• Nenhum resultado encontrado

4 RESPONSABILIDADE PENAL PELO PRODUTO DOS INTEGRANTES DA EMPRESA

4.5 Concepção dualista do tipo

A discussão da concepção dualista do tipo penal está relacionada com a natureza dos deveres jurídicos que fundamentam o tipo penal (injusto), é uma das questões mais controversas da atualidade ganhando relevo ainda maior diante de práticas criminais por meio de atividades empresariais no âmbito da responsabilidade penal pelo produto 344.

Os critérios normativos para definir qual é a figura central desses dois modelos serão diversos. Não há que se falar em superação de um dever pelo outro, trata-se de uma concepção dualista do injusto penal. Ao se adotar as infração de deveres como modelo de imputação dos níveis de responsabilidade, é importante apontar quais os fundamentos do injusto penal 345.

Existem dois modelos para se auferir o injusto penal e imputar o resultado descrito na norma: ii) o primeiro modelo tem como premissa a liberdade de organização desde que não se gere danos a terceiros (deveres negativos), baseado no princípio do neminem laedere; e ii) o segundo também tem como premissa a liberdade de organização, entretanto esta está vinculada a um dever de contribuição, de especial solidarismo social advindo da especial confiança (princípio da confiança) de determinados papeis sociais com bens jurídicos (deveres positivos), excedendo assim o mero não lesionar (neminem laedere) 346.

A polêmica surge em relação ao segundo modelo, amplamente utilizado pelo moderno Direito Penal que tem como verdadeiro protótipo o Direito Penal Econômico, em que a construção dos tipos penais em muitas ocasiões tem como ponto de partida os vínculos jurídicos que excedam meros deveres básicos de

Günther Jakobs, por adotar uma estrutura mais abrangente da obrigação originária, incluindo nessa tanto as condutas comissivas como omissivas, todos os delitos, sejam delitos de responsabilidade por organização (delitos de domínio) sejam delitos de infração de dever, podem ser praticadas pela ação ou pela omissão. Por está razão Claus Roxin defende a exigência de uma norma obrigatória que equipare juridicamente a ação e omissão no caso dos delitos omissivos (como o artigo 13 do Código Penal), enquanto para Günther Jakobs não haverá essa necessidade de normativa expressa, já que tal equivalência para ele decorre da aplicação do “neminem laedere” (deveres negativos), abrangendo tanto as condutas comissivas como omissivas. Ibidem, p. 93/101.

344 SÁNCHEZ, Bernard Feijoo. Imputación Objetiva en el Derecho Penal Económico. Buenos

Aires: Editorial Bdef, 2009, p. 228.

345 SÁNCHEZ, Bernard Feijoo. Imputación Objetiva en el Derecho Penal Económico. Buenos

Aires: Editorial Bdef, 2009, p. 229.

346 SÁNCHEZ, Bernard Feijoo. Imputación Objetiva en el Derecho Penal Económico. Buenos

respeito a não causar mal a outrem 347.

Na realidade todos os tipos penais estão ligados a uma liberdade organizativa lesiva a terceiros, 348 entretanto, em algumas situações somente desencadeia como comando um dever negativo de não gerar riscos não razoáveis, já em outros também desencadeia um comando de deveres, mas positivos, de organizar de forma solidária a outros âmbitos de organização 349.

Desta maneira os delitos baseados num dever positivo, de colaboração, de especial solidarismo social, decorrentes de uma posição ou rol jurídico diferenciado em sociedade, possuem tanto o conteúdo material dos deveres negativos como o conteúdo material dos deveres positivos 350.

Os deveres negativos se destinam a todo e qualquer cidadão que atue no ambiente social, isto é, as pessoas devem atuar em sociedade sem prejudicar terceiros. Ao passo que os deveres positivos, de especial solidarismo, de colaboração, apresentam um rol limitado de destinatários, vez que apenas detém tais deveres aquelas pessoas que ocupam um lugar de protagonismo em sociedade, em razão da especial confiança na prevenção de lesão a bens jurídicos que esses papéis desempenham na economia de livre mercado, decorrente da importância que assumem diante dos espaços livres, como fruto da globalização.

O rol de deveres positivos trata-se de deveres a mais, os quais excedem o “neminem laedere”, ou seja, o cuidado básico exigido de todo e qualquer cidadão. Tal característica peculiar não fere o princípio da isonomia, vez que encontra respaldo na solidariedade como dever jurídico fundamental, materializada através da responsabilidade social decorrente da importância que assumem na prevenção de lesões a bens jurídicos, essenciais para manter a estabilidade social e merecedores de especial tutela por parte do Direito Penal 351.

