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A concepção de crise nos Grundrisse

A concepção de Marx sobre a crise nos manuscritos econômicos de 1857-1858 ou esboço da crítica da economia política – Grundrisse der Kritik der Politischen Ökonomie – diferencia-se singularmente de sua apresentação tanto em seus trabalhos anteriores como no próprio O Capital, obra em que condensa seus estudos sobre o conceito do capital em geral. O estudo e análise deste trabalho permite construir uma noção do significado lógico e histórico desta categoria, enquanto desdobramento ontológico do metabolismo entre as partes orgânica e inorgânica da natureza, cuja expressão sintética consiste, por um lado, no duplo estatuto da humanidade como sujeito-objeto, ou animal político criado pela subjetivação da natureza; e, por outro lado, na relação inversa, mediada pela segunda natureza, tecnológica e cultural, criada pela objetivação humana em sua hominização da primeira natureza; que ora se condensa em unidade, ora em conflito violento e transições históricas, consumando as relações entre os homens e natureza, e dos primeiros entre si, mediados pela segunda natureza (MARX, 2009, pp. 84 e 453-454).

Este pressuposto à noção de crise é, justamente, a diferença específica que permite definir esta categoria teórica como potência imanente à substância da mercadoria, o trabalho humano constrangido a uma dupla existência pelo sistema mercantil do capital, uma vez como produto, valor de uso, e outra como dinheiro, valor de troca. Esta forma objetivada do trabalho, a mercadoria, externaliza a contradição intrínseca à sua força produtiva, o trabalho vivo, entre sua expressão determinada e sua expressão social ou entre sua expressão concreta e sua expressão abstrata, que no limite conduz suas propriedades antitéticas ao paroxismo e à crise, que reclama violentamente a unidade natural entre as formas de ser do trabalho social, enquanto valor. Marx no curso de seus estudos sobre o conceito de capital em geral apresenta esta concepção de crise como o desdobramento natural ante a ruptura da unidade e autonomização destes aspectos fundamentais do trabalho vivo e sua objetivação no sistema do capital.

Sua construção teórica na presente obra inicia justamente no debate sobre o sistema do bônus-horário proposto por Darimon, um seguidor teórico de Proudhon. A concepção de crise aparece enquanto potência resultante da contradição interna da força

produtiva do trabalho vivo, objetivado em mercadoria e dinheiro. Marx explica que Darimon atribui ao privilégio do “ouro e da prata”, por ser “o único instrumento autêntico da circulação e da troca, não apenas a crise atual, mas as crises periódicas do comércio”, e que este diagnóstico requer “para controlar todos os inconvenientes das crises […] que o ouro e a prata fossem mercadorias como as outras”, isto é, “que todas as mercadorias fossem instrumentos de troca com o mesmo estatuto [...]” (p. 112). Segundo Marx, os economistas ingleses também pensam solucionar o problema com uma distinção, argumentando que “nos momentos de crises monetárias não é o ouro e a prata como moeda que é requerido”, mas “capital”; porém, “se esquecem de adicionar: capital, mas capital sob a forma determinada de ouro e prata”. Contudo, se “o capital é exportável sob qualquer forma, como explicar o efluxo precisamente dessas mercadorias, quando a maioria das outras se deprecia devido à falta de escoamento?” (p. 115).

O autor recorre a várias hipóteses em que um país possa necessitar exportar ouro para cobrir um deficit, por má colheita, excesso de importação e a guerra, para em seguida demonstrar que a “exportação de ouro não é a causa da crise de cereais, mas a crise de cereais que é a causa da exportação de ouro”. Explica que poderia se afirmar que apenas em duas direções o ouro e a prata interferem e agravam os sintomas de uma crise:

1) se a exportação de ouro é dificultada em virtude das condições da reserva metálica às quais estão ligados os bancos; porquanto as medidas tomadas pelo banco contra essa exportação de ouro repercutem negativamente sobre a circulação doméstica; 2) se a exportação de ouro torna-se necessária porque as nações estrangeiras só querem aceitar capital na forma de ouro e em nenhuma outra forma (p. 120).

