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Os debates em torno da obra O Capital

O debate que toma lugar sobre a obra de Marx, O Capital, após a morte de Engels, como já foi adiantado, tornou-se de grande relevância tanto para teoria econômica em geral, quanto para o movimento socialista mundial. A luta interna entre os dirigentes da II Internacional Socialista, iniciada por Eduard Bernstein, na série de artigos publicados sob o título “Probleme des Sozialismus” (Problemas do Socialismo), na revista Die Neue Zeit (1896-1897) dirigida por Karl Kautsky, condensados no livro Die Vorausselzungen des

Sozialismus und die Aufgaben der Sozialdemokratie (As Premissas do Socialismo e as Tarefas

menos pelo teor revisionista à teoria de Marx, comparado ao debate de Engels com Dühring, do que pelo status de “amigo pessoal” de Engels e membro do staff que o auxilia na edição do Livro III de O Capital. Na verdade, apenas uma década depois do início da polêmica, ela transforma-se qualitativamente de uma luta política interna pela direção no congresso do SPD (Partido Social-Democrata Alemão) em 1891 e da II Internacional (o congresso de 1896), em termos da formulação programática, em debate teórico dos esquemas de reprodução do capital, cujo ápice são as teses sobre o imperialismo de Hilferding, publicadas originalmente em 1910; Rosa Luxemburgo, em 1913; de Lênin, em 1916; Bukharin, em 1924; e, com a morte do líder bolchevique, o resgate da importância da crítica da economia política na teoria de Grossmann de 1929 sobre a crise.

A formulação crítica revisionista de Bernstein ancora-se, precisamente, na situação econômica e social vivida pela Alemanha da última década do século XIX e, até certo ponto pela Europa, como a prova empírica da inconsequência do método dialético de Hegel do materialismo histórico de Marx. Sua lista de incongruências dessa teoria com a realidade indica, entre outros aspectos, que: o capitalismo era capaz de superar as crises gerais; os acordos entre industriais, trustes, a ampliação do sistema de crédito e das informações inviabilizavam a teoria do colapso geral do sistema, a teoria do valor, a teoria da pauperização, a teoria da polarização das classes; não há concentração no campo, na indústria, nem da riqueza social entre poucos magnatas. Em termos políticos, as transformações caminhavam em direção à democratização da sociedade, extinção de privilégios da burguesia, controle social sobre a exploração do capital, legislação sobre as fábricas, administrações municipais democráticas, autonomia dos sindicatos e cooperativas (BERNSTEIN, 1982; JOHNSTONE, 1988, pp. 32; LUXEMBURGO, 1986, passim). Conclui pela rejeição da dialética e adoção de novo fundamento para o socialismo, com base na ética de Kant e na filosofia de Comte. Finalmente, que em lugar de esperar a grande catástrofe para tomar o poder pela violência revolucionária, a tarefa da social-democracia era organizar a classe operária para a democracia e a luta por reforma. Segundo Rosa Luxemburgo: “Bernstein conclui seu livro com o conselho ao partido de que se atreva a aparecer como o que na realidade é: um partido reformista democrata-socialista.” (LUXEMBURGO, 1986, p. 34)

Esta postulação de Bernstein para o SPD e a II Internacional, não poderia ficar sem uma devida resposta e, ainda no Congresso da Internacional em 1896, os setores revolucionários iniciam a campanha pela expulsão do seu grupo do SPD, que foi dado de

ombros por Kautsky e outros de seus dirigentes. Entretanto, com a publicação do livro contendo a coletânea de seus artigos, a ala revolucionária do partido respondeu primeiramente com o ensaio de Rosa Luxemburgo Reforma ou Revolução publicado em 1900; também na Rússia, Lênin, em seu célebre livro Que Fazer? De 1902 rechaça as correntes no interior do movimento social-democrata que, apoiadas nas posições de Bernstein, postulavam “liberdade de crítica”, denunciavam o dogmatismo e a ortodoxia.

Contudo, no centro em que se trava o debate suscitado pelo revisionismo, a Alemanha, é o artigo de Rosa Luxemburgo que sustenta a defesa do marxismo. Nesse trabalho, a autora parte do princípio que as teses do socialismo científico sobre o capitalismo e a revolução fundamentam-se:

1º, na anarquia crescente da economia capitalista que conduzirá fatalmente ao seu afundamento; 2º, sobre a socialização crescente do processo de produção que cria os primeiros fundamentos positivos da ordem social futura; 3º, finalmente, na organização e na consciência de classe cada vez maiores do proletariado e que constituem o elemento ativo da revolução iminente (LUXEMBURGO, 1986, p. 3).