A necessidade social de confiar em determinados papéis de protagonismo social não substituíveis por alternativas organizacionais tem caráter fundamental na

347 Ibidem, p. 215. 348 Ibidem, p. 235. 349 Ibidem, p. 235. 350 Ibidem, p. 235.

351 SÁNCHEZ, Bernard Feijoo. Imputación Objetiva en el Derecho Penal Económico. Buenos

sociedade Pós-Moderna 352. Com advento de novas e perigosas formas de ataque a bens jurídicos tradicionais e ainda surgimento de novos bens, como os supraindividuais, condiciona o discurso jurídico penal a priorizar no campo processual as relações de probabilidade e de coerência, meramente normativas, verificadas no plano deontológico, entretanto não se desapega totalmente das bases ontológicas, essenciais a qualquer Estado de Direito que se pretenda impor como garantidor dos direitos fundamentais de primeira dimensão (garantias individuais).

Em geral quando diante do Direito Penal Econômico, e por consequência, na responsabilidade penal pelo produto, verificar-se posições jurídicas que os tipos penais não preveem apenas um “não gerar danos a terceiros” na sua liberdade de organização (deveres negativos). Superam este dever impondo a obrigação de atuações positivas, em benefícios de outros âmbitos de organização (como a Administração Pública, consumidores, trabalhadores, etc.), ou ao menos de uma colaboração ao invés do mero respeito, é a responsabilidade social, decorrente do solidarismo social (deveres positivos).

Nas palavras de Bernardo Feijoo Sánchez

a pretensão de explicar dogmaticamente todo o Direito Penal Econômico a partir da exclusiva existência de deveres de não lesionar o patrimônio alheio ou funções estatais de ordenação da economia é, em minha opinião, uma empresa condenada ao fracasso. (tradução livre) 353.

Portanto no momento de definição da tipicidade ou atipicidade da conduta no Direito Penal Econômico é impossível prescindir em sua análise da posição jurídica ou rol jurídico em que o agente em questão atuou como premissa valorativa inicial.

Não significa dizer que o Direito Penal Econômico valora diversamente condutas em razão de posições jurídicas pré-estabelecidas, mas sim que este não deve prescindir da relevância que determinadas posições jurídicas ocupam no marco da economia de livre mercado, razão pela qual deve se sempre relevá-la no momento de auferir o injusto penal 354.

352 FARIA, José Eduardo. Direito e Globalização Econômica: Implicações e perspectivas. 1ª

edição, 3º triagem. São Paulo: Editora Malheiros, p. 15/27.

353

“La pretención de explicar dogmaticamente todo el Derecho Penal Econômico a partir de la exclusiva existencia de deberes de no lesionar el patrimônio ajeno o funciones estatales de ordenación de la economia es, en mi opinion, una empresa condenada al fracasso” SÁNCHEZ, Bernard Feijoo. Imputación Objetiva en el Derecho Penal Económico. Buenos Aires: Editorial Bdef, 2009, p. 68.

Invariavelmente a criminalidade econômica decorre da criminalidade organizada do tipo empresarial, de modo que diante do Direito Penal Econômico, faz-se essencial um estudo aprofundado desta estrutura social, sempre tendo em visto os rols de deveres positivo ou negativos decorrentes, a relação de papéis de protagonismo com bens jurídicos essenciais a sociedade.

Verifica-se tal situação nas posições de garante exercidas por gerentes, diretivos, titulares da empresa, que ao ocuparem tais cargos adquirem simultaneamente com o mesmo um dever de colaboração a mais, além daqueles já exigidos por serem cidadãos. O que atribui de forma inequívoca uma amplitude da responsabilidade penal desses garantes, os quais responderão também por atos que não executaram, mais tinham o dever especial de impedir os resultados.

Não há como compreender a forma como a doutrina e jurisprudência da responsabilidade penal pelo produto se comportam se não entender que os delitos no âmbito do Direito penal Econômico não se baseiam na explicação exclusiva da liberdade de se organizar/dever de não lesionar, deve-se ir além. Deve-se compreender que nesta seara existem deveres positivos, de colaboração, de especial solidarismo social, cuja infração equivale normativamente a lesionar ou expor a perigo, legitimando uma extensão do instituto da comissão por omissão naquelas hipóteses em que a confiança, a transparência e credibilidade do papel social ocupado se fazem necessária a manutenção da estabilidade da estrutura social.

4.6 Tipos de Conhecimento e Relações Empíricas necessárias a Causação do