessoas que vivem isoladas dentro de uma determinada sociedade. Ao contrário, uma classe social se define por um sistema de relações horizontais e verticais, isto é, relações de diferença ou semelhança, de distância ou proximidade e também de função social, de exploração, dominação e submissão, luta ou resignação.

As maneiras como os grupos ou os indivíduos vêem a si mesmos, dentro desse sistema de relações, passaram a ser consideradas como partes da realidade social a ser investigada e analisada. A incorporação das representações do mundo social como objeto da História deve muito à Escola dos “Annales”, à Nova História e também às aproximações entre a História e a Antropologia que ampliaram o conceito de cultura nos trabalhos historigráficos, como mencionam os PCNEM:

[…] a cultura não apenas em suas manifestações artísticas, mas nos ritos e festas, nos hábitos alimentares, nos tratamentos da doenças, nas diferentes formas que os vários grupos sociais, ao longo dos séculos, têm criado para se comunicar, como a dança, o livro, o rádio, o cinema, as caravelas, os aviões, a Internet, os tambores e a música (PCNEM, 1999, p. 301).

regulamentos, habilidades, capacidades e hábitos construídos pelos seres humanos em determinadas sociedades, em diferentes épocas e espaços.

A ampliação do conceito de cultura abre novas perspectivas para o conceito de

identidade, à medida que passamos a considerar que as representações culturais e os

modos de comunicação, as formas de organização do cotidiano nas esferas privadas ou os hábitos, valores e idéias incorporados no contato entre gerações fundam a identidade pessoal e social do indivíduo.

A construção do “eu” e do “outro”, assim como a construção do “eu” e do “nós” não ocorre no vazio. Essas construções têm lugar nos diferentes contextos da vida humana e nos diferentes espaços de convívio social em que os indivíduos e os grupos atuam, baseando-se no reconhecimento de semelhanças e, simultaneamente, de diferenças, bem como no de mudanças e permanências. A construção de identidades pessoais e sociais está relacionada à memória, já que, tanto no plano individual como no coletivo, ela permite que cada geração estabeleça vínculos com as gerações anteriores.

Além das histórias escritas, as comunidades relembram o seu passado através da construção espontânea de uma memória coletiva, que se manifesta por meio de comportamentos, de condutas e de rituais, vivos e abertos à reconstrução permanente da lembrança e do esquecimento. […] A tendência nas sociedades urbanas e industriais é a predominância da história escrita sobre a memória e o desaparecimento progressivo das manifestações espontâneas e lembranças coletivas. […] Nessas sociedades complexas, a identidade coletiva, constituída através da memória, é substituída por lugares de memória (museus, bibliotecas, espaços culturais, galerias, arquivos…) ou por uma “grande história”, a história da nação, que pretende unir todos através de uma trajetória comum (Calazans, 1999).

Portanto, o conceito de memória lança luzes para a reflexão sobre os lugares da memória e também sobre as fontes documentais consideradas tradicionalmente como documentos históricos, ampliando os limites de sua abrangência para as formas variadas com que os seres humanos constroem as representações do mundo social. A

memória recoloca, ainda, a questão da relação entre presente e passado e também quanto

ao futuro. Os indivíduos, assim como as sociedades, procuram preservar o passado como um guia que serve de orientação para enfrentar as incertezas do presente e do futuro. Mas a globalidade da experiência vivida não pode ser totalmente “arquivada” e, em geral, é no presente que vivemos e no futuro que concebemos, que configuramos os critérios para a reconstrução permanente da lembrança e do esquecimento.

Além disso, a memória nos remete à questão do tempo:

A percepção de eventos que se produzem “sucedendo-se no tempo” pressupõe, com efeito, existirem no mundo seres que sejam capazes, como os homens, de identificar em sua memória acontecimentos passados, e de construir mentalmente uma imagem que os associe a outros acontecimentos mais recentes, ou que estejam em curso (Elias, 1998, p. 33).

História