Entretanto, a Escócia, em que o dinheiro de papel é preferido ao metálico, todas as crises sociais advindas da Inglaterra que viveu por imposição da lei de 1844, não registrou nenhuma crise monetária propriamente dita, nenhuma “depreciação das notas”, nem queixas para saber se o “quantum de moeda circulante” era suficiente ou não, etc (p. 124).

Os economistas que argumentam a não depreciabilidade nominal do dinheiro de metal durante as crises, segundo Marx, não observam que ele se deprecia durante os momentos de prosperidade econômica (p. 125). A ilusão dos partidários do bônus-horário de que suprimir a “diferença nominal entre valor real e valor de mercado, entre valor de troca e preço” faz o valor objetivado em determinado tempo de trabalho (ouro ou prata) expressar-se

no próprio tempo de trabalho e eliminar “a diferença e a contradição efetiva entre preço e valor”, está implícita a noção de que a “simples introdução do bônus-horário elimina todas as crises, todas as anomalias da produção burguesa. […] Cada mercadoria seria assim transformada diretamente em dinheiro, e o ouro e a prata, por seu lado, seriam rebaixados à posição de todas as outras mercadorias” (p. 131).

Nesta controvérsia, Marx desenvolve sua concepção da categoria crise indagando: “a existência do dinheiro ao lado das mercadorias não envolve desde logo contradições que estão dadas nessa própria relação?”. A resposta do autor é que a dupla existência da mercadoria, como produto determinado, que “contém idealmente seu valor de troca e, depois, como valor de troca manifesto (dinheiro), tem de continuar até a diferença, a antítese e a contradição” (p. 143). A antinomia entre “sua natureza particular como produto e sua natureza universal como valor de troca”, que “gerou a necessidade” de desdobrá-la em mercadoria e dinheiro, contém ab ovo “a possibilidade de que essas duas formas de sua existência separadas não sejam mutuamente convertíveis”. O dinheiro como “coisa exterior e ao lado da mercadoria submete sua permutabilidade a condições externas”. Na troca, a mercadoria é demandada por seu valor de uso, enquanto que o dinheiro por seu valor de troca, “como valor de troca simbolizado”, estas circunstâncias “podem acarretar a inconvertibilidade” entre ambos, pois “a permutabilidade existindo fora” destes, “torna-se algo distinto e estranhado” com quem devem “se igualar”, logo pressupostos desiguais, dependentes de condições externas e contingente (p. 144).

O valor de troca da mercadoria existindo duplamente, “como mercadoria determinada e como dinheiro”, decompõe a troca “em dois atos mutuamente independentes”: M-D (mercadoria em dinheiro) e D-M (dinheiro em mercadoria); ou seja, compra e venda. Atos que adquirem formas de existência espacial e temporal separados e que podem se corresponder ou não, coincidir ou não, ou entrar em relações recíprocas discrepantes. Atos que buscam se equalizar em constante movimento de equiparação, que “só pode ser plenamente atingida percorrendo as mais extremas dissonâncias”. A separação da compra e venda revela uma “nova relação”, a troca separa-se dos produtores das mercadorias, dando lugar a um segmento mercantil que se interpõe entre os produtores, os que compram para vender e os que vendem para comprar (p. 145).

uma nova desproporção. O negociante, se diferencia pela compra e venda das mercadorias; o consumidor repõe o valor de troca da mercadoria que compra. Na circulação, a troca inicial, interna ao setor mercantil, e a final, entre o segmento mercantil e os consumidores, embora reciprocamente condicionadas, “são determinadas por leis e motivos muito diferentes e podem cair na maior das contradições uma com a outra”. Portanto, afirma Marx:

Nesta separação já reside a possibilidade de crises comerciais. Entretanto, como a produção trabalha imediatamente para o comércio e só mediatamente para o consumo, da mesma forma que tem de ser capturada por essa incongruência entre comércio e troca para consumo, ela tem, por sua vez, de gerá-la (As relações entre demanda e oferta tornam-se completamente invertidas.) (O negócio de dinheiro separa-se, por sua vez, do comércio propriamente dito.) (p. 146).

O autor sustenta que em preços correntes “todos os valores são medidos em dinheiro”, independente do caráter social das coisas em relação às pessoas; ao passo que, na atividade do comércio sobre a “condição estranhada [Fremdartigkeit] [...] as relações globais de produção e intercâmbio confronta-se ao indivíduo”, apesar disso, a todos parece que ela se subordina a cada um. A “autonomização do mercado mundial” (incluída a atividade de cada indivíduo singular) “cresce com o desenvolvimento das relações monetárias”. A “conexão universal e a dependência generalizada na produção e no consumo crescem” par e passo à “independência e a indiferença recíproca de produtores e consumidores; dado que essa contradição conduz a crises etc.”, o estranhamento que se desenvolve neste processo busca-se suprimir por intermédio de “listas de preços correntes, taxas de câmbio, conexão postal dos comerciantes entre si, telégrafos etc. [...], em que cada indivíduo singular obtém informação sobre a atividade de todos os outros e procura em seguida ajustar a sua própria”.(p. 163).

Como se observa desta primeira aplicação da concepção de crise por Marx, ela aparece como demarcação do limite de cisão da unidade entre o sujeito trabalho e sua objetivação, enquanto capital, mercadoria e dinheiro; pela relação capital, produção e circulação ou consumo; e como relação capital, reprodução material, humana e social. Portanto, constitui um momento crítico e autocrítico que perpassa a reflexão consciente exprimindo-se em práticas que reafirmam, negam ou superam as múltiplas conexões, relações e condições sociais e históricas da duplicação humana em sujeito e objeto, ou força produtiva (força de trabalho e meios de produção).

acerca do bônus-horário, que é impossível se resolver as crises monetárias e comerciais que se desenvolvem da contradição entre valor e preço, enquanto não forem transformadas as relações de produção e sociais que estabelecem o valor de troca como a medida social de valores. Marx expressou assim seu pensamento:

Portanto, querer transformar o trabalho do indivíduo singular imediatamente em dinheiro (i.e., também seu produto), em valor de troca realizado, significa determiná-lo imediatamente como trabalho universal, i.e., significa negar precisamente as condições sob as quais tem de ser transformado em dinheiro e em valores de troca, e nas quais depende da troca privada. Tal pretensão só pode ser satisfeita sob condições em que não pode mais ser posta. Sobre a base dos valores de troca, o trabalho pressupõe justamente que nem o trabalho do indivíduo singular nem seu produto sejam imediatamente universais; que o produto só consiga essa forma por uma mediação objetiva [gegenständlich], por um dinheiro distinto dele (pp. 179-180).

O autor descreve o processo em que se desenvolve a crise explicando que os economistas mostram a necessidade de diferenciar o dinheiro da mercadoria, ao mesmo tempo sustentam que não existe nenhuma diferença entre ambos. Usam esta abstração para esconder as contradições desagradáveis à apologética do senso comum burguês no desenvolvimento do dinheiro. Contudo, se “compra e venda são dois momentos essenciais da circulação […] mutuamente indiferentes e separados no espaço e no tempo, [...] não precisam de maneira nenhuma coincidir”; a indiferença entre ambas pode consolidar-se e a “aparente autonomia de uma em relação à outra”. Porém, como “momentos essenciais de um todo único”, chega o momento em que a figura autônoma é violentamente rompida e a unidade interna é restabelecida exteriormente por uma violenta explosão”. Portanto, o “dinheiro como mediador” do desdobramento da troca em dois atos, já contém “o germe das crises, pelo menos sua possibilidade, [...] ali onde estão presentes as condições fundamentais da circulação, classicamente constituída, adequada a seu conceito” (p. 214).

Ao final de sua análise, Marx cita Steuart, sobre o papel do ouro e da prata como “objeto do comércio”, “equivalente universal” e “medida de poder das distintas comunidades” no sistema mercantilista, do qual conclui que “em períodos de crises gerais o ouro e a prata se apresentam precisamente nessa determinação, tanto em 1857 como em 1600”, mesmo os economistas considerando o sistema mercantilista ultrapassado; porque, segundo o autor, “neste caráter, ouro e prata [desempenham] papel importante na criação do mercado mundial” (p. 253).

Marx encerra sua formulação da primeira seção dos Grundrisse situando o conjunto temático considerado até então – “valor de troca, dinheiro, preço”, em que as mercadorias sempre aparecem como dadas – em relação à continuidade das seções e temas de seu estudo. Explica que a determinação formal da troca simples exprime determinações da produção social que são pressupostas, porém, é uma “superfície que aponta para além de si mesma”, para “relações econômicas […] postas como relações de produção”. Com esta explicação, passa a detalhar a continuidade do seu estudo, na qual apresenta uma ampliação em sua concepção da crise:

[…] a produção é posta como totalidade, assim como cada um de seus momentos; que todas as contradições simultaneamente entram em processo. O mercado mundial, portanto, constitui ao mesmo tempo o pressuposto e o portador da totalidade. As crises são, nesse caso, a indicação universal para além do pressuposto e o impulso para a adoção de uma nova configuração histórica (p. 254).

Vimos que o autor amplia sua concepção de crise para uma categoria que exprime, mais do que o momento e processo de reestabelecimento violento da unidade interna de um todo social, “uma indicação universal”, o que significa demarcar um processo social que transcende o modo de produção capitalista e seu sistema, o mercado mundial, como totalidade determinada dentro da história universal. Além disso, exprime também o impulso à adoção de uma nova configuração histórica, o que significa movimento de força, força motriz transformadora, reconfiguradora da história; portanto categoria que indica o sentido ou direção da história e ao mesmo tempo força que impele a atividade transformadora e de nova configuração social; logo, uma categoria que expressa a transição histórica das forças produtivas e da sociedade humana. Esta é uma dedução direta da seguinte passagem: “As crises. Dissolução do modo de produção e da forma de sociedade fundados sobre o valor de troca. O pôr real do trabalho individual como trabalho social, e vice-versa.” (p. 325).

A concepção da categoria crise neste estudo de Marx, apresenta-se também nos limites que o capital tem que superar ou contornar na objetivação do trabalho e sua realização enquanto valor e mais-valia no processo de valorização, ou seja, na produção e na circulação. O autor explica que a relação entre capital e trabalho assemelha-se a relação entre dinheiro e mercadoria. O capital, em sua “aspiração incansável pela forma universal da riqueza […] impele o trabalho para além dos limites de sua necessidade natural”, desenvolvendo sua “universalidade na produção e consumo”. Isto decorre porque “uma necessidade

historicamente produzida tomou o lugar da necessidade natural” e por isso o “capital é produtivo”; ou seja, é uma “relação essencial para o desenvolvimento das forças produtivas sociais. Só deixa de sê-lo quando o desenvolvimento dessas próprias forças produtivas encontra um limite no próprio capital” (p. 405).

Porém, o capital, “como representante da forma universal da riqueza – do dinheiro –, é o impulso ilimitado e desmedido de transpor seus próprios limites”, Marx descreve este processo da seguinte forma:

Cada limite é e tem de ser obstáculo para ele. Caso contrário, deixaria de ser capital – o dinheiro que se produz a si mesmo. Tão logo deixasse de sentir um determinado limite como obstáculo, mas se sentisse à vontade nele como limite, o próprio capital teria degenerado de valor de troca a valor de uso, da forma universal da riqueza a uma existência substancial determinada dela. O capital enquanto tal cria um mais- valia determinado porque não pode pôr de uma vez um mais-valia ilimitado; ele é o movimento contínuo de criar mais mais-valia. O limite quantitativo do mais-valia aparece para o capital somente como barreira natural, como necessidade que ele procura incessantemente dominar e transpor (pp. 417-418).

Nestas condições, o capital se confronta com dois níveis de limites em seu processo de valorização, que configuram momentos de desvalorização. Em primeiro lugar, os internos à produção de mais-valia em novo produto, limites físicos, biológicos e sociais como jornada de trabalho, salário e a resistência dos trabalhadores, entre outros, cujos limites naturais são transpostos “[...] em um dado nível do desenvolvimento das forças produtivas” (p. 509). Em segundo lugar, os limites externos que enfrenta como mercadoria ao ingressar na esfera da circulação: a) o consumo devido a sua qualidade como valor de uso e a quantidade de consumidores que necessitam deste valor de uso determinado; b) equivalente de troca existente, à medida que é um valor novo, excedente e exige uma quantidade excedente de valor equivalente para realizá-lo; c) o dinheiro, cujas peculiaridades relativas à quantidade de meios circulantes e à variedade de meios de pagamento, que decorrem da concentração, entesouramento e crédito, podem acarretar desvalorização do capital-mercadoria.

Sobre os limites e barreiras ou obstáculos, o autor enuncia uma certa hierarquia entre os mesmos e os meios com que o capital tenta superá-los, como observa-se no emprego estratégico da tecnologia para contornar os limites na produção de mais-valia, as contradições entre o capital e o trabalho vivo, ou força de trabalho, e o processo que desencadeia na superação dos limites na circulação através da expansão e ampliação quantitativa do consumo existente, da criação de novas necessidades e expansão da produção. Contudo, como afirmou

Marx:

Essas são as contradições tais como se apresentam por si mesmas a uma simples interpretação objetiva e imparcial. Um problema aparte é o de como, na produção fundada no capital, são continuamente eliminadas estas contradições, mas também constantemente são reproduzidas, e como são eliminadas apenas de forma brutal (embora essa eliminação apareça meramente como um ajuste tranquilo). O importante é, por enquanto, comprovar a existência dessas contradições. Todas as contradições da circulação revivem sob nova forma (MARX, 2009, v. 1, pp. 357- 358).

Neste sentido, desenvolver uma concepção de crise em Marx a partir das contradições que se apresentam como limites ou barreiras ao capital exige reconhecer, além de seus limites internos ao próprio sistema do capital, a existência de limites externos ao mesmo, tais como aqueles que se opõe à sua tendência intrínseca a criar o mercado mundial, isto é, os modos de produção anteriores. Este processo decorre da fase de expansão da acumulação ampliada, desenvolvendo as forças produtivas sociais e constituindo um modo de produção e circulação universais, ou como a descreveu Marx, o capital

[…] por outro lado, cria um sistema da exploração geral das propriedades naturais e humanas, um sistema da utilidade geral; como suporte desse sistema, apresentam-se tanto a própria ciência como todas as propriedades físicas e espirituais, ao passo que fora dessa esfera da produção e troca sociais nada se apresenta como superior-geral, como justificado-em-si (p. 362).

Deste processo, o autor derivou a concepção da “influência civilizatória do capital” (Idem), uma vez que, diante dos modos de produção anteriores, o sistema do trabalho assalariado permite ao trabalhador participar mesmo que limitadamente da riqueza social objetivada.

Marx denominou de “verdadeiras crises modernas” as crises de superprodução decorrentes das “barreiras ao consumo e as que se opõem a circulação, apresentando contravalores em todos os pontos” (p. 363). As crises, como fenômeno imanente ao processo de acumulação do capital, segundo o autor, não eram devidamente compreendidas por Ricardo nem por Sismondi. O primeiro absolutizava a essência positiva e tendência à universalização do desenvolvimento das forças produtivas e o crescimento da população industrial – da oferta fazendo caso omisso da demanda –; enquanto o segundo só via a unilateralidade negativa das limitações particulares do processo de produção capitalista à sua época. Ricardo não conseguia compreender o desequilíbrio estrutural do sistema e sua

tendência a negar-se a si próprio, ao encarar “todos os limites como barreiras” à sua autovalorização e autorreprodução ampliada. Não chegava às últimas consequências em sua teoria do “valor-trabalho”, ao negar a “mais-valia” como fundamento do lucro através da sua “falsa e unilateral teoria da renda da terra” e “do mercado mundial” (p. 268); daí sua tendência a definir as crises como distúrbios sempre superáveis, ad infinitum. Já Sismondi, pelo contrário, não apenas enfatizava o embate com as barreiras, mas também “a criação das mesmas pelo próprio capital”; o que leva o sistema a contradições que necessariamente o conduzem ao “downbreak dele mesmo”. Daí a proposição de Sismondi de impor “travas à produção, a partir de fora através dos costumes, a lei, etc”. E justamente, por “tratarem-se de barreiras puramente exteriores e artificiais, o capital as leva abaixo de maneira inevitável” (pp. 362-363).

A interpretação da teoria da crise tem por fundamento principal o sistema de