Todos esses princípios foram abandonados pelo revisionismo e toda sua teoria visa uma única coisa: conduzir ao “abandono do objetivo último da social-democracia, a revolução social e, inversamente, fazer da reforma social, simples meio da luta de classes, o seu fim último” (LUXEMBURGO, 1985). Para a autora, reforma social e revolução constituem um elo indissolúvel: “a luta pela reforma social é o meio, a revolução social o fim”, portanto, a proposição revisionista corresponde “à questão: ser ou não ser” para a social- democracia (p. 2). Embora o próprio Bernstein não veja nada de novo em suas teses e acredite que estão em conformidade tanto com algumas declarações de Marx e Engels como com a orientação geral até então seguida, é incontestável que estava em absoluta contradição com os princípios do socialismo científico.

O trabalho de Luxemburgo representa, em primeiro lugar, uma resposta política ao revisionismo e ao mesmo tempo uma crítica ao reformismo da social-democracia, que está na base do primeiro. Pode-se observar esse fato na crítica às concepções de Conrad Schmidt do “controle social” crescente como método para instauração progressiva do socialismo, o que implica considerar uma forma de propriedade e do Estado capitalista evoluindo para o socialismo; é verdade – afirma a autora – que as relações de produção da sociedade capitalista aproximam-se das socialistas, porém as relações políticas desta constroem entre ambas

sociedades um muro cada vez mais alto: “Nesse muro, nem as reformas sociais nem a democracia abrirão brechas, contribuirão, pelo contrário, para o segurar e consolidar. Apenas um golpe revolucionário, isto é, a conquista do poder político pelo proletariado, o poderá abater.” (LUXEMBURGO, 1986, p. 13). A autora, ao final, estabelece o vínculo histórico da presença do oportunismo na social-democracia alemã com o revisionismo, afirmando que “[...] as tendências oportunistas no interior do nosso movimento vêm de longe. Mas somente em 1890 se esboçou uma tendência declarada e única nessa via: depois da abolição da lei de excepção contra os socialistas, quando a social-democracia reconquistou o terreno da legalidade.” (p. 32). Conclui que a teoria de Bernstein era a primeira e última tentativa para fornecer ao oportunismo uma base teórica, pois seu livro marca o fim da evolução teórica do oportunismo, extraindo-lhe as últimas consequências (pp. 32-33).

Em segundo lugar, adianta elementos do debate sobre o desenvolvimento do capitalismo que estarão na questão de fundo dos esquemas de reprodução e da teoria do imperialismo. Isto observa-se em sua afirmação de que o desenvolvimento das fusões e dos monopólios era um fenômeno ainda não estudado em todas as suas diversas consequências econômicas e só poderia se resolver recorrendo à doutrina marxista, apesar das associações patronais já demonstrarem que não conseguem deter a anarquia capitalista à medida que as fusões, os monopólios, etc., tornem-se uma forma de produção generalizada ou dominante. Segundo a autora:

Normalmente as concentrações só obtêm esse aumento de lucro no mercado interno relacionando-o com o estrangeiro, […] quer dizer, vendendo as suas mercadorias no estrangeiro a melhor preço que no interior do país. Dai resulta um agravamento da concorrência no estrangeiro, um reforço da anarquia no mercado mundial, exatamente o contrário do que se propunham conseguir.” (p. 5).

Portanto, as ideias de que o colapso total do capitalismo é improvável devido à capacidade de adaptação do sistema e sua produção diferenciada são falsas, apesar de Bernstein argumentar sobre o papel do sistema de crédito, das comunicações, serviços de informações, sobrevivência da classe média e a suposta melhoria das condições de vida do proletariado.

Terceiro, Luxemburgo identifica o revisionismo com a infiltração da ideologia burguesa e do idealismo na teoria do socialismo científico. Ao criticar a associação que efetua Bernstein das teorias do trabalho social de Marx e da utilidade abstrata de Menger como

opiniões equivalentes por serem dois casos de pura abstração, ela indica a diferença específica da abstração de Marx, como uma descoberta deste na economia mercantil e não uma invenção pura e simples, saída de sua cabeça. Finalmente, qualifica a ideia da utilidade abstrata de Böhm e Jevons como efetivamente uma construção do espírito, sem vínculo algum com a realidade de qualquer sociedade, mas exclusivamente com a economia burguesa vulgar.

