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Embora o Prefácio à Crítica da Economia Política, de 1859, seja o escrito mais conhecido, e quiçá reconhecido, no qual Marx apresenta seu caminho metodológico e categorias analíticas com que elaborou suas obras principais, é na Introdução aos Grundrisse que se encontram mais didaticamente aplicados e resumidamente expostos os fundamentos gerais do método científico da economia política, no qual a teoria de conceito em geral, como o “meio” ou instrumental pelo qual a “ciência”, diferente de outras formas de saber, se “apropria da realidade”. No início desta Introdução, o autor situa o objeto de investigação, a produção social, e o sujeito da investigação, a humanidade, condensando-os na expressão “produção dos indivíduos em sociedade”, rejeitando a formulação de Ricardo e Adam Smith que investigam a economia política com base no sujeito individual. Este pressuposto conceitual de Marx indica a ideia que os conceitos, enquanto categorias teóricas de per si, não são uma unidade universal que se apresentam no espaço e no tempo sem mudança em seu conteúdo essencial, mesmo quando são abstrações teóricas calcadas em fundamentos razoáveis, como se observa nesta passagem:

Entretanto, o geral e o comum, extraído por comparação, é algo completamente

articulado e desdobrado em distintas determinações. Algumas pertencem a todas as

épocas; outras são comuns só a algumas. Certas determinações são comuns a épocas

mais modernas e as mais antigas. Sem elas não poderia se conceber nenhuma

produção, pois se até os idiomas mais evoluídos têm leis e determinações que são comuns aos menos desenvolvidos, o que constitui seu desenvolvimento está

precisamente naquilo que os diferencia destes elementos gerais e comuns [..]. as determinações que valem para produção em geral são precisamente as que devem

ser separadas, para não se esquecer a diferença essencial quando se enfatiza só a unidade, o que já ressalta o fato de que o sujeito, a humanidade, e o objeto, a natureza, são os mesmos (MARX, 2009, pp. 5-6).

Vê-se, pois, que Marx enfatiza que o conceito geral só faz sentido quando: a) se fundamenta nos traços comuns a todas as épocas históricas de um objeto de investigação; b) a concepção geral do objeto permite identificar o conceito em particular do mesmo; e c) o isolamento da parte geral do conceito (os elementos comuns, repetitivos, a unidade conceitual) permite ressaltar a diferença essencial. E é, justamente esta diferença essencial o que explica, em última instância, o sentido particular, entre o singular e o geral no desenvolvimento do conceito. Portanto, para Marx, o conceito é a forma com que a

consciência científica se apropria do concreto, do mundo vivente, “reproduzindo-o como concreto pensado”, “distinto da religião”, da “arte” e do senso comum, “se elevando do singular ao geral” e “do abstrato ao concreto” (pp. 21-22). Em seu princípio metodológico, não há espaço para “neutralidade” ou “imparcialidade da ciência”, uma vez que “sujeito e objeto, no fundo, são os mesmos” (pp. 21-23).

O método indica o primado do sujeito na construção do objeto abstrato, do singular ao geral, do concreto figurado ao concreto pensado. Porém, ao se inverter o processo, passando do abstrato geral ao concreto particular, o primado do objeto sobre o sujeito orienta a reconstituição do movimento real da matéria investigada (MARX, 1988, Livro 1, v. 1, pp. 26 e 27). Considerando que esta última existe objetivamente, independente do pensamento, ela se desenvolve e não se mantém igual ao momento dialético de sua formulação abstrata (HEGEL, apud LÊNIN, OC, Tomo 29, pp. 161-162 e 191-199, passim). E, finalmente, quando se pensa a unidade sujeito e objeto, isto implica que não existe sujeito (humanidade) sem objeto (natureza) e sua diferença essencial é intrínseca ao caráter orgânico e inorgânico à própria unidade da natureza em geral, destacando-se da sua parte orgânica a humanidade enquanto sujeito; logo, seu papel ativo na cognição pressupõe a natureza em geral como objeto e primado do qual até mesmo o sujeito e seu ato cognitivo são partes (HEGEL, apud LÊNIN, OC, Tomo 29, pp. 200-216, passim; ADORNO, 2009, p. 160).

Assim, a demarcação do locus de conceitos determinados, subsumidos ao sistema teórico complexo do conceito em geral, pressupõe que sejam expressões abstratas dos momentos dialéticos do movimento histórico do substrato material, real e concreto; portanto, sínteses de múltiplas determinações que podem expressar aspectos dimensionais e/ou subdimensionais do todo social (LÊNIN, OC, Tomo 29, pp. 205-212; MARX 1988, Livro I, v.1, pp. 21-27) ou abstrações conceituais subsumidas e mediatizadas por estas dimensões ou subdimensões (Marx, 2009, v. 1, pp. 22-27). No caso em questão, a crise econômica, sua respectiva dimensão está subsumida à esfera conceitual da produção e do conceito de capital em geral.

Qual é, pois, o fulcro da questão que determina a validade ou não de um conceito para a teoria do conhecimento, em Marx? Situando o problema nestes termos, chega-se a uma resposta desdobrada em dois aspectos: o primeiro, é o critério da práxis e o segundo, a coerência lógica. Para Marx, desde as teses sobre Feuerbach, “se um pensamento humano corresponde a uma verdade objetiva, não é um problema teórico, mas prático”, “é na prática

que se comprova a verdade”, “realidade, poder e caráter terreno do pensamento” (1973, p. 7). Contudo, esta definição não pode ser confundida com a tese do falseamento da ciência de Popper (1974, pp. 41-43), pois não se trata de considerar uma teoria válida por sua “aproximação da verdade”, mas porque ela deve ser “confirmada pelos fatos” (MARX, 2010e, pp. 407 - 408); portanto, esta noção em Marx está mais próxima do conceito de Kuhn (1971, pp. 53 – 54), que exige da “teoria eleita como paradigma de uma comunidade científica” a coerência lógica de sua função na estrutura conceitual, portanto, que sempre produza o efeito esperado ao “funcionamento normal da práxis teórica”. Uma definição também corroborada por Horkheimer (2003, p. 223), em que o modelo serve para aferir se o exemplar é condizente ou não com ele.