Luxemburgo conclui sua crítica ao revisionismo e ao reformismo afirmando:

Bernstein abandonou as categorias do pensamento do proletariado revolucionário, a dialéctica e a concepção materialista da história; ora é a elas que deve as circunstâncias atenuantes da sua mudança. Porque só a dialéctica e a concepção materialista da história podem mostrá-lo, com grande magnanimidade, tal como o foi inconscientemente: o instrumento predestinado que, revelando à classe operária um desfalecimento passageiro do seu ardor, a forçou a rejeitá-lo com um gesto de desprezo escarnecedor (p. 34).

Esta resposta contundente de Luxemburgo ao revisionismo, conceituando-o como forma aguda do reformismo, suscitou destes setores, por sua vez, um posicionamento claro no debate, que surge em artigos e livros como os de Kautsky (1901), Eckstein (1905) e Hilferding (1904, 1910), que ao publicar a obra O Capital Financeiro (1910) eleva o debate à interpretação do modelo abstrato dos esquemas de reprodução no Livro II de O Capital à definição da nova fase que passa a viver o capitalismo. Contudo, o debate no nível dos esquemas de reprodução de Marx já se processava na Rússia desde 1893 entre os social- democratas e o grupo Naródnichestvo, como se pode comprovar pela obra de Lênin Acerca de

la llamada cuestión de los mercados (Acerca da chamada questão dos mercados), bem como

de marxistas legais como Tugan-Baranovski (1895), embora o foco do debate dirigia-se à tese da possibilidade ou não do desenvolvimento capitalista na Rússia como pressuposto à passagem do regime czarista ao socialismo. Este processo permitiu que, durante os debates sobre os esquemas de reprodução na Alemanha, o trabalho dos marxistas-legais e dos bolcheviques tomassem parte do debate.

Este foi o caso dos trabalhos dos marxistas legais Bulgakov e Tugan-Baranovski. Como expôs Rosdolsky, o primeiro afirmava que o equilíbrio nos esquemas entre os departamentos I e II comprova que o capitalismo é um sistema autônomo em relação ao mercado externo e sustentável; ou seja, resgata a “harmonia” de Ricardo. Bulgakov sustentava que a necessidade humana é elemento secundário no capitalismo, que o “volume de produção é determinado pelo volume de capital e não pelo tamanho das necessidades sociais”

(ROSDOLSKY, 2001, p. 388). Considerando que a produção de bens de consumo é muito pequena relativa à de bens de produção, o principal mercado na produção capitalista é o departamento I e a crise é um desvio “do verdadeiro objetivo da produção.” (ROSDOLSKY, 2001, p. 388). Portanto, Bulgakov admite as crises periódicas, mas não o problema da realização; as crises seriam resultados de um desenvolvimento desequilibrado. Combate a ideia de Luxemburgo de que o mercado externo é uma condição para que se desenvolva o capitalismo; poderia ser uma válvula de escape para proteger o país contra a superprodução, mas isso é uma faca de dois gumes: ao que é exportado corresponde um volume igual de importação (ROSDOLSKY, 2001, p. 386-390).

Com relação ao segundo, Rosdolsky indica que a posição de Bulgakov se aproxima de Tugan-Baranovski, que este último difere apenas pelo seu método de levar as contradições ao paroxismo. Ao desenvolver o modelo matemático com base nos esquemas de Marx, conclui que é possível que o capitalismo exista eternamente e que o único limite para o mercado é o desenvolvimento das forças produtivas; chegou a pensar na sociedade futura onde a produção era composta apenas por máquinas e um único trabalhador controlando todas (ROSDOLSKY, 2001, p. 390-393). No entanto, na concepção de Tula (apud GROSSMANN, 2004, p. xiii), Tugan-Baranovski interpreta os esquemas de reprodução de Marx segundo a teoria do equilíbrio de Say e conclui que uma partilha proporcional da riqueza social igualaria oferta e demanda. A redução do consumo humano (Dep II), devido à substituição do homem pela máquina, seria compensada pelo consumo produtivo (Dep I); ou seja, a acumulação de capital teria como consequência uma restrição à demanda social dos meios de consumo ao mesmo tempo que cresce a demanda social das mercadorias. O problema do capitalismo é que os proprietários se apropriam do mais-trabalho, é um problema ético. A queda do capitalismo virá pela “contravenção da norma ética kantiana”, segundo a qual o homem existe como fim em si mesmo (p. xiv).

Rudolf Hilferding, segundo Tula, discorda de Tugan-Baranovski ao afirmar que não é possível acumulação ilimitada do capital, porém concorda com este em que a produção depende da valorização e não do consumo. A exploração de fato restringe o consumo, mas as crises não podem ser produto do subconsumo, pois mesmo na reprodução simples há crises; um crescimento muito rápido do consumo também gera crises, assim como constância ou redução na produção do Departamento I. Uma superprodução geral seria impossível, o problema está na circulação. Como resultado da concentração, o desenvolvimento do

capitalismo levaria a uma cartelização completa da produção, inclusive no plano internacional; uma cartelização geral que permitiria regular os preços e planejar a distribuição. A transição ao socialismo pode ser pacífica. O sistema financeiro ocupa lugar cada vez mais importante na centralização do sistema econômico internacional e é possível, portanto, controlar a economia mundial se o Estado proletário tomar o sistema financeiro (TULA apud GROSSMANN, 2004, p. xvi). Rosdolsky confirma esta leitura de Tula sobre Hilferding à medida que este concluía dos esquemas de Marx que a reprodução precisa que se mantenha um equilíbrio entre I e II; que as crises não se originam do subconsumo e que qualquer ampliação é sempre possível a partir de uma mesma base. Afirma que Hilferding praticamente rebatizou as “crises de subconsumo” como “crises de desproporção” ao negar a possibilidade de superprodução para afirmar que é possível haver proporcionalidade na produção capitalista com base nesse modelo ideal (ROSDOLSKY, 2001, p. 404-406).

Nestas condições, o trabalho de Hilferding responde tanto a Bernstein, concordando e refutando em parte de sua formulação, quanto à Rosa Luxemburgo, refutando sua tese da revolução pela tomada do poder. Em relação ao primeiro, sustenta que a desproporção entre os departamentos I e II da economia, devido a taxas de acumulação anárquicas, torna a crise cíclica inevitável e que a formulação da teoria do colapso é uma interpretação vulgar da teoria de Marx. Além disso, que a aparente refutação da crise nas últimas duas décadas pela realidade econômica e social do capitalismo, indicava sua passagem a uma nova fase, a do capital financeiro. Quanto à segunda, argumenta que nesta nova fase no capitalismo, as crises são contornáveis pelo planejamento e um governo parlamentar, portanto, refuta a ideia de colapso e a proposição de que só a revolução socialista é o processo para chegar ao poder.

Rosa Luxemburgo volta a intervir no debate suscitado pela defesa da teoria do colapso agora sob novo enfoque: os esquemas de reprodução de Marx e a análise da nova fase no desenvolvimento do capitalismo, o imperialismo. Segundo Tula, Luxemburgo argumenta que o revisionismo regride ao socialismo pré-marxista: a luta pelo socialismo é uma luta ética, devido às injustiças e por pura decisão revolucionária do proletariado; noção que retira a base da necessidade histórica do socialismo. A autora indaga, se a superprodução é o resultado do desequilíbrio contínuo entre os departamentos, para quem e para que se destina esta produção; ou, de outra forma, se a sociedade capitalista é composta apenas por operários e capitalistas, quem consumiria as mercadorias produzidas em excesso, isto é, quem realizaria a mais-valia?

Segundo Luxemburgo, a acumulação capitalista depende das camadas sociais e sociedades não capitalistas; a parte da mais-valia que se destina à capitalização tem que ser consumida “fora”. Em um cenário no qual o capitalismo já estaria em todo o mundo, o desenvolvimento das forças produtivas seria impossível, a competição pela expansão mundial chegaria ao paroxismo e levaria a “catástrofes econômicas e políticas, a guerras e revoluções.” (LUXEMBURGO apud TULA apud GROSSMANN, 2004, p. xviii).

Do ponto de vista de Rosdolsky, Luxemburgo ataca os esquemas de reprodução de Marx dizendo que, no exemplo 1, as “proporções são arbitrárias no departamento II”; que a acumulação em II é errática e por saltos, além de incluir “mudanças arbitrárias na mais-valia”. Afirma ainda que a acumulação de II é dependente de I, que este “inicia e participa ativamente e II passivamente” (ROSDOLSKY, 2001, p. 373). Por outro lado, afirma que Luxemburgo tinha razão ao dizer que as relações fundamentais do esquema de Marx seriam rompidas caso se considerasse o avanço tecnológico, mas que não se pode deduzir que a acumulação é impossível, pois “qualquer revolução nas forças produtivas, em escala social, deve pôr fim ao estado de equilíbrio entre os setores produtivos, levando, através de todo tipo de perturbações e de crises, ao estabelecimento de um novo equilíbrio temporário.” (ROSDOLSKY, 2001, p. 411). Considera que ela não viu a diferença entre analisar o capital global e o individual, entre o capitalismo em geral e em sua realidade, e nem compreendeu o papel da abstração de uma sociedade puramente capitalista ao afirmar que esta não serve para analisar a realidade da sociedade capitalista em seu conjunto; ou seja, não compreendeu que isso foi um princípio heurístico de Marx.

Entretanto, Calleja, em sua análise dos esquemas de reprodução em Marx, destaca que a principal divergência da tese de subconsumo de Rosa Luxemburgo é que o capitalismo necessita de um 'terceiro' mercado não-capitalista para evitar seu colapso por insuficiência de demanda consumo, um problema que se apresentaria ao esquema de reprodução caso incorporasse as mudanças tecnológicas que economizam trabalho. Esta questão esgrimida pela crítica de Luxemburgo propiciou o debate com Otto Bauer sobre a viabilidade da reprodução do capital nesse contexto (CALLEJA, 2010, p. 3).

De acordo com Tula, Rosdolsky e Calleja, Otto Bauer reconstrói o esquema de reprodução de Marx incorporando as críticas de Luxemburgo para refutá-las e demonstrar a possibilidade de acumulação sem necessidade de recorrer ao mercado externo. Usa o esquema para argumentar que a reprodução do capitalismo pode ser indefinida, que os fatores

perturbadores são apenas externos, a crise é uma desproporção temporária entre o crescimento populacional e a acumulação, e apenas a ação consciente do proletariado derrubará o capital, pois a acumulação tende a se adequar ao crescimento da população (TULA apud GROSSMANN, 2004, p. xix). Porém, neste, foi necessário abandonar a ideia de que apenas

IIc se trocava por I(v+m), e seu modelo implicava que o departamento II “permanece sempre

com um resíduo de mercadorias invendáveis” e investe uma soma equivalente a esse valor em

I, “para que este último departamento amplie sua produção diminuindo no ano seguinte o

resíduo real de mercadorias do departamento II.” (ROSDOLSKY, 2001, p. 413).

Segundo Rosdolsky, essa consideração de Otto Bauer deve ser excluída porque, como afirmou o mesmo Marx, uma transferência de valor de um departamento ao outro, teria sua contraparte na troca do valor, que deveria ser então deduzida de ambos lados (ROSDOLSKY, 2001, p. 414) e que mesmo admitindo taxas de acumulação mais realistas (menos díspares) entre os dois departamentos, o departamento I cresceria mais rapidamente que o II.(ROSDOLSKY, 2001, p. 417). No entanto, Grossmann demonstrou em seu livro La

ley de la acumulación y del derrumbe del sistema capitalista: una teoría de la crisis (A lei da

acumulação e do colapso do sistema capitalista: uma teoria da crise, 1979) que, partindo do esquema de Bauer, a viabilidade do sistema capitalista não está garantida devido ao efeito a largo prazo da mudança tecnológica sobre a taxa de lucro, cuja trajetória descendente leva inevitavelmente ao colapso, “ainda que por uma causa muito diferente (superacumulação) que a postulada por Luxemburgo (subconsumo).” (CALLEJA, 2010, p. 3).

Tanto Tula quanto Rosdolsky apoiam-se em uma carta escrita por Lênin aos editores do periódico russo Sozialdemocrat em 1913 em sua análise da posição deste em torno do livro de Luxemburgo. Sustentam que Lênin critica a obra de Luxemburgo com base nos mesmos argumentos que havia usado há anos contra os narodniki na Rússia, que também afirmavam que o mercado interno não era capaz de realizar a mais-valia produzida. Os autores, com base nos trabalhos de Lênin que correspondem ao conteúdo da polêmica travada com os narodniki, asseveram que para ele o mercado externo não resolve o problema, apenas o posterga, tornando-se um problema maior e que é preciso encontrar “um equivalente para a parte do produto a colocar” no mercado externo. Além disso, que as dificuldades